sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Nova Carreira Docente das Ifes é uma afronta ao bom-senso, à pesquisa e à inteligência

View more documents from pierrelucena.

No começo do Governo Lula, os salários dos professores das Universidades Federais estavam muito defasados. Depois de 8 anos de acocho e abandono das Ifes, no Governo Fernando Henrique, esperava-se que as coisas melhorassem com Lula.

Durante o Governo atual, a recuperação da universidade brasileira foi visível. Muitos concursos foram feitos, inclusive para cobrir as milhares de aposentadorias dos anos anteriores, e chegou-se finalmente a uma fórmula para contratação, que seria baseada na produtividade da Universidade, que é o chamado professor-equivalente. Mesmo que os critérios só levem em consideração a formação de alunos, foi um grande avanço ao jogo de contratações que sempre tivemos, onde o Ministro definia a quantidade de docentes a ser contratada, fazendo com que a amizade valesse mais do que o mérito. A expansão das universidades foi excepcional, especialmente fora das grandes capitais.

Mas um dos principais problemas simplesmente não foi enfrentado, que é a baixa produtividade de muitas Universidades, e o salário muito defasado em relação a qualquer outra categoria do serviço público federal. Para se ter uma idéia do que estou falando, e muitos acharem que os professores ganham muito, o salário de um professor Dedicação Exclusiva, Adjunto 4, com doutorado, hoje é de R$ 7.100,00 bruto (incluído gratificações). Veja que não estou falando em começo de carreira, e sim em alguém que já está quase no topo dela, com muito tempo de casa, e no máximo da qualificação. Os outros concursos federais, em sua grande maioria, paga muito mais do que isso para um graduado.

No caso da carreira docente, tivemos o enfraquecimento da discussão com a divisão sindical entre Andes e Proifes. Para quem não sabe, o Sindicato Nacional é o Andes, mas que não conseguia legitimidade junto à categoria. Com isso se formou o Proifes, cuja idéia era a de discutir essa nova realidade com o Governo. Mas o que se viu foi um grupo de sindicalistas abduzidos e submissos ao Governo, que foram enrolados e prejudicaram todo o processo de discussão salarial.

Os professores receberam um aumento muito pequeno, que mal cobriu a inflação do período de 8 anos do Governo Lula, com uma promessa de envio de um novo plano de carreiras para os docentes. Esta longa explanação inicial foi apenas para situar o leitor.

Eis que o Governo divulgou seu Projeto de Lei para a carreira docente. O texto é uma aberração ao bom senso de qualquer negociação. (veja no slide acima.

Primeiro que parte do princípio que todo professor trabalha muito pouco. Diz que a partir de agora, para conseguir progredir na carreira será preciso trabalhar o dobro (ou mais do que isso), e que fazer parte da pós-graduação não vale quase nada.

Segundo, que não há quase aumento salarial. Pede-se para trabalhar muito mais, para ganhar praticamente a mesma coisa. Aquele professor Adjunto 4 que falei antes, que ganha hoje R$ 7.100,00, passa a ganhar R$ 7.900,00.

Você pode pensar, ele está ganhando 10% a mais, não é bom?

Vamos entender como funciona hoje o regime de trabalho na Universidade.

Na prática temos dois grupos de professores. O de 20 horas e o de 40 horas (a DE aí incluída). Para o segundo grupo, exige-se que o docente ministre 4 turmas (graduação/mestrado/doutorado) ou que este tenha pesquisa aprovada, e aí reduz sua carga horária para 2 turmas no semestre. Em alguns departamentos a carga é bem maior, e em outros é verdade que é menor, e o docente sem pesquisa fica com apenas 3 turmas, mas aí a discussão é a falta de controle.

No meu caso, eu sou Coordenador de Curso (pela legislação teria carga horária de sala de aula de uma turma), tenho pesquisa aprovada, e estou com 3 turmas, sendo duas na graduação e uma na pós.

Pelo novo Projeto de Lei, para o professor conseguir progredir, ele terá que dar no mínimo 3 turmas na graduação. Como ele precisa estar na pós, pois também não progride, e a pós exige uma turma no mínimo por ano, além da pesquisa aprovada, na prática os professores darão quase o dobro de aulas se quiserem progredir na carreira.

Em outras palavras, estão querendo que os professores trabalhem o dobro para ganharem quase a mesma coisa. Não estão partindo apenas do pressuposto de que trabalham pouco, mas também do que são desprovidos de inteligência.

A parte boa é que criou mais uma categoria de progressão, a de professor sênior, mas não reconhece os casos onde professores já se dedicaram, e ficaram por muito tempo parados por falta de opção de progressão. Ao invés de manter a distância para o topo da carreira dos atuais, quer aumentar ainda mais, fazendo com que professores que sejam adjunto há tempos fique na mesma situação de quem entrou quase agora.

Aqueles que me conhecem sabem que sou um defensor da docência e da sala de aula. É algo que me dá grande realização pessoal, e gosto muito mais da graduação do que da pós-graduação, mas este projeto é um escárnio. É algo que não dá nem para começar a discutir.

Ataca frontalmente a pesquisa no início da carreira, e imputa à universidade brasileira a idéia de que deve virar um escolão de terceiro grau.

O pior é ver que os professores estão totalmente desmobilizados da discussão sobre a carreira, e não há muito gás das associações para mudar esta situação. Por sua vez, a Andifes se faz de morta e batem continência para o Governo em qualquer situação.

Com este cenário, onde reitores e dirigentes sindicais batem palmas para o Governo em qualquer circunstância, a submissão é o carro-chefe de qualquer discussão, e inevitavelmente o professor será prejudicado.


Fonte: http://acertodecontas.blog.br/educacao/nova-carreira-docente-das-ifes-uma-afronta-ao-bom-senso-e-pesquisa/

Nenhum comentário: