Por Francisco Luque - Correspondente da Carta Maior em Buenos Aires
“A educação pública deve ser defendida”, assinala enfática a doutora Olga Ciencia, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires, enquanto observa pela televisão a gigantesca marcha convocada por estudantes chilenas, motivada pela crise estrutural na educação chilena.
Os estudantes argentinos entendem de mobilizações em defesa da educação. No ano passado, um “estudiantazo” de secundaristas e universitários paralisou suas atividades por três meses. O protesto foi contra a má gestão do setor e a demora nos trabalhos de melhoria da infraestrutura de algumas escolas. Finalmente, o governo de Buenos Aires cedeu ante as demandas dos estudantes.
Para Ignacio Kostzer, presidente da Federação de Estudantes da Universidade de Buenos Aires (FUBA), no último período, a Argentina conseguiu resistir em melhores condições ao avanço neoliberal privatizador e mercantil sobre o sistema educacional. Ele sabe, porém, que a batalha não está ganha e que o sistema educacional não está isento às pressões do mercado. Mas indiscutivelmente não sofreu a derrota ideológica e cultural que sofreram os estudantes chilenos.
“O movimento popular argentino, dentro do qual se destaca especialmente o movimento estudantil, teve a capacidade de resistir mesmo nas piores condições às investidas privatizadoras contra a educação. Seja em relação às tentativas explícitas de privatizar, como ocorreu com as universidades nos anos 90, por meio das políticas de Carlos Menem e Fernando de la Rúa, seja quanto às formas relativamente “indiretas” de avançar na direção da lógica de mercado, como ocorre hoje. A defesa da gratuidade e do acesso universal tem sido reivindicações prioritárias do movimento popular na Argentina”, sustenta.
Afirma ainda que o nível de publicidade ou de elitismo do sistema educacional reflete necessariamente uma correlação de forças políticas e sociais em luta. É no terreno político onde se resolve a disputa entre os que entendem a educação como um negócio (um dos que mais movimenta dinheiro no mundo) e os que a concebem como um direito humano básico e universal. Essa disputa está presente tanto na Argentina como no Chile, ainda que estas sejam, sem dúvida, duas realidades qualitativamente distintas.
Hoje, a educação pública argentina é paradigmática na América Latina. Assegura a todos os habitantes do país – e, nos últimos anos, a uma quantidade importante de estudantes latino-americanos – o exercício efetivo de seu direito a aprender, mediante a igualdade de oportunidades e possibilidades, sem discriminação alguma. Todos os organismos correspondentes garantem o princípio da gratuidade nos serviços públicos, em todos os níveis e regimes especiais, mediante identificação nos respectivos orçamentos educacionais, e um sistema de uniformes para alunos(as) em condições socioeconômicas desfavoráveis.
Em 2004, o ex-presidente Néstor Kirchner definiu que a educação pública não era um gasto, mas sim “um instrumento transformador”. Esta decisão política foi fundamental para priorizar a possibilidade de igualdade e oportunidade para todos e um acesso a uma educação de qualidade.
A partir daquele momento, o Estado argentino passou a realizar significativos investimentos na área, passando de 3% do PIB, em 2003, para 6%. Deste total, 1% é destinado às universidades. Segundo anunciou a presidenta Cristina Fernández, o objetivo é subir para 6,49% em 2012.
Os estudantes argentinos sabem que esta luta é também latino-americana. A FUBA esteve presente e apoiou a mobilização estudantil chilena. Entendem que, em todo o continente, a defesa da Educação pública, gratuita e de qualidade constitui um ponto central para qualquer programa de espírito transformador, democrático e emancipatório.
Ignazio Kostzer sustenta que o continente tem uma história muito em rica em experiências de educação popular e alternativa. De Simón Rodríguez a Paulo Freire, passando pelos programas de alfabetização da revolução cubana, etc. “A América Latina tem muito para contrapor ao sistema educacional liberal hegemônico. Entendendo que o processo educacional não é formado por alunos ignorantes que recebem a luz do conhecimento pelo professor, mas que há também valores em jogo neste processo dialógico entre pessoas, apontamos na direção da construção de uma educação que ensine a aprender, que ensine a exercer a dignidade e a democracia, a solidariedade e a soberania popular.
“Sabemos bem que as reformas educacionais estão sempre ligadas às reformas sociais mais gerais. Não há educação para a mudança social isolada dos processos político emancipatórios. É por isso que entendemos que parte da defesa da educação pública na América Latina, tem a ver com o desenvolvimento e a consolidação dos processos de mudança de nosso continente. Justiça e igualdade para todos os povos de nossa Pátria Grande”.
Tradução: Katarina Peixoto
Nenhum comentário:
Postar um comentário