Fragilizado com 'caso Palocci', governo desiste de 'jogo duro' e apoia transformação em lei de programa de regularização de produtor rural que desmatou acima do permitido. Criada por decreto de 2009, legalização permite que agropecuária recupere, sem pagar multa, destruição praticada até 2008. Derrotada em ponto específico, Dilma promete vetar 'anistia geral'.
Por André Barrocal
BRASÍLIA – Com o governo num momento político delicado perante o Congresso e partidos aliados, por causa da situação de seu principal articulador, ministro Antonio Palocci, a Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira (24/05), um novo Código Florestal que dá status de lei a uma espécie de “Refis do desmatamento” criado por decreto em dezembro de 2009.
O texto, votado com apoio do governo, permite que produtor rural que desmatou de forma indevida até 2008 entre na legalidade e não seja multado, se ele aderir a um programa de regularização em que se compromete a recuperar a vegetação de sua propriedade nos próximos anos.
É o mesmo espírito do Refis, programa instituído em 2000 para empresários devedores de impostos que poderiam voltar à legalidade se assumissem os débitos e os pagassem, ainda que de forma parcelada. Para o relator do novo Código na Câmara, deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), é melhor que haja algum reflorestamento, do que cobrar multas, pois a legislação tenta proteger o meio ambiente, e não arrecadar dinheiro.
De acordo com números citados durante a votação, no plenário da Câmara, por deputados contrários ao projeto, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) já teria engatilhadas 13 mil multas contra desmatadores que, juntas, somariam R$ 2,4 bilhões. Pela legislação em vigor, que a votação na Câmara modifica mas ainda falta o Senado fazê-lo, as multas podem ser cobradas a partir de 11 de junho.
Elas foram fixadas em um decreto de julho de 2008, assinado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a pedido do então ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, que havia assumido no lugar de Marina Silva apenas dois meses antes. Presssionado pelo então ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, Lula assinaria mais dois decretos adiando a vigência das multas, e o segundo criaria o Refis, o Programa Mais Ambiente.
O problema é que a chamada bancada ruralista nunca ficou satisfeita de ver o Refis só em decreto, instrumento jurídico mais fácil de ser modificado, pois depende apenas da vontade do governo. Desde 2009, trabalhava para transformar o programa em lei, o que conseguiu nesta terça-feira depois de semanas de negociações duras com o governo. Foi uma vitória incontestável: 410 votos a 63. "Agora teremos segurança jurídica", disse o ruralista Luiz Carlos Heinze (PP-RS).
Fator Palocci
A vitória foi facilitada pelo recente noticiário sobre o ministro Antonio Palocci, que havia sido escalado pela presidenta Dilma Rousseff para negociar o novo Código com os parlamentares.
Acertado com Dilma, Palocci vinha esticando ao máximo as negociações, para evitar que o Brasil tivesse a imagem ambiental chamuscada às vésperas da Rio+20, encontro planetário sobre desenvolvimento sustentável que acontecerá no Rio em 2012. Para enfraquecer os ruralistas e fazer menos concessões, estava usando como arma a iminência das multas em junho.
“O governo enraiveceu sua base. Agora, está mais fácil. A Dilma chamou a discussão para si e flexibilizou um pouco”, dizia pouco antes da votação o coordenador da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Moreira Mendes (PPS-RO).
“A entrada da Dilma na negociação ajudou, ela conhece o assunto, participou de inúmeras reuniões sobre isso com o Lula”, também afirmava antes da votação o hoje deputado Reinhold Stephanes (PMDB-PR). “Além disso, o governo sabe que não vota mais nada aqui antes do Código, e tem várias medidas provisórias para vencer nos próximos dias”, completava o ex-ministro.
A ameaça de não votar nada antes do Código tinha partido do líder do PMDB na Câmara, Henrique Alves (RN). Não era uma postura que podia ser ignorada pelo governo. O PMDB é o maior partido aliado de Dilma, ao lado do PT. Tem hoje o ministério da Agricultura e, mais do que isso, o vice-presidente da República, Michel Temer.
Dilma entra em campo
Foi com Temer e alguns ministros, um dia antes da votação do novo Código, que a presidenta decidira que não dava mais para manter a paralisia na Câmara. O texto deveria ser votado mesmo que o governo tivesse alguma derrota pontual para tentar reverter no Senado ou mesmo com veto presidencial.
Horas antes da votação, a presidenta recebera no Planalto um grupo de oito de dez ex-ministros do Meio Ambiente ainda vivos, liderados por Marina Silva e Carlos Minc. “Eu estava na reunião e a presidenta foi muito firme na posição de que vai vetar qualquer tipo de anistia para os desmatamentos e que, se precisar, veta a lei inteira”, contou o coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Sarney Filho (PV-MA).
Durante a votação no plenário, o líder do governo na Câmara, Candido Vaccarezza (PT-SP), foi bem claro quanto às intenções presidenciais: “Nós vamos votar, mas este texto está em discussão. Não vamos permitir nenhuma anistia.”
O que Sarney Filho e Vaccarezza chamam de anistia foi exatamente o objeto de uma derrota pontual do governo. A bancada ruralista propôs alterar o relatório de Aldo Rebelo para incluir o perdão - sem a exigência de recuperação futura - ao produtor rural que destruiu áreas protegidas. A ideia foi aprovada por 273 votos a 182. Para o líder do PT na Câmara, Paulo Teixeira (SP), foi uma “boa derrota”, pois os opositores da anistia estão em sintonia com a opinião pública.
A aprovação do novo Código foi comemorada por ruralistas com grito de “redenção” e “noite de glória” do setor. Já os dois únicos partidos contrários, PV e PSOL, usavam palavras como “desastre” para classificar o que aconteceu. O texto será discutido agora no Senado.
Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17829
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