quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Joana Tavares: Despolitizando o governo Dilma

Despolitizando o governo Dilma
Grande mídia gosta de tachar a gestão da presidenta de “técnica” – e a elogia por isso –, mas analistas rechaçam essa caracterização e apontam que o principal problema não é um suposto perfil empresarial da administração petista, mas seu caráter de composição de classe.
Joana Tavares, no Brasil de Fato, via Moto-Próprio
Roberto Setúbal, o principal executivo do banco Itaú, declarou em entrevista durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, que “gosta de tudo” que tem visto no governo Dilma. Afirmou que a presidenta tem uma intenção de deixar o governo “mais técnico, com presença cada vez maior de técnicos em áreas importantes”.
Ele não é o único que tem analisado – ou tentado tachar – a gestão Dilma Rousseff como empresarial, voltada para políticas de metas e resultados. Os exemplos não são poucos. Começou com a construção de Dilma como candidata: ela foi classificada como “gerente” do governo Lula, responsável por administrar os investimentos federais, coordenando programas de vulto como o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
Quando Antonio Palocci deixou a poderosa Casa Civil – responsável pelas articulações políticas e pela coordenação de programas de governo – Gleisi Hoffmann assumiu o posto já com a alcunha de ser “a Dilma da Dilma”, a gerente-geral dos ministérios.
Depois, veio a substituição de Alfredo Nascimento – acusado de desvio de recursos – por Paulo Sérgio Passos, que era secretário-executivo do Ministério dos Transportes. Os dois são do mesmo partido, o PR. Em seguida, a saída de Nelson Jobim da Defesa, substituído por Celso Amorim, ex-chanceler do governo Lula.
Wagner Rossi, da Agricultura, envolvido em denúncias de corrupção na Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), pediu demissão e deixou a vaga para Mendes Ribeiro, do mesmo partido, o PMDB. Pedro Novais, do Turismo, também entregou o cargo após denúncias de ter desviado recursos públicos para causas pessoais. Gastão Vieira, também do PMDB, entrou em seu lugar. Ainda em 2011, Orlando Silva deixou o Ministérios dos Esportes, acusado de fraudes em convênios, e foi substituído pelo também membro do PCdoB Aldo Rebelo.
Discute-se ainda a substituição de Carlos Lupi, demitido do Ministério do Trabalho, mas a indicação deverá vir de seu partido, o PDT. Outra troca foi no Ministério das Cidades. Saiu Mário Negromonte, e entrou Aguinaldo Ribeiro; os dois do PP.
“Capacidade operacional”
Com exceção da troca de Jobim por Amorim, comemorada por setores da esquerda, as demais tiveram um roteiro parecido: denúncias de corrupção nos jornais, pedido de demissão do acusado, nomeação de um partidário da mesma legenda do ministro derrubado.
Além desses casos, houve a saída de Fernando Haddad, da Educação, para que o petista possa se dedicar à campanha para prefeito de São Paulo. Aloizio Mercadante, quadro antigo do mesmo partido, deixou o Ministério da Ciência e Tecnologia para assumir o posto de Haddad. Em seu lugar, entrou Marco Antônio Raupp, considerado um perfil “técnico” para o cargo. Na Petrobras, sai José Sergio Gabrielli e entra Maria das Graças Foster que, apesar de filiada ao PT, fez carreira na empresa, e não nos bastidores da articulação política.
Essas mudanças no comando dos cargos foi apelidada pela grande mídia de “faxina”, e contribuiu para consolidar a imagem da presidenta como uma competente administradora, interessada em fazer a máquina pública funcionar, montando finalmente um ministério com sua “marca”, afastando os indicados pela gestão Lula e nomeando pessoas com capacidade operacional, em detrimento de critérios “políticos”. O governo também se utiliza desse vocabulário, buscando atrelar-se a uma imagem de eficiência.
No entanto, analistas e militantes apontam que há uma continuidade entre as gestões e o principal problema não é um suposto perfi l técnico do governo Dilma, mas seu caráter de composição de classe.Composição do governo
“Isso [o suposto perfi l técnico do governo Dilma] é uma maneira que a grande imprensa encontrou para separar a presidenta Dilma do Lula, fazendo esse jogo de intrigas, para tentar avançar uma agenda mais conservadora. Entendemos que não existe técnica neutra. A presidente Dilma não é criança pra embarcar no jogo de achar que é possível montar um governo técnico para colocar sua cara no governo”, analisa João Antonio de Moraes, coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP). Ele aponta que a nomeação de Graça Foster para a Petrobras, por exemplo, representa uma continuidade de gestão, com compromissos parecidos, “tanto na relação partidária como na visão da gestão da empresa”. Para ele, a dificuldade central para fazer avançar a pauta dos trabalhadores – como o cumprimento integral do acordo coletivo e a priorização do caráter público, não mercadológico, da empresa – é a aliança de sustentação de classe, na composição de um governo de coalizão.
Para Moraes, a diferença central entre o governo Lula e o de Dilma vem de fora. “A imprensa tem tido um tratamento mais, digamos, ameno, em relação ao governo Dilma. A mídia teve uma visão mais preconceituosa com o Lula, por ele ser um operário. Isso acaba tendo um peso maior que a diferença do governo em si”, pondera.
O professor de jornalismo da faculdade Cásper Líbero Gilberto Maringoni frisa que “não existe governo com perfil técnico. Toda ação de governo é, por definição, política”. Ele cita o exemplo dos governos de Itália e Grécia, tidos como técnicos e comandados por banqueiros, cujas gestões se situam mais à direita que as anteriores.
Leidiano Farias, militante da Consulta Popular, aponta que a crise econômica foi a desculpa para o capital financeiro implementar esse tipo de governo nos países em crise. “Governos técnicos expressam uma concepção de governo antinacional e impopular”, salienta.
Despolitização
“A separação entre política e técnica sempre foi uma ideia cara ao pensamento conservador. A composição do governo brasileiro segue sendo a de incorporar o maior espectro de correntes políticas possível, para eliminar a oposição”, explica Maringoni.
Para ele, o maior problema do governo Dilma não é o enfrentamento externo, e sim a oposição interna. “Grande parte da direita brasileira está abrigada na administração. Isso não quer dizer que este seja um governo de direita. Quer dizer que a oposição está dentro do governo e isso tem decorrências na gestão dos negócios públicos”, diz.
A oposição a bandeiras populares, como a reforma agrária, a CPI da Privataria e a redução dos juros, entre outros, vem, assim, do próprio governo, que, mesmo tendo maioria no Congresso, não consegue avançar para além de uma pauta conservadora.
Leidiano observa que o governo Dilma herda o caráter de conciliação da gestão de Lula, ainda que dialogue com um perfil mais técnico. “Os trabalhadores, a burguesia industrial, a burguesia financeira, a burguesia agrária e comercial estavam representadas no governo Lula e continuam representadas no governo Dilma. Isso se expressa na coalizão de partidos liderada pelo PT. É um governo permeado de contradições”, ressalta.
O escritor e militante petista Wladimir Pomar reforça que a tentativa de diferenciação entre os dois governos vem da grande imprensa, que tenta impor à gestão de Dilma um caráter técnico que o tornaria de outro tipo. “Na verdade, essa separação entre técnica e política faz parte da mistificação com que as classes dominantes sempre tentaram empulhar os dominados. Em qualquer dos poderes do Estado, todos os cargos são políticos, embora todos eles também tenham um caráter técnico a ser levado em conta. Mas qualquer técnico que assuma um cargo no governo está assumindo um cargo e uma missão, antes de tudo, políticos”, enfatiza.
Ele analisa que a grande imprensa tem como programa despolitizar o governo Dilma, ao mesmo tempo em que promove uma ideologização do debate político, com o propósito de confundir as forças, dividir o governo de coalização e derrotá-lo nas eleições. “A grande imprensa procura se aproveitar do fato de que a questão central do governo, hoje, consiste em colocar em prática um grande projeto nacional de desenvolvimento econômico e social, o que pode aparentar um plano de metas”, aponta. Para ele, os grandes projetos colocados em prática pelo governo têm um caráter estratégico, com grande conteúdo político, mas estão sendo esvaziados pela cobertura midiática.
Projeto e mobilização
O sociólogo Chico de Oliveira concorda que o governo Dilma segue o script do governo Lula, mas discorda da caracterização do projeto colocado em prática. Na sua avaliação, não há plano nenhum, “apenas a consolidação dos projetos governamentais em curso”. As mudanças do governo, na sua leitura, seguem e seguirão na linha do amplo leque de alianças forjado por Lula. “Não tem nenhum paradigma político em particular; é simplesmente pragmático”, defende. “Dilma seguirá pela linha de menor resistência, isto é, mais do mesmo. O que estiver dando certo, ela tentará seguir”, analisa.
Para ele, o ciclo Lula se encerra no mandato de Dilma, e mesmo o ex-presidente não deve voltar com uma plataforma profunda de reformas. “O ciclo Lula acabou. O governo Lula, e seu período, ao contrário do que se esperava – e eu me incluo entre esses – é a culminação longínqua do regime militar, com sua decidida política privatista e seu jogo de divertissement – enganação, na verdade, segundo a língua francesa – para os pobres”, critica.
Wladimir Pomar analisa que o projeto de desenvolvimento econômico e social que os governos petistas estariam executando garante tanto a implementação de políticas voltadas para as camadas populares quanto a geração de lucros para os capitalistas. Ele aposta que, ao aumentar a força social dos trabalhadores, esse modelo de desenvolvimento fortaleça também a média burguesia nacional, que pode enfrentar a burguesia associada aos monopólios estrangeiros.
“Cria, portanto, as condições materiais para o delineamento das classes em disputa e para o desenvolvimento da luta de classes. É dessa luta que pode emergir, com mais clareza, um verdadeiro projeto popular, ou democrático-popular, ou socialista”, reforça. Para ele, a força demonstrada pelas classes populares é que vai definir os rumos do governo.
Leidiano caracteriza o projeto em prática como “neodesenvolvimentismo conservador”, pois não é articulado com reformas estruturais. Ele aponta que a idéia do “melhorismo” tem limites, e reforça a necessidade de um forte movimento de massas para pressionar a execução de reformas essenciais para o povo brasileiro. “Para o governo reivindicar esse projeto teria que romper com seu caráter de conciliação, teria que aceitar o conflito de interesses de classes como uma forma de resolver os problemas do povo”.


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