Como se sabe, com a vitória eleitoral de Lula em 2002, os movimentos sociais, as centrais sindicais e os partidos de esquerda reorientaram suas táticas em função da nova conjuntura. Desde então, o cenário na esquerda tem sido polarizado entre táticas antagônicas.
Essa polarização atingiu de imediato o movimento estudantil[ME]. E foi justamente nesse contexto de forte polarização sectária que surgiu, pela iniciativa de alguns, a ideia de que havia ou deveria haver uma “reorganização” do movimento estudantil.
Essa ideia surge em meio ao fortalecimento da crença, compartilhada por algumas organizações, de que a tarefa central do momento seria criar uma nova referência nacional de luta para o ME, visivel para o conjunto dos estudantes brasileiros, capaz de se impor como uma alternativa à UNE.
Por isso é que as propostas de “reorganização” do ME sempre se materializam na base da criação de fóruns, frentes e todo tipo de articulações nacionais que supostamente pudessem ocupar o lugar que a UNE ocupa. As condições para a realização dessa empresa estariam dadas.
Apesar de já se terem passado cerca de seis anos da criação da Conlute (que antecedeu a ANEL) e de, nesse meio tempo, terem sido diversas as tentativas frustradas de “reorganizar” o movimento estudantil, essa ideia ainda faz a cabeça de algumas pessoas. Por quê?
Porque ainda há aqueles que partem do *pressuposto *de que os problemas do ME são, *em última instância*, um problema de direção: para essas pessoas, com o advento do governo Lula e a “captulação” da UNE diante do governo, a UNE se firmou definitivamente como um “entrave” ou um “freio” para as lutas.
O “novo” movimento estudantil – que não captulou ao governo – estaria pronto para nascer. Para tanto, bastaria apenas derrubar o “entrave”, o que na prática significa criar uma nova referência nacional alternativa à UNE e contra a UNE.
Quem lê a realidade de forma romantizada dirá que este pressuposto é verdadeiro. No entanto, se assim o fosse, a tática das organizações que levantam a bandeira da “reorganização” do ME estaria correta e o tempo teria lhe dado razão, coisa que não aconteceu. Por quê? Porque este pressuposto é falso.
Se procurarmos ver a realidade sem idealizá-la, e buscar nela quais são os reais problemas do ME, o que veremos? Salvo exceções, e mesmo assim localizadas no tempo e no espaço, veremos um ME profundamente fragmentado, consumido por disputas internas fratricidas, profundamente institucionalizado, alheio aos problemas do povo, quase que totalmente voltado para demandas corporativas – quando não conservadoras – e, *o mais grave*, sem base real, ou seja, bastante distante das massas estudantis.
Essa é a realidade mesmo naquelas experiências pontuais em que o movimento mostra-se mais combativo e eventualmente arranca vitórias: após explosões em que a massa se levanta e se coloca em luta, o que em geral tem se sucedido é um rápido descenso.
Diante desse quadro, cabe questionar: se a ideia de que a tarefa central é “reorganizar” o ME fosse verdadeira, o que deveriamos ter visto onde essa ideia ganhou força, ou seja, onde as chapas partidárias da “reorganização” do ME venceram?
Se essa ideia fosse verdadeira, nestes casos o movimento deveria ter enfrentado seus reais problemas: deveria ter ampliado a sua base e ter se massificado, ter ganho maior coesão, ter se organizado melhor, ter se tornado mais democrático, ter formado mais e melhores militantes, ter estabelecido laços reais com as organizações da classe trabalhadora... em suma, deveria ter enfrentado estes e inúmeros outros desafios *reais*. Ou ao menos ter se aproximado disso. No entanto, não foi isso o que aconteceu.
O que de fato aconteceu?
São inúmeros os relatos de militantes independentes que participaram dos epaços nacionais pautados pela ideia de “reorganização” do ME e que dão conta de provar que, enquanto no discurso se fala do “novo movimento estudantil”, *a prática *é igual ou pior às piores práticas que se conhece do “velho” ME.
Mais do que os relatos de quem esteve lá, o critério para saber se essa ideia contribui ou não com o ME é sobretudo que diferença ela tem feito *na prática *em cada universidade e Executiva de Curso onde tem sido pautada. O que tem ocorrido é que, em geral, onde essa ideia surge, os problemas *reais * são esquecidos – como se não existissem!
Quantos congressos e encontros de DCEs, CAs e Executivas de Curso *deixaram de discutir* seus problemas reais e como enfrentá-los porque a polêmica sobre rompimento ou não com a UNE e filiação ou não a essa ou àquela articulação nacional monopolizou o debate?
E o que efetivamente fizeram os partidários da “reorganização” do ME quando estiveram à frente dos DCE's e CA's? Quantas questões realmente importantes foram *secundarizadas, quando não esquecidas totalmente,* porque essa questão monopolizou sua atuação?
Portanto, a ideologia da “reorganização” do ME tem *na prática *cumprido o papel de *desviar* o ME daquela que verdadeiramente é a sua tarefa central: acumular forças para a revolução brasileira, enfrentando um conjunto de desafios, a começar pelo trabalho de base, massificando as lutas e formando politicamente uma nova geração de militantes para a luta social.
*Na prática*, essa ideologia representa uma *fuga* dos verdadeiros desafios que se deve enfrentar, pois ela *mascara* os problemas *reais *do ME e, em seu lugar, apresenta uma realidade romantizada e idealizada, como se o “novo” ME estivesse pronto para nascer, esperando apenas a criação de uma alternativa à “direção nacional pelega e burocratizada”, quando a realidade é bem diferente disso.
Ora, ao fazer a apologia da “reorganização” do ME como a tarefa central, o que se faz é contribuir para que o ME finja que os problemas reais não existem e fuja deles. Ao fazer isso, essa ideologia *na prática* *contribui com a perpetuação e o aprofundamento destes problemas.* Portanto, fazer a apologia dessa ideia é, *na prática*, prestar um grande desserviço ao ME. Ora, cabe indagar: se é assim, por que motivo se insiste com essa ideia?
Os partidos e forças políticas em geral podem contribuir e muito com o ME. Mas, infelizmente, para alguns partidos, o ME é encarado *apenas* como celeiro de militantes, e a *única* coisa que importa é a autoconstrução.
No fundo, essa é a divergência real: certas organizações colocam a sua autoconstrução acima de *tudo*, e não conseguem enxercar nestes desafios – trabalho de base, formação política, democracia interna etc – algo de útil, pois nada disso faz diferença quando o *único e exclusivo *objetivo é a autoconstrução. Aliás, para estes, o desvio está justamente em não subordinar os reais desafios do ME à autoconstrução!
Daí sua incoerência, que chega a ser patética: elegem a direção majoritária da UNE como inimiga, fazem a propaganda da “reorganização” do ME para combatê-la, mas, no final das contas, naquilo que realmente importa – ou seja, *na prática –* comportam-se da mesma forma que a direção majoritária da UNE: *tudo* em função da autoconstrução.
O que devemos fazer e como devemos nos portar diante dessa ideologia?
Os motivos pelos quais os problemas do ME existem e persistem são muitos e complexos, e nem de longe se resumem a um problema de direção. Aliás, se o central fosse a direção, estes problemas já teriam sido resolvidos há muito tempo. A direção é parte do problema, mas não é o problema todo nem tampouco é o aspecto principal do problema.
O ponto então é que não é a criação de articulações nacionais – seja uma entidade, seja outra coisa – que vai dar conta de enfrentar este conjunto de problemas. Para dar conta de seus inúmeros problemas, não há atalho: o ME precisa enfrentar inúmeros desafios, sendo o principal deles o trabalho de base. Não aquele “trabalho de base” voltado *única e exclusivamente* para a autoconstrução do partido. Mas o trabalho de base que fortalece o movimento, que ajuda a base a ser sujeito ativo do movimento. *É no desprezo por este trabalho de base que está a raíz de todos os problemas que o movimento estudantil enfrenta.*
Dito isso, devemos ter claro que não é papel nosso combater as organizações que fazem a propaganda da “reorganização” do ME, nem as estruturas por eles criadas, seja a ANEL, sejam outras estruturas. Estes não são nossos inimigos. Elegê-los como tal seria um erro grosseiro. Para fazer diferença na luta de classes, toda a nossa energia deve ser direcionada a combater nossos verdadeiros inimigos: a burguesia e a direita, bem como os valores e as relações do capital e do patriarcado.
Ao mesmo tempo, se não devemos combater os agentes desse discurso – pois fazê-lo seria um total desperdício de energia –, temos o dever combater as ideias que estão na base desse discurso. Isso porque a ideologia da “reorganização” do movimento estudantil tem implicações práticas: *quem compra esse discurso deixa de dedicar sua militância para o trabalho de base e vai dedicá-la a uma construção que na prática só contribui para manter a aprofundar o estado de letargia do movimento estudantil.*
Para que faça alguma diferença na luta de classes, dentro e fora da universidade, o ME precisa ter força, e o ME só terá força se enfrentar todo um conjunto de desafios, forjando-se ele próprio como sujeito de transformações. Neste momento histórico de descenso das lutas de massas, hegemonia do capital na sociedade e fragmentação da esquerda, devemos mais do que nunca investir no trabalho de base, para ajudar a classe trabalhadora a se preparar para os embates que virão.
Para ranto, o ME precisa ser visto como sujeito pelas forças políticas que atuam nele. Enquanto houver forças políticas com comportamento sanguesuga, preocupadas *única e exclusivamente* com sua autoconstrução *e em mais nada*, o ME continuará fraco, só acumulará derrotas e, o que é pior, não contribuirá com o reascenso das lutas de massas e não estará preparado para intervir de forma deciva quando este momento chegar.
Fonte: http://mrrogens.blogspot.com/2011/04/reorganizacao-do-movimento-estudantil.html
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