Em resposta a tal plano, que resultou de acordo entre o PP (Partido Progressista) e o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), respectivamente legendas que se definem de direita e esquerda - embora essa separação já não se faça visível na atual conjuntura política europeia -, a população espanhola, mais uma vez, sai às ruas para protestar contra o corte de direitos sociais que vêm sendo executado pelo governo de José Luis Rodrigues Zapatero e se acentuará, caso seja aprovada a alteração da Constituição.
Essas medidas de austeridade econômica são praticadas por ordem do Parlamento Europeu, do Fundo Monetário Internacional e do Banco Central Europeu que, em troca, prometem auxílio è recuperação econômica de países periféricos, como Espanha, Portugal, Grécia, Itália e Irlanda, atualmente em risco de quebra desde a avalanche causada pela crise financeira iniciada em 2008.
Por isso, no domingo (28), cerca de 3 mil pessoas marcharam pacificamente desde a estação Atocha até a Porta do Sol, em Madri, para exigir a realização de um referendo, em que a população possa decidir se concorda ou não com essa proposta de reforma constitucional. Outras milhares de pessoas se reuniram em manifestações igualmente não-violentas, realizadas em dezenas de cidades espanholas, dentre as quais Barcelona, onde em torno de 2000 “indignados” tomaram as ruas.
Novos protestos são planejados para esta terça, quando a modificação da Constituição será analisada pelo Congresso Nacional espanhol. Os integrantes do 15-M, também conhecido como movimento Democracia Real Ya (DRY), em Madri, já sinalizaram que se concentrarão nas imediações do Parlamento nacional desde as 14h00 até as 16h00, sendo que a reunião entre os deputados tem início previsto para as 10h00.
Embora a marcha de ontem tenha sido convocada por iniciativa desse grupo popular, também se somaram aos protestos o bloco Juventud Sin futuro e outros coletivos com reivindicações similares, além de pessoas de diversas faixas etárias que, em clima de festa, pediam a reforma da lei eleitoral espanhola e maior participação cidadã.
Segundo o jornal El País, durante todo o ato, a presença dos policiais antidistúrbios se fez notar com discrição. Talvez porque essa instituição tenha preferido poupar a exposição de sua imagem, um pouco manchada, depois do enfrentamento de seus integrantes com participantes de uma marcha a favor do Estado laico, realizada no dia 17 de agosto, por ocasião da visita do Papa Bento XVI a Madri.
A manifestação laica havia sido articulada sob o lema “dos meus impostos, ao Papa zero”, em referência aos gastos exorbitantes para um contexto de recessão econômica, que haviam sido realizados pelo governo espanhol com o objetivo de financiar a participação dessa autoridade eclesiástica na Jornada Mundial da Juventude Católica, evento cuja edição deste ano foi sediada em Madri.
Porém, não se permitiu a conclusão dessa passeata laica depois que seus participantes se depararam com os jovens peregrinos católicos presentes na Porta do Sol. Ali, os dois grupos trocaram insultos e foram separados por cordões policiais, até que, depois das 22h30, os antidistúrbios retiraram os manifestantes laicos do local com violência, numa operação que resultou em 11 feridos e oito detidos. Também causou alarde na opinião pública a divulgação de um vídeo em que uma jovem de 17 anos é agredida por alguns desses homens fardados (ver acima), durante marcha realizada no dia 18/8, em protesto contra a violência policial observada no dia anterior.
Depois do episódio extremamente desfavorável à imagem da Polícia espanhola e do Ministro do Interior de Madri, Antonio Camacho, a Chefia Superior de Polícia disse ter aberto uma investigação interna sobre a atuação dos antidistúrbios que agrediram a adolescente, identificados como o chefe do grupo de intervenção policial e um subinspetor. Os investigados poderão ser penalizados por “falta grave”, ou “muito grave” do regime disciplinar, castigadas com suspensão de funções e até mesmo separação do serviço.
Além disso, outras ações judiciais individuais vêm sendo propostas contra os policiais pelos agredidos, sob auxílio de advogados particulares ou voluntários que atuam na Comissão Jurídica do 15-M. Devido a essa resposta direta e bem articulada dos ativistas, a mudança de atitude dos policiais na última mobilização massiva representou uma ganho para o movimento contrário às atuais políticas antidemocráticas do governo espanhol, que é bem compreensível.
O que não se pode calcular, no entanto, é até quando essa aparente tregua irá durar, já que, segundo porta-vozes do movimento Democracia Real Ya, o outono espanhol promete ser carregado de manifestações. E a rebeldía não se limita aos integrantes do 15-M. Os sindicatos de trabalhadores espanhois, UGT e CC OO, acompanhados de várias outras organizações sociais, já articulam mobilizações contra o atual plano de reforma sem referendo, que prevê a inclusão de um princípio genérico de estabilidade orçamentária na Constituição.
Haverá uma grande manifestação em Madri no dia 6 de setembro e são preparados protestos no resto do país para os dias 31 de agosto e 1º de setembro. Os coletivos que protagonizam essas estratégias de luta também não descartam uma greve geral, como forma de pressionar que os parlamentares votem contra a alteração constitucional.
É uma pena que a possibilidade de realização de um referendo, forma de participação cidadã mais democrática, porque direta, venha acompanhada da discussão sobre uma proposta de mudança da Constituição tão absurda. Ao invés de tentar fazer retroceder direitos sociais conquistados a duras penas pelos movimentos populares, os governantes da zona do euro deveriam se preocupar em apresentar projetos de lei que regulamentem o mercado financeiro, cuja anarquia suscetível aos interesses de poderosos econômicos tem sido a causadora da crise hoje vivenciada. O povo, ainda firme nas ruas, demonstra essa consciência de que a reforma estrutural do atual sistema capitalista é a única, de fato, urgente e necessária.
Fabíola Munhoz é advogada, jornalista e mestranda em Comunicação e Educação
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