segunda-feira, 16 de maio de 2011

Proposta de reforma tributária do governo ignora distribuição injusta

Prioridade de Dilma Rousseff em 2011, proposta deixa intocada regressividade do sistema brasileiro. Só metade da tributação atinge renda, lucro e patrimônio. CUT defende imposto sobre jatinhos e iates. Auditores e fiscais querem taxar grandes fortunas. Com um terço do Congresso dono ou sócio de empresas ou fazendas, governo opta por reforma da 'eficiência'.

BRASÍLIA – A presidenta Dilma Rousseff pretende mandar em breve ao Congresso uma proposta de reforma tributária, uma de suas proridades este ano. Os planos do governo foram apresentados a deputados e senadores pelo ministério da Fazenda nos últimos dias. A idéia é simplificar o ICMS, imposto estadual que é o maior do país, e desonerar a folha de salários e os investimentos empresariais. Nos dois casos, vai se tentar deixar as empresas mais fortes ao concorrer com estrangeiras, dentro ou fora do Brasil. A reforma, porém, não tocará em uma das características do sistema tributário nacional, a regressividade, em que pobre sofre mais que rico.

No ano passado, a Receita Federal arrecadou R$ 545 bilhões em impostos, sem contar o dinheiro destinado à Previdência Social. Daquele total, metade resultou de taxações sobre o consumo de produtos e serviços pelos brasileiros. Só a outra metade mordeu renda, lucro, patrimônio e movimentação financeira. Segundo estudo de 2008 da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), chamado Consumption Taxes Trends, em nenhum país ligado ao organismo, a tributação do consumo ultrapassa 25%.

Essa distribuição do ônus fiscal é considerada injusta porque as pessoas que vivem com menos dinheiro não poupam. Compram alimentos, bebidas, roupas, e todos estes gastos pagam imposto. Já os ricos conseguem guardar. E sempre procuram aplicar em atividades lucrativas e pouco tributadas. Como a aquisição de terras, por exemplo. No ano passado, os fazendeiros pagaram R$ 500 milhões de Imposto Territorial Rural (ITR). A Cofins, contribuição embutida no preço de todos os produtos, rendeu ao governo 280 vezes mais, R$ 140 bilhões.

“Precisamos fazer com que quem ganha menos pague menos e quem ganha mais, pague mais”, afirmou o deputado Claudio Puty (PT-PA), presidente da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados.

Taxar iates e grandes fortunas
Maior central sindical do país, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) acha que a regressividade deveria ser atacada pela reforma agora, logo no início da gestão Dilma, quando o governo ainda conta com alta popularidade e não passa por crise política. “Eu quero discutir progressividade tributária. Por que quem compra um carro a prestação paga IPVA, e os ricos que têm iate e jatinho particular não pagam?”, disse o presidente da CUT, Artur Henrique.

A cobrança de impostos sobre a propriedade de jatinhos e iates foi proposta em 2003, no começo do governo Lula, pelo então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, hoje chefe da Casa Civil de Dilma. Chegou a ser aprovada pelos deputados, mas foi enterrada pelos senadores.

Para Artur Henrique, o governo também deveria acabar com, na opinião da CUT, uma aberração tributária, conhecida como juros sobre capital próprio. É uma regra criada em 1995 que permite ao sócio de uma empresa pegar dinheiro dela, fora os dividendos, e descontar do imposto de renda da firma - o sócio precisa, no entanto, recolher imposto como pessoa física.

Os dois sindicatos dos funcionários da Receita Federal (Sindifisco e Sindireceita) defendem ainda que o governo aproveite a reforma para seguir uma autorização dada pela Constituição de 1988 e taxe grandes fortunas. Para a equipe econômica, a ideia não é viável. “A capacidade de arrecadação desse imposto é pequena e levaria o dinheiro para fora do país, como vimos em lugares como a Europa”, disse o secretário-executivo do ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, em audiência pública nesta terça-feira (10/05) na Câmara.

Governo e 'aliados'
No debate, Barbosa comentou a falta de progressividade no sistema fiscal brasileiro. “O caráter regressivo é uma questão muito importante, nós reconhecemos isso”, afirmou o economista. “Mas esse sistema não foi criado em oito anos, é de mais de quarenta”, completou, sugerindo que não seria fácil remontar o modelo em pouco tempo.

E não seria mesmo. Embora a presidenta Dilma tenha amplo apoio de deputados e senadores, o perfil do Legislativo indica que medidas tributárias progressivas teriam poucas chances de prosperar. De cada três parlamentares, um é dono ou sócio de empresa ou fazenda, segundo o livro Radiografia do Novo Congresso, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). A bancada empresarial é a maior do parlamento.

A intenção do governo, na reforma de agora, é mexer na legislação para que as empresas tenham mais condições de competir com as rivais internacionais. Para Nelson Barbosa, não existe "a" mas "uma" reforma tributária. Pode-se fazer uma mudança para baixar impostos, para aumentar impostos ou para redistribuir o ônus fiscal, por exemplo. A proposta atual, segundo ele, tratará de dar mais "eficiência" ao sistema.


Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17781

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