quarta-feira, 31 de agosto de 2011

"A militância é um compromisso para a vida"



Por Rafael Minoro e Patricia Blumberg - UNE

Quem já teve a oportunidade de assistir a esse vídeo http://migre.me/5AkfL ,no youtube, sabe que a chilena Camila Vallejo não vacila. Esbanja conhecimento e pulso firme ao responder perguntas para a imprensa sobre a situação da educação em seu país e fala com convicção a respeito de uma grande unidade existente no Chile, quando explica o movimento da qual faz parte e que tem levado para as ruas, há mais de três meses, milhares de estudantes e trabalhadores. O presidente da UNE, Daniel Iliescu, teve a oportunidade de participar de um desses protestos, a greve nacional, nos últimos dias 24 e 25 de agosto, com mais de 250 mil pessoas (http://migre.me/5Akyy).

Camila destaca que essa manifestação foi a maior mobilização pós-ditadura e não foi convocada somente pelos trabalhadores de cobre, mas pela Central Unitária dos Trabalhadores (CUT), que se juntou aos estudantes universitários e secundaristas, aos trabalhadores do setor público, sindicatos de transportes, entre outros. “O Chile tem um grito bastante recorrentes em manifestações públicas que diz: Avante, avante, trabalhador e estudante’. Eu acho que esta jornada de 48 horas de protesto, paralisação e de mobilização, representa muito bem o espírito por trás desse grito”, conta ao site oficial da UNE a presidente da Federação dos Estudantes da Universidade do Chile.

Foi também durante esse levante, que resultou na prisão de milhares de manifestantes e na morte do jovem Manuel Gutiérrez, que surgiu o convite da UNE para que Camila viesse ao Brasil se integrar à grande marcha dos estudantes brasileiros nesta quarta-feira, dia 31. Mesmo com a sua rotina frenética, ela topou a parada e desembarca amanhã em Brasília para lançar a jornada continental de lutas da juventude latinoamericana.

Essa rotina de manifestações tem ocupado quase que a totalidade do tempo da jovem estudante, o que não impede, no entanto, de tentar levar uma vida normal.“Este ano, como presidente da Fech, pouco tempo me resta para qualquer coisa além da política e das responsabilidades de meu cargo. Mas, isso não significa que não esteja desfrutando da minha juventude. A política é uma atividade que pertence à sociedade como um todo, portanto, o trabalho de representar e ser parte ativa na mesma compete também aos jovens – com o compromisso, vitalidade e convicção que nos caracterizam”, pontua a estudante de geografia, que ganhou notoriedade internacional nos últimos meses.

O site oficial da UNE dá as boas vindas à Camila e deseja vida longa à luta dos estudantes chilenos. Abaixo, você confere o bate papo que tivemos com a líder estudantil. Vale a pena conhecer um pouco mais dessa menina de 23 anos que tem mudado o rumo da política no Chile.

Como foi sua aproximação com a política? Como passou a militar no movimento estudantil?

Desde muito jovem, minha família me formou com valores políticos de esquerda, como democracia e justiça social. Com esta sensibilidade à esquerda é difícil manter-se fora da política e dos espaços que permitem fazer a mudança, especialmente em uma sociedade tão desigual e injusta como a do Chile. Foi assim que me interessei em fazer parte da política, desde muito jovem. Tal vontade se acentuou com a entrada na faculdade, de onde, finalmente, veio a adesão à juventude comunista. A partir deste momento, comecei a ser uma parte ativa de um movimento que tem sido gestado com trabalho, empenho e companheirismo.

O movimento que se fortaleceu este ano é herdeiro da Revolução dos Pingüins em 2006? Quais são os elementos de continuidade e diferença?

Eu não o chamaria de um herdeiro, mas, certamente, possuem uma relação. Em 2006, quando eu era caloura na Universidade do Chile, estudantes do ensino médio foram capazes de instalar na agenda política de Bachelet a questão da educação, com demandas que acabaram sendo tão profundas como mudar o modelo educacional que nos foi dado desde a ditadura militar. A principal diferença entre este movimento, é que, agora, podemos ver todos os setores sociais mobilizados. No começo, o movimento surge essencialmente nos setores universitários, depois vai tomando conta e se espalhando por todo país se transformando em uma das maiores mobilizações desde o retorno à democracia no Chile.

Qual é o balanço que você pode fazer como presidente da Fech, a Federação dos Estudantes da Universidade do Chile, especialmente, nos últimos meses? Qual foi o estopim dessa nova onda?

Faria um balanço muito positivo. Por um lado, esta intensa mobilização nos impediu de avançarmos em alguns aspectos do nosso programa interno. Mas, os avanços que tivemos com a Fech são qualitativamente muito superiores ao ano anterior. Retomamos um papel importante para que os estudantes – e nossa Federação – voltassem a ser novamente atores políticos de importância nacional, cujas opiniões têm um impacto real nos debates históricos sobre a sociedade. Desta forma, temos reavaliado o valor da organização dentro de nossa própria universidade, transcendendo as barreiras estudantis e nos permitindo avançar e nos envolver ativamente nos debates. É preciso deixar para trás a ideia de que a política pertence a poucos, e se aproximar rapidamente de um cenário mais democrático a partir do qual poderemos construir e defender propostas pelas transformações que o Chile precisa.

A principal bandeira de luta é a educação de qualidade e gratuita para os jovens, certo? Como você enxerga o cenário ideal, levando em consideração a realidade de hoje no Chile?

É claro que a educação gratuita é uma ideia política que queremos instalar, mas sabemos que não será uma realidade em curto prazo. Antes de tal transformação, é necessário promover uma reforma tributária que impeça que a diferença socioeconômica entre ricos e pobres, hoje no Chile, se aguce. No entanto, lutamos contra um modelo essencialmente neoliberal, que vê a educação como um bem de mercado – como diz o próprio presidente do Chile – e não como um direito, visão intransigentemente defendida pela direita que chegou ao governo através de [Sebastian] Piñera. Esperamos mudar as raízes de um modelo educacional que nos mantém no subdesenvolvimento.

Neste momento, como estão as negociações com o governo, e quais são as principais conquistas do movimento?

Este governo tem se mostrado intransigente na hora de negociar sobre o modelo educacional que instalaram desde a ditadura militar. Não é só isso, tem se demonstrado disposto a levantar a face mais repressiva, não ouvindo as demandas legitimas e respaldadas por um movimento que as próprias pesquisas mostram ter uma aprovação superior a 80%. Até agora uma das grandes conquistas do movimento tem sido consolidar uma aprovação transversal e unificada na sociedade. Agora, depois de muitas pressões da nossa parte, estamos próximos de sentar à mesa e enfrentar cara a cara um diálogo com o presidente. Esperamos que neste espaço possamos avançar em questões concretas sobre nossas reivindicações. E que não voltem a faltar com respeito ao movimento, com uma soma de dinheiro cheia de ambigüidades, que não nos garante nenhum dos princípios que já defendemos nas ruas há três meses.

Há quanto tempo a Universidade não é mais gratuita no Chile? Explique melhor a questão do endividamento dos alunos.

Desde a ditadura militar, que foi quando mudou o modelo educacional no Chile. O Estado deixou de ser responsável pela educação em todos os níveis e tem um papel meramente subsidiário, deixando o trabalho para o ensino privado, a quem também é concedido o direito de lucrar o dinheiro de todos os chilenos, sob o pretexto de garantir a "liberdade de ensino". Como hoje a educação não é concebida como direito, mas sim como um bem de consumo, para obtê-la é preciso pagar. E como as universidades públicas não recebem aportes do Estado para a altura dos seus orçamentos, elas têm sido forçadas a se envolver em auto-financiamento, o que significa em palavras simples, que o seu faturamento vem principalmente das taxas pagas pelas famílias. Neste contexto, as quantias necessárias para que as universidades possam realizar seu trabalho é muito mais alta em comparação aos rendimentos recebidos por famílias chilenas. Por isso hoje, basicamente, quem quer estudar tem que se endividar, porque somente uma pequena porcentagem da sociedade tem condições de pagar altos preços pelos estudos.

Quais são as outras questões do debate? Dentro do movimento estudantil estas questões já ultrapassaram a questão educacional?

Um movimento social desta magnitude exige ao governo e ao parlamento governar de acordo com as demandas que estão se defendendo nas ruas. Pode-se notar que a democracia no Chile não dá a possibilidade de se fazer uma sociedade verdadeiramente participativa. Desta maneira, surgem automaticamente demandas por mais democracia e reformas constitucionais relevantes para atingir esse objetivo, por exemplo, que nos permitam deliberar como nação por meio de um plebiscito vinculativo. Lembramos que a Constituição chilena foi feita durante a ditadura e sem o apoio da nação. Uma situação terrível para um país que se diz passar vinte anos vivendo em uma democracia.

Ocorreu no começo de agosto, no Uruguai, o 16 º CLAE, com a participação de milhares de estudantes de todo o Continente. Qual a sua opinião sobre um intercâmbio político mais eficaz entre os estudantes da América Latina?

Entendo que é absolutamente necessário. Os estudantes são atores políticos presentes na América Latina. Por isso, é claro que a nossa política deve convergir no mesmo sentido de que os diferentes países deveriam se alinhar em torno de demandas que, evidentemente, nos convocam por igual, dada as semelhanças de uma região em subdesenvolvimento, produto do capitalismo e da opressão que os EUA geram sobre nós até hoje. Instâncias como OCLAE devem ser muito mais presentes, tanto para estudantes como para todos os tipos de organizações latino-americanas.

A UNE convidou você para a “Marcha dos Estudantes” brasileiros, que irá encerrar o "Agosto Verde e Amarelo", série de manifestações que defendem que 10% do PIB e 50% do fundo social do Pré-sal do Brasil sejam destinados para a educação. Vocês estão defendendo no Chile algo parecido com isso em relação ao cobre, não é?

Na quarta-feira chego a Brasília. De fato, há semelhanças nas reivindicações. O Chile é um país muito rico em recursos naturais, o que não condiz com os baixos níveis de habitação, saúde e educação, entre outros. Isso se deve, principalmente, à privatização dos recursos naturais, e a enorme condescendência que se tem este setor. Trata-se de compensação tributária. Quando exigimos um aumento substancial dos recursos públicos na educação, nos perguntam frequentemente “e onde obteremos esses recursos?” - do cobre, respondemos. Da nacionalização de nossos recursos naturais.

Sabemos que estuda Geografia. Em que período da formação você está? Você consegue conciliar os estudos e a militância?

Já sou graduada em Geografia e sem dúvida ser presidente da FECH significou um custo acadêmico que, desde a minha nomeação para o cargo, estive disposta a assumir. O trabalho político exige bastante tempo e dedicação, mas não inviabiliza o trabalho acadêmico na medida em que você se organiza. No entanto, a militância é algo que vai muito além do meu tempo na universidade, é um compromisso para a vida, que sempre significará sacrifícios de toda espécie. Obviamente, nem todo mundo está disposto a assumir isso, mas de minha perspectiva comunista, creio que não só vale a pena, como é imprescindível na luta por um país mais justo.

Após os primeiros protestos, a mídia manifestou com mais freqüência ou com maior ênfase, a questão da sua beleza física, em detrimento de suas qualidades e habilidades intelectuais. Isso te incomoda?

Esses tipos de ataques vieram principalmente dos setores de direita, que têm o domínio da grande maioria dos meios de comunicação e, em minha opinião, representam uma estratégia bastante covarde, baixa e, sobretudo, fracassada, para desacreditar um movimento que hoje está mais forte do que nunca. Me parece que ainda há meios essencialmente machistas e misóginos que tentam fazer disto um tema. O movimento, a sociedade e o Chile têm sido capaz de avançar, valorizando muito mais clareza de conteúdo e a transversalidade do apoio, do que aquilo que eles chamam de "um rostinho bonito". Como eu disse por meio de outros meios, parece-me um despropósito argumentar que, com os níveis de organização, solidez e transversalidade do debate sobre educação e democratização no Chile, a aparência física ainda seja assunto.

Entrevista realizada por Rafael Minoro e Patricia Blumberg para o site da UNE.

Fonte: http://cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18364

Juros, Rentismo, Conservadorismo, Estado-minimo e Arrecadação de Imposto

COMO REDUZIR OS JUROS SEM ARROCHAR O INVESTIMENTO PÚBLICO BRASILEIRO?

O Copom define hoje um novo divisor na política de juros do país. A expectativa é de uma interrupção no ciclo de alta que elevou a taxa em 1,75 pontos desde o final do ano passado. A taxa de juro brasileira, 12,5%, é o mais alta do mundo; descontada a inflação corresponde a um custo real de 6,2%. Na zona do euro e nos EUA a taxa real é zero ou negativa. A rigor nem a esquerda, nem a direita conseguem explica a razão ‘técnica' para esse nível estratosférico que marca um dos principais preços da economia. Grosso modo, o poder rentista de fixar esse custo recorde encontra lastro na incapacidade do Estado de financiar as políticas públicas com base na receita de impostos, sem recorrer à empréstimos junto ao mercado. A dívida pública cresceu a tal ponto que constitui hoje um fator autônomo de desequilíbrio orçamentário. Ela é superior a R$ 1,8 trilhão; consome o equivalente a 6% do PIB ao ano com o pagamento dos juros; deu aos rentistas a oportunidade de capturar uma fatia expressiva da arrecadação de impostos. Criou-se assim uma classe de acionistas Estado, que exigem a sua cota anual de dividendos, com sacrifício dos investimentos Em torno do pagamento dos juros criou-se uma enorme estrutura de condicionamento das políticas públicas que mobiliza um lobby rentista composto de braços que vão da academia aos partidos, das consultorias locais às agencias de risco internacionais. A mídia conservadora é , ao mesmo tempo, sua agencia de relações públicas e bunker de chantagem política. A eficácia desse aparato em determinar os rumos da política econômica, em prontidão permanente contra iniciativas de redução dos juros, está expressa nas taxas recordes vigentes no país. A questão crucial é saber se, e como, o Estado brasileiro poderia reduzir essa dependência. Aqui os caminhos de bifurcam claramente. O conservadorismo tem um diagnóstico conhecido: o desequilíbrio está na sociedade e no Estado, não no rentismo. Para reequilibrar a equação, é preciso, primeiro, lipoaspirar um aparelho público corrupto e ineficiente e disciplinar uma sociedade perdulária, que deve pagar pelo que demanda. Privatizar e terceirizar políticas públicas, reduzir o aparelho do Estado ao mínimo, eis o caminho para comprimir a carga fiscal e assim liberar recursos nas mãos dos mercados, que se encarregariam de conduzir o desenvolvimento. A idéia de que o Estado brasileiro é um aspirador insaciável de impostos é controversa. Um dado resume todos os demais: o ex-ministro Adib Jatene conta, por exemplo, que ao cruzar dados com o Imposto de Renda comprovou-se que dos 100 maiores contribuintes da extinta CPMF, 62 nunca haviam recolhido IR no país. Empresas como a Vale do Rio Doce, com exportações de U$ 28 bi em 2010, pagam apenas 2% de royalties. Proporcionalmente, bancos pagam menos IR que os assalariados. São sintomas de um buraco negro oposto à voragem fiscal alardeada. Sem afrontá-lo será difícil conciliar desenvolvimento justo, equilíbrio fiscal e juro baixo.

(Carta Maior; 4º feira, 31/08/ 2011)

Governo confirma mínimo de R$ 619,21 para 2012

Miriam Belchior confirma mínimo de R$ 619,21 para 2012

Em quarta-feira 31/8/2011, às 12:38

A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, entregou nesta manhã ao Congresso Nacional a proposta de Orçamento para o ano de 2012. Segundo a ministra, o salário mínimo proposto pelo governo para o próximo ano é de R$ 619,21, um aumento de 13,6%. Miriam concederá coletiva durante a tarde para falar sobre a proposta do Executivo.

O projeto foi entregue ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Ele fará o pronto encaminhamento da proposta à Comissão Mista de Orçamento para a tramitação do projeto. O relator será o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP).

O valor do salário mínimo revelado hoje pela ministra Miriam Belchior é maior do que projetado pelo governo quando do envio da lei de diretrizes orçamentárias (LDO) para 2012 ao Congresso, em abril deste ano. Nos parâmetros utilizados pelo governo para elaboração da LDO, o mínimo previsto era de R$ 616,34.


Fonte: http://br.finance.yahoo.com/noticias/Miriam-Belchior-confirma-estado-568527760.html?x=0

terça-feira, 30 de agosto de 2011

ANDES faz acordo com patrão

Volta e meia ouço dizer que a CUT faz acordo com patrão, fazendo referencia a determinados momentos em que a categoria junto com a Central Sindical tem que dialogar com a realidade e avaliar se da para continuar na greve – ou em determinadas reivindicações.

SÓ ESSE ANO já é a segunda vez que vejo a ANDES (que, vamos ser francos – pois vocês são com a gente - , a ANDES é filiada a Conlutas, que por sua vez é do PSTU) fazer acordo com o patrão (a 1ª dói com o Governo da Bahia, e agora com o Governo Federal). Vale ressaltar que a categoria não saiu feliz desses acordos as duas vezes (quem duvidar olha os comentários dessa matéria no próprio site da ANDES, e também olha o número de reprovações da notícia no final da matéria). E essa é a segunda vez que eu presto atenção nisso esse ano, pois é bem capaz de ter mais acordos aí pelo país.

Sinceramente? Dependendo do ponto de vista, da para considerar isso um sinal de maturidade política. Não porque acredito que sempre se deve fazer acordos em que a categoria saia perdendo. Mas porque as vezes uma série de fatores te impedem de continuar a luta (NAQUELE MOMENTO): como o cansaço da base; a falta de recurso pra continuar a mobilização (pois é muito oneroso); a densidade política do movimento não tem força para conseguir tudo que almeja; etc. As vezes é preciso dar um passo para trás para poder dar dois para frente. E, em uma negociação, nunca se ganha 100% de um lado, nem 100% de outro, nem que se ganhe experiência para a próxima - e a dialética (tão evocada por quem se diz marxista) prova isso... o difícil é admitir.

Talvez a ANDES não admita, mas eles sabem já a um bom tempo que “ser pedra" é bom, mas as vezes não é tão fácil como se dizia “ser vidraça”. Traduzindo: é fácil falar que a Central “tal” faz acordo com patrão, ou é comandada por partido “X”, mas o difícil é admitir que faz o mesmo. Assim como é difícil – acredito que é difícil pois não vejo divulgação do PSTU sobre isso (acho que não é por má fé) – falar que teve que fechar com carlistas aqui na Bahia para tentar tomar a APLB. Não sei se isso foi tático, se foi programático, se foi pragmático... não sei como eles chamam isso... mas só sei que foi assim.

Parabéns a ANDES e a categoria pelo acordo com o governo(por mais que não tenha sido o ideal, mas quem sou eu para decidir em nome de toda uma categoria); e parabéns também ao governo por ter cedido nas negociações!

PS: *Esse texto não é uma afronta ao PSTU, ou a ANDES, ou a categoria docente. Mas é uma forma de mostrar que TODOS os partidos e sindicatos cometem erros e acertos, e também não são os detentores da verdade.

** E também espero que o pessoal não se chatei por ouvir algumas críticas. É sempre bom ouvi-las, nos faz refletir a nossa prática e o nosso discurso. Também nos faz pensar duas vezes antes de sair apontando o dedo para os outros indiscriminadamente.


Leno Miranda
Ciências Sociais - UESC
Coletivo 13 de maio

Ousar Ser Diferente

Kizomba

Partido dos Trabalhadores - PT
Esquerda Democrática Popular - EDP
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"A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar" (Eduardo Galeano)


"Cresci sob um teto sossegado,
meu sonho era pequenino sonho meu.
Na ciência dos cuidados fui treinado.
Agora, entre meu ser e o ser alheio
a linha de fronteira se rompeu."(Waly Salomão - Câmara de Ecos)





Acordo garante reivindicação histórica e possibilita reestruturação da carreira [26/08/2011 ]

Calado, governo volta atrás novamente e estende aplicação dos 4% também sobre a RT

Por Renata Maffezoli
ANDES-SN


Mesmo reconhecendo que o acordo proposto não recupera a corrosão dos salários, os docentes decidiram pela assinatura do acordo emergencial com o governo, garantindo assim conquistas de reivindicações históricas da categoria.

“O termo firmado não quita a dívida com os professores devido à corrosão inflacionária dos salários. Garante que isso inclusive voltará a ser negociado. A negociação foi tensa e difícil, mas conseguimos arrancar do governo alguns pontos importantes no sentido de avançar na conquista de uma linha só no contracheque, pondo fim a uma gratificação com potencial produtivista.
O acordo também assegura tratamento igualitário para as duas carreiras e também para os ativos e aposentados. Além disso, agora temos o compromisso de finalmente dar início as discussões no sentido de reestruturar a carreira docente”, destacou Marina Barbosa, presidente do ANDES-SN.

Marina ressaltou a necessidade de a categoria permanecer mobilizada no sentido de assegurar que o termo firmado seja cumprido, dentro dos prazos estabelecidos. “Sabemos que muitos professores queriam um acordo financeiro melhor para a categoria. No entanto, dentro da conjuntura imposta pelo governo aos servidores públicos federais e dos limites na construção da greve na nossa categoria, consideramos que tivemos avanços estruturais significativos nesse processo de acordo emergencial”, observou

A reunião, que estava agendada para às 14 horas desta sexta-feira (26), foi antecipada e teve início às 12h35. Sem mencionar o acontecido e nem retratar-se do impasse que provocou na última reunião (25/8), o Secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento (MP), Duvanier Paiva, apresentou redação inicial do termo de acordo.

O texto retomava a proposta levada para a categoria, de aplicação dos 4% sobre o Vencimento Básico, após a incorporação da gratificação, e também sobre a Retribuição por Titulação (RT), tanto para docentes do Magistério Superior quanto do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (Ebtt), a ser implementada em março de 2012.

O ANDES-SN apresentou alteração no texto da minuta, com algumas ressalvas, principalmente no terceiro parágrafo da cláusula terceira para que ficasse explícito que esta primeira etapa só tratou de parte das reivindicações dos docentes e que seria preciso garantir a continuidade de negociação das reivindicações não tratadas no acordo emergencial.


O documento original apresentado pelo governo vinculava este parágrafo à cláusula seguinte, limitando a continuidade das negociações ao Grupo de Trabalho formado, o que restringia a amplitude do que poderia ser negociado. O ANDES-SN solicitou a reformulação desse parágrafo, o que foi aceito pela outra entidade e pelo governo.

Foi exigido também fixação de um prazo menor para a conclusão dos trabalhos de reestruturação da carreira, que ficou definido em 31 de março do próximo ano. As entidades cobraram ainda que se estipulasse uma data para início dos trabalhos, o qual ficou agendado para 14 de setembro deste ano.

Duvanier Paiva concordou com a proposta do ANDES-SN de que o segundo ponto de pauta da primeira reunião, no próximo mês, seja o decreto que regulamenta a carreira do Ebtt. Pressionado pelos dirigentes sindicais, o representante do governo se comprometeu em solicitar que a publicação do decreto seja adiada para que as entidades possam exprimir opinião sobre o mesmo.


Divergência
Um dos pontos que gerou divergências entre o ANDES-SN e o Proifes foi o teor da cláusula quarta. Enquanto o Proifes exigia que o texto explicitasse que fariam parte do grupo de trabalho as entidades signatárias do acordo, o Sindicato Nacional se opôs firmemente, uma vez que tal redação excluía a presença das demais entidades representativas das categorias envolvidas na negociação.

A atitude foi classificada pelos diretores do ANDES-SN como uma tentativa de excluir o Sinasefe do grupo de trabalho. Para evitar que o texto pudesse levar a essa interpretação, foram incluídos os nomes das entidades presentes e também a garantia de participação das outras partes interessadas. Após tenso debate, os dirigentes chegaram a um consenso de redação.

Confira aqui a íntegra da minuta.

Processo de deliberação
O governo somente apresentou uma resposta quando o ANDES-SN encaminhou a contraproposta emergencial deliberada no 56º Conad.

Depois de uma série de reuniões, no dia 19/8 foi colocada na mesa pelo governo a proposta limite que, apesar de ter repercussão financeira pequena para os professores, sinalizava a recuperação de perdas históricas amargadas pela categoria, representando um avanço estrutural importante no sentido do projeto de carreira defendido pelos docentes.

Preservando o processo democrático de decisão pela base, foram convocadas assembleias gerais das seções sindicais dos docentes das universidades federais para deliberar sobre a proposta apresentada pelo governo e definir rumos imediatos para o movimento.

Durante dois dias, intercalados pelas reuniões com o MP (em 25e 26/8), os representantes do Setor das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes), se reuniram para avaliar o resultado das assembleias gerais, definir a postura da entidade na mesa de negociação e os encaminhamentos do movimento.

O Setor reconheceu a que a proposta não recupera as perdas salariais impostas à categoria nos últimos anos, e ressaltou que o acordo firmado deveria garantir a possibilidade de retomada das negociações acerca destas perdas e de outras reivindicações constantes na pauta protocolada junto ao governo no início do ano.

No entanto, os professores das Ifes avaliaram estar diante da possibilidade de ganhos estruturais que se aproximam do projeto de carreira defendido pelo ANDES-SN, uma vez que conseguiram que governo atendesse reivindicações históricas movimento docente como o tratamento igualitário para os professores do Magistério Superior e do Ebtt, a eliminação de gratificações com potencial produtivista, contra as quais a categoria sempre lutou, e a aplicação do acordo tanto para os ativos quanto para os aposentados.


Fonte: http://www.andes.org.br/andes/print-ultimas-noticias.andes?id=4842

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Para onde vão as multidões?


O ano de 2011 pode ficar marcado como aquele em que as multidões voltaram às ruas de forma vigorosa em diversas partes do mundo. O ano começou com o levante na Tunísia, que derrubou o presidente Ben Ali, passou pelas maciças concentrações na praça Tahrir, que culminaram com a queda de Hosni Mubarak e espalharam-se pela Argélia, Iêmen, Bahrein, Kwait e alcançaram Israel. A Líbia não entra na conta, pois o aspecto dominante na queda de Kadafi não foram inquietações internas, mas a invasão da OTAN. Milhões também se mobilizaram na Grécia, Espanha, Islândia, Portugal e Inglaterra. No Chile, após mais de dois meses de enormes protestos, os trabalhadores se uniram aos estudantes e deflagraram uma inédita greve geral, com a participação de diversas categorias profissionais.

Desde 1968 o mundo não assistia uma onda de levantes e marchas populares de tamanha envergadura. Ao mesmo tempo, apesar da proximidade no tempo, é difícil falar em “onda global” de protestos. Avaliar que imensos contingentes decidiram “votar com os pés”, numa expressão de Lênin, em protesto contra a “globalização neoliberal” é uma generalização de pouca valia. Em última instância tudo pode ser debitado no grande cesto da crise internacional, da pauperização acelerada da população e da submissão dos governos ao chamado “mercado”.

No entanto, mais do que nunca, olhar para os detalhes é fundamental. Até porque os países atingidos são muito distintos entre si.

Periferia e centro
As reações populares atingiram a periferia e o centro do sistema. Há diferenças mesmo entre os países do Oriente Médio. O Egito (84 milhões de habitantes, PIB de US$ 579 bilhões, PIB per capita de US$ 7,2 mil e 101º. no IDH-ONU) e a Tunísia (10,5 milhões de habitantes, PIB de US$ 53,2 bilhões, PIB per capita de US$ 5 mil e 81º.no IDH-ONU) são países pobres, com alta concentração de renda e socialmente instáveis. A Espanha (47 milhões de habitantes, PIB de US$ 1,48 trilhões, PIB per capita US$ 32 mil, 20º. no IDH ONU) e a Inglaterra (51 milhões de habitantes, PIB de US$ 2,27 trilhões, PIB per capita US$ 39,5 mil e 28º no IDH ONU) representam o chamado “mundo rico”. Israel (7,5 milhões de habitantes, PIB US$ 210 bilhões, PIB per capita de US$ 28 mil e 15º no IDH ONU) e Grécia (12 milhões de habitantes, PIB de US$ 310 bilhões, PIB per capita de US$ 27 mil e 22º no IDH ONU) apresentam formalmente indicadores próximos aos da Europa Ocidental. Todos os dados têm por fonte o FMI (http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2011/01/weodata/download.aspx) e a ONU (http://hdr.undp.org/en/media/HDR_2010_PT_Tables_reprint.pdf).

Na Tunísia e no Egito, o empobrecimento das maiorias, com altíssimas taxas de desemprego, foi rapidamente associado às antigas ditaduras locais. Na Grécia, o alvo visível foi o Parlamento. Na Espanha, aconteceu o fenômeno mais preocupante: após gigantescas manifestações que se arrastaram por várias semanas nas grandes cidades, a direita venceu as eleições municipais de 22 de maio. O Partido Popular obteve 37,58% dos votos contra 27,81% dos votos do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), de José Luiz Zapatero. 33,7% dos eleitores não foram votar, o que equivale a cerca de 11 milhões de pessoas. Madri, entre outras, agora está nas mãos de conservadores que não escondem suas simpatias pela ditadura franquista (1938-75). Vários ativistas fizeram campanha pelo direito de não votar, como forma de protesto.

No caso inglês, os protestos aconteceram em regiões pobres da capital e de grandes cidades, com forte concentração de imigrantes. Ali o quadro se configura como uma grande catarse social diante de uma situação de precarização prolongada.

Forças organizadas
Nas ditaduras do Oriente Médio, os longos anos de repressão impediram o surgimento de forças populares organizadas de grande envergadura.

Expressão disso é que a formidável ebulição da praça Tahrir não apresentava lideranças claras. Um dos que buscou, sem sucesso, ficar a cavaleiro da situação foi o diplomata Mohamed El Baradei, de regresso ao país depois de três décadas no exterior. Como o Facebook foi um dos meios de comunicação dos rebeldes, chamaram até o representante local da rede social para falar à multidão. Entre outras organizações, a Irmandade Muçulmana foi acusada de estar por trás de tudo. Nenhum dos três atores parecia representar uma síntese orgânica da rebelião. Mesmo assim, multidões voltaram à praça nas últimas semanas.

O caso egípcio e o espanhol foram saudados por alguns como exemplo de mobilização horizontal, sem burocracias partidárias ou sindicais a tirar proveito da situação. O que parece ser uma vantagem tem se afigurado como problema. O viés contra a política institucional, no caso espanhol é claro. O desgaste dos partidos políticos – imersos em financiamentos milionários de campanha que atrelam governos cada vez mais a interesses privados – afasta o debate de alternativas reais às disputas sociais.

Socialismo conservador
O que seria um hipotético partido de esquerda, o PSOE, aplica desde os anos 1980 as medidas ultraliberais na Espanha com maior afinco que a direita tradicional. Daí o desalento e o afastamento da juventude em relação à política institucional. Várias das demandas clamam por uma democracia direta, acima de partidos e organizações tradicionais. Nunca parece ter sido tão grande a distância entre as ruas e o poder político, formalmente democrático.

Apesar do viés preocupante, não há dúvidas que as mobilizações têm representado enorme alento em um continente tomado por governos de direita e socialmente regressivos.

Uma lógica política institucionalizada só é mudada em casos extremos de rupturas por forças que se sobreponham ao status quo. Apesar da palavra “revolução” ter sido usada à exaustão para classificar os eventos árabes e europeus, não parece haver nada lá que se aproxime de algo dessa magnitude.

Diferencial chileno
O caso chileno parece ter certa distinção em relação aos anteriores. Isso se dá não apenas pela impressionante envergadura das atividades, mas por seu grau de organização. Não se trata mais de jornadas estudantis, mas de uma onda de protestos que passou a envolver a maioria dos trabalhadores urbanos, com forte apoio da opinião pública. A expressão disso foi a greve geral de 24 e 25 de agosto.

Na cabeça das agitações estão a Federação de Estudantes do Chile (Fech) e entidades do funcionalismo público (dirigidas majoritariamente pelo Partido Comunista) e a Central Unitária dos Trabalhadores (hegemonizada pelo Partido Socialista). Vale notar que a CUT sofreu, nos últimos anos, um processo de divisões e defecções por conta de seu apoio aos governos da Concertação (aliança PS-Democracia Cristã), que dirigiu o país entre 1990 e 2010 e deixou intocadas as estruturas econômicas da ditadura pinochetista (1973-89). A adesão da Central às manifestações, demandando mudanças na legislação trabalhista da ditadura, é também uma forma de superar seus desgastes.

O que era inicialmente um protesto contra altas taxas das universidades, todas particulares, se transformou em demanda contra a privatização dos serviços públicos e contra a crescente desigualdade social. Com 17 milhões de habitantes, PIB de US$ 162 bilhões, PIB per capita de US$ 9,5 mil e 44º lugar no IDH da ONU, o Chile é um dos que apresenta menor investimento público em saúde (2,2%) na América do Sul. O desemprego atingiu o pico de 9,7% em 2009.

Nada indica que o Chile fará uma revolução a partir das manifestações. A marca distintiva é que elas parecem concentrar suas energias nas organizações existentes e consegue potencializar a força dos protestos.

Limites do espontaneísmo
É sempre bom lembrar a história brasileira dos anos 1980-90 para ver as possibilidades da organização política e social e os limites das manifestações espontâneas e com demandas vagas, saudadas por alguns como “democráticas” e “não burocráticas”.

O Brasil dos anos 1980 assistiu às maiores mobilizações de massa de sua história. O movimento estudantil, as greves operárias e as Diretas Já geraram saldos organizativos que se materializaram na construção de partidos de esquerda – PT incluído – entidades democráticas – UNE, CUT, MST entre outras – e mudanças sensíveis expressas na Constituição de 1988. Não se discute aqui o transformismo conservador vivido por parcela desses organismos nos anos recentes. Havia demandas claras por democracia e conquista de direitos sociais, em boa medida vitoriosas.

No início da década seguinte, multidões voltaram às ruas. Dessa vez, o alvo eram os desmandos do governo Collor. A voz das ruas falou mais alto e o presidente teve de renunciar em 2 de outubro de 1992. No dia seguinte, houve eleições municipais em todo o país. Em São Paulo, a população deu vitória ao candidato da direita, Paulo Maluf, que enfrentava Eduardo Suplicy, do PT, agremiação que estivera à frente dos protestos. Guardadas as proporções, Collor e Maluf eram expressões do mesmo projeto político.

Os resultados eleitorais ainda suscitam polêmicas. Mas no centro estava o fato de a campanha contra Collor foi realizada com base num moralismo anticorrupção que, embora indignasse a população, não deixou saldos políticos. Sobre o projeto ultraliberal do governo, quase nada foi dito.

No Oriente Médio governos foram derrubados e na Europa os indignados podem voltar a marchar. Tomara que a disputa entre no decisivo terreno da política.



Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).






Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5175

Kadafi, Assad e a esquerda

Uma importante parcela da esquerda mundial continua a sustentar as virtudes anti-imperialistas do coronel Kadafi, o líder da revolução líbia (como ele oficialmente se intitula), e a só ver nos acontecimentos naquele país a mão da agressão da OTAN. O povo está com Kadafi, asseguram, e a oposição é toda comprada pela CIA.

A argumentação não é nova. Foi usada, sem procurar ser exaustivo, na Checoslováquia em 1968, e em geral em todas as revoluções que derrubaram os regimes do chamado “socialismo real” a partir da queda do Muro de Berlim.

Kadafi é diferente? Vejamos:

– O regime de Kadafi era uma ditadura. Isto é incontestável. Não havia a mais mínima liberdade de expressão, de organização, de manifestação, de formar sindicatos. Nada. Na “Jamayria” não havia partidos. Ao simular um sistema político que seria uma espécie de “assembleia permanente”, o que o coronel impunha de fato, com mão de ferro, era uma ditadura policial onde quem mandava era ele e os filhos. Um bom teste que proponho aos defensores de Kadafi: seria ou não possível formar na Líbia um partido que defendesse as vossas ideias? Já sabem a resposta: em poucas horas estariam todos presos se o tentassem, por mais que se desfizessem em elogios ao “Grande Líder”.

– Há muito que Kadafi tinha deixado de ser independente do imperialismo. A revolução de Kadafi fez parte das revoluções nacionalistas árabes dos anos 50 e 60, que se inspiraram na de Gamal Abdel Nasser do Egipto. Durante alguns anos, apesar das suas excentricidades e megalomania, o “líder da revolução” aplicou uma política que em nada agradava aos Estados Unidos. Mas depois mudou.

Nos últimos dez anos, Kadafi abriu a exploração de petróleo às grandes empresas petrolíferas estrangeiras como Repsol, Total, Eni, Occidental, PetroCanada. Depois disso, os governantes europeus pareciam fazer fila para visitar o “grande líder”: Schröder, Berlusconi, Blair, mais recentemente Sarkozy, Sócrates... Colaborou ativamente com a política “anti-terrorista” de Bush depois do 11 de Setembro. Em 2008, a Líbia assinou com os EUA um acordo de cooperação que abriu o mercado líbio às grandes empresas norte-americanas, para além das companhias de petróleo. Então, o mito de um Kadafi anti-imperialista não passa disso mesmo: um mito.

– Aliás, na argumentação desta esquerda que apoia Kadafi parece que há uma espécie de buraco negro que isola os regimes de Kadafi e de Bashar al-Assad da Primavera árabe. Não se ouviu esta esquerda dizer que os manifestantes anti-Ben Ali ou anti-Mubarak eram pagos pela CIA. Na Tunísia e no Egipto, viva a oposição, vivam as revoluções, bem como no Iêmen ou no Bahrein. Na Líbia e na Síria, não.

Mas, então, por que a OTAN decidiu intervir militarmente? Porque não pode dar-se ao luxo de deixar uma revolução seguir o seu curso sem influenciar os seus líderes e garantir o controlo do futuro governo. Ainda assim, são conhecidas as reservas de Obama e a resistência a que as tropas americanas encabeçassem a força. E as tentativas de negociação que foram promovidas e, ao que tudo indica, só fracassaram porque Kadafi não aceitava qualquer solução que passasse pela sua saída do poder.

Não tenho dúvidas é preciso condenar a intervenção da OTAN e que deve haver líderes de forças do CNT (Conselho Nacional de Transição) pagos pela CIA. Mas isso invalida o caráter da mobilização anti-Kadafi? Claro que não. Também o fato de o CNT ter sido felicitado e reconhecido pela Autoridade Palestina e pelo Hamas não o transforma em progressista e defensor da causa palestina. O que será o próximo regime da Líbia ainda está para se ver e depende sobretudo do curso da revolução.

Mas Kadafi, ao que tudo indica, já é passado. O pior ainda vem pela frente: Bashar al-Assad, o homem que usa tanques e navios de guerra para massacrar a sua própria população. A oposição da Síria continua a usar as mobilizações de massa, e não a luta armada, para o denunciar. E não desiste, apesar dos massacres - pelo menos 2.200 mortos.

Assad já foi denunciado por crimes contra a Humanidade por um dos principais líderes da OLP. Será que a esquerda que o defende não vai abrir os olhos?

(*) Jornalista e dirigente do Bloco de Esquerda, de Portugal


Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18353

Quais são as prioridades da presidenta?

Por Paulo Kliass

Passados quase 8 meses desde a sua posse, o governo da Presidenta Dilma parece já ter definido as prioridades em termos daquilo que considera importante para a sua política econômica. Apesar de toda a expectativa gerada a partir da indicação de alguns nomes para ocupar postos importantes na área da economia, ao que tudo indica a essência da orientação tem sido para continuar tudo na base do “mais do mesmo”. Ou seja, uma linha de continuidade que remonta ainda aos tempos do governo de Fernando Henrique Cardoso e as diversas equipes sob as ordens de Pedro Malan. E depois, mais recentemente, aos dois mandatos de Lula com Palocci, Meirelles e Mantega no comando da economia.

O fato inquestionável é que as linhas mestras definidas desde a edição do Plano Real permanecem intocáveis. O tripé da essência do plano de estabilização continua mantido: i) política monetária de juros elevados, com independência para o Banco Central; ii) política fiscal definida pelo compromisso com a geração de expressivo superávit primário; iii) política cambial com liberdade de transações na conta de capitais e não ingerência do governo na definição da taxa de câmbio.

Lá se vai bem mais de uma década de vigência desses pressupostos, período esse em que algumas crises internacionais fizeram com que as bases ideológicas do Consenso de Washington fossem por água abaixo, em todos os cantos do planeta. Desde a fase mais aguda da crise iniciada em 2008, até mesmo alguns formuladores de política econômica nos próprios países centrais do sistema capitalista se renderam às evidências e começaram a abandonar alguns dos postulados do neoliberalismo. Talvez não tanto por convencimento teórico, e sim por estarem premidos pelo pragmatismo em busca de saídas para seus sistemas econômicos nacionais. Mas o fato é que o keynesianismo (adjetivo considerado demoníaco até poucos anos atrás por todo o “establishment” do mundo da economia e das finanças) saiu da lista dos assuntos proibidos e passou a ser tratado como uma das alternativas aceitáveis para o capitalismo superar a fase atual de dificuldades com que se defronta.

E por mais polêmico e difuso que seja o conceito de “política keynesiana”, alguns pontos são inequívocos e podem significar algum grau de ruptura com o pensamento econômico hegemônico no mundo até a semana passada. Dentre eles, podemos lembrar alguns. A noção de que o equilíbrio de mercado nem sempre oferece a melhor solução para a sociedade. A percepção de que o Estado é um ente importante para a consecução de políticas públicas e que a idéia de redução ao “Estado mínimo” não passa de delírio ou proposta de gente mal intencionada. A sugestão de que o orçamento público não pode ser encarado como uma conta de economia doméstica, onde todo déficit é visto com ares negativos – ou seja, a abertura para situações de déficit público, justamente pelo papel estratégico do estado em ser agente indutor da demanda. E para isso, o setor público deve - sim! - gastar recursos e realizar despesas. E por aí segue a lista.

No momento atual, além disso, o conceito de “keynesianismo” se confunde com o de “desenvolvimentsmo”. Ou seja, os economistas que propõem a busca do desenvolvimento como objetivo específico da política econômica tendem a se valer das hipóteses desenvolvidas por Keynes ainda na primeira metade de século passado. Assim, enquanto a maioria dos economistas ligados ao pensamento hegemônico conservador se arrepiavam apenas em ouvir falar de “política industrial” induzida pelo Estado, agora essa opção volta ao cardápio e passa a ser aceita. Até pouco tempo atrás, alguns membros do governo chegavam a afirmar que a melhor política industrial era, na verdade, não ter nenhuma política industrial. (sic...) Ou seja, permanece subjacente a idéia de que o mercado sempre resolve tudo de forma mais eficiente e que a ação do Estado só viria a atrapalhar e promover desarranjo e disfuncionalidade.

Há quem diga que a análise do orçamento público é um excelente instrumento para se identificar os setores sociais e econômicos que estão sendo beneficiados e prejudicados em uma determinada formação social. Em última instância, uma fotografia que define com a maior clareza quais as prioridades de um governo. E aqui voltamos ao mote do título do artigo: as prioridades.

Um sentimento misto de indignação e frustração ganhou amplos setores de nossa sociedade nos últimos dias, depois que a Presidenta da República vetou alguns dispositivos presentes na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), tal como aprovada no interior da Comissão Mista e no plenário do Congresso Nacional. Dentre eles, um veto veio carregado de significado e deu margem ao início de um debate mais amplo a respeito das reais prioridades do governo. Trata-se do artigo que previa já na LDO a orientação a que o Projeto de Lei do Orçamento de 2012 (ainda em elaboração no Executivo e a ser encaminhado ao Legislativo ao longo do semestre) contivesse a determinação de conceder algum tipo de ganho real aos benefícios da previdência social – a remuneração de aposentados e pensionistas.

O texto do § 3o do art. 48 da Lei 12.465 era simples e singelo: “Serão assegurados os recursos orçamentários necessários ao atendimento da política de ganhos reais aplicável às aposentadorias e pensões do Fundo do Regime Geral de Previdência Social”. A Presidenta vetou essa importante intenção do Congresso com o frágil argumento de que não se trata de um problema de vontade política, mas de impossibilidade concreta por falta de recursos orçamentários. A velha desculpa surrada com que as elites sempre impediram qualquer política efetiva de redução das desigualdades há décadas e séculos em nossa terra.

Porém, uma análise do próprio Orçamento da União em vigência para o ano em curso mostra outra realidade e outras prioridades. Dentre os vários itens que compõem o Total de Despesas Correntes, aquele que mais cresceu foi justamente a rubrica chamada “Juros e Encargos da Dívida”. De 2010 para 2011, os valores cresceram 23% ! Ou seja, bem superior aos 9% de elevação de “Pessoal e Encargos Sociais” e aos 10% de “Outras Despesas Correntes” (que vêm a ser as despesas com saúde, educação, previdência, etc). As despesas com investimentos do governo federal, estratégicas para qualquer projeto de nação, foram reduzidas de 7%. Ou seja, mais uma vez fica demonstrado que o argumento da suposta “falta de recursos” não se sustenta. É conversa prá boi dormir, de quem acha que os interessados não têm condições de achar o caminho das pedras e descobrir para onde estão sendo destinados os recursos que efetivamente existem.

No início do ano, o salário mínimo foi reajustado em menos de 7% (de R$ 510 para R$ 545) pois “não havia recursos disponíveis”. O famigerado fator previdenciário continua a ser aplicado para reduzir os valores devidos de pensões e aposentadorias do INSS pois “não há recursos disponíveis”. Já para os que vivem da rentabilidade dos títulos da dívida pública, os ganhos reais são mais elevados.

Ao longo das 5 primeiras reuniões do COPOM desde o início do mandato de Dilma, a taxa de juros oficial do governo – a SELIC – sofreu 5 aumentos consecutivos, saltando dos 10,75% do final de 2010 para os atuais 12,50% ao ano. Uma espécie de obstinação dos diversos responsáveis pela política econômica em manter o vergonhoso recorde mundial na modalidade! Uma simples operação matemática nos mostra que, caso levemos em conta o atual estoque de dívida pública em torno de R$ 1,7 trilhão, as despesas do País com a rolagem da dívida ao longo de 12 meses supera a barreira de R$ 210 bilhões, num cálculo bem otimista.

Para esse tipo de despesa, a racionalidade do discurso muda de figura. Para pagar juros da dívida pública, não há o que temer: sempre “há recursos disponíveis”. Quando se trata de honrar os conhecidos e vultosos compromissos com as instituições do sistema financeiro, as tais das dotações orçamentárias nunca faltam. Afinal, tudo indica que é mais importante assegurar os interesses do chamado “mercado” do que aumentar os gastos com saúde, educação, previdência, saneamento e similares.

E aqui parecem ficar evidentes quais foram, até agora, as reais prioridades do governo da Presidenta Dilma. Sim, pois não basta fazer cara de boa gente e receber as lideranças do movimento social em palácio. Apesar de posar para as fotografias com o simbólico chapéu de palha da Marcha das Margaridas, o governo não se comprometeu com as reivindicações mais sérias do movimento: reforma agrária e recursos do Programa da Agricultura Familiar para as mulheres [1] . E aos poucos algumas lideranças do próprio movimento sindical parecem ter se dado conta dos prejuízos causados às suas bases em função da postura passiva adotada até o momento, achando que um governo eleito por partidos supostamente comprometidos com os trabalhadores seria suficiente. Anestesiados até o momento, encontram dificuldade para reencontrar o caminho da luta e da reivindicação. Afinal, as próprias representações sindicais reconhecem que o governo tem dado mais ouvido e atenção aos empresários do que aos trabalhadores. E citam os casos recentes, como a perigosa proposta de desoneração da folha de pagamentos das empresas, a privatização dos aeroportos, definição de prioridades para política industrial, entre outros.

No final do dia 31 de agosto ficaremos sabendo o resultado da próxima reunião do COPOM. Com toda a certeza a decisão será por uma redução da taxa SELIC – afinal já passaram há muito dos limites. Mas isso fica como a malandragem da estória do “bode na sala”. Para ser eficaz, a diminuição da taxa de juros deve ser significativa, de muitos pontos percentuais. Não adianta querer jogar para a platéia e sair comemorando uma queda de 0,5% ou 1,0%. O diferencial entre a taxa de juros no Brasil e nos países mais desenvolvidos continua enorme – lá fora ela é próxima de 0%. Assim, além de seu patamar elevado prejudicar as atividades na economia real, a taxa de juros nesses níveis continua a provocar a inundação de nosso País com recursos externos podres, de natureza puramente especulativa.

Na outra ponta, o governo deve atuar de forma ativa para trazer a taxa de câmbio para posições mais realistas, promovendo alguma desvalorização do real. Para tanto basta se valer de um aumento da tributação do capital especulativo, uma vez que o nível de impostos atualmente incidente nessas operações não chega a reduzir a excelente rentabilidade oferecida pelo mercado financeiro brasileiro. Caso contrário, continuaremos no atual círculo vicioso de suicídio econômico, bem simbolizado pelo paradoxo da exportação de minério de ferro para importar trilho manufaturado. E no aprofundamento do já conhecido processo de desindustrialização.

A continuidade da crise no mundo apresenta-se como mais uma oportunidade para escapar do círculo vicioso dessa armadilha que combina a perversidade dos juros altos com a sobrevalorização cambial. Em todos os momentos anteriores, o governo tremeu de medo frente ao capital financeiro e nada fez para romper com o modelo. Agora, mais uma vez, surge a possibilidade para a Presidente Dilma demonstrar ao povo brasileiro quais são, de fato, as prioridades de seu governo.

NOTA:[1] Ver: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18321


Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5172

Por juro menor e contra Congresso, receita extra vai virar superávit

Por André Barrocal

BRASÍLIA – A presidenta Dilma Rousseff resolveu usar o aumento da arrecadação neste ano para ampliar em R$ 10 bilhões o pagamento de juros da dívida, em vez de aliviar o corte de R$ 50 bilhões feito no orçamento em fevereiro.

A decisão faz parte de um plano do governo que tem dois objetivos neste momento de incertezas econômicas globais. Primeiro: ajudar o Banco Central (BC) a baixar a maior taxa de juros do mundo. Segundo: conter o que seria apetite do Congresso por elevar gastos às vésperas de ano eleitoral.

A elevação do superávit primário foi anunciada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, nesta segunda-feira (29/08), depois de duas reuniões dele e de Dilma, nas quais o governo expôs seus planos a dois grupos de interlocutores importantes.

A conversa inicial foi com centrais sindicais, que já reclamaram publicamente. Depois, foi a vez de líderes e dirigentes de partidos aliados, que articulam a votação de projetos que dão mais dinheiro para saúde e segurança pública.

Ao anunciar o novo superávit primário, que passará a R$ 91 bilhões em 2011, Mantega disse que a economia global terá problemas nos próximos dois anos e pode até entrar em recessão. Por isso, o Brasil teria de se proteger de forma preventiva, mesmo estando mais bem preparado para enfrentar crises.

Antecipar-se a um cenário pior impediria que houvesse um “mergulho” econômico, como no início da crise de 2008/2009.

Naquela ocasião, o BC demorou a baixar o juro e, com isso, contribuiu para alimentar o pessimismo das empresas. Muitas brecaram investimentos e demitiram. O clima só foi revertido num segundo momento, com alta de gastos públicos. “Se vier uma situação pior, o Banco Central poderá reagir com mais políticas expansionistas”, declarou Mantega.

Apesar de o aumento do superávit ter sido anunciado dois dias antes da próxima decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), o ministro afirmou que não vê “necessidade de estímulo monetário” para a economia agora. Ou seja, não vê razão para o BC cortar o juro já. Ele manteve previsão de que o país crescerá ao menos 4% em 2011.

Recado ao Congresso
O que Mantega já acha necessário é desincentivar qualquer tentativa de deputados e senadores de aprovar projetos que impliquem aumento de gastos nos próximos anos, por conta do cenário externo ruim. Os parlamantares estão interessados em votar a definição de investimentos mínimos em saúde e de reajuste salarial para policiais.

Além disso, há um projeto do próprio governo no Congresso, que aumenta de 5% para 7% do produto interno bruto (PIB) o investimento em educação, que estudantes e centrais sindicais pressionam para que subam a 10%.

O recado de Mantega, respaldado por Dilma, foi bem claro. “Nós não vamos gastar a arrecadação que vier a maior”, afirmou.

Segundo ele, o projeto de orçamento 2012, que o governo tem até quarta-feira (31/08) para enviar ao Congresso, será construído com este espírito - gastos controlados e superávit primário robusto, para que o BC possa diminuir os juros.

A intenção de Dilma é encerrar o mandato com a taxa do BC calibrada em um nível mais parecido com o do resto do mundo. Hoje, depois de cinco altas seguidas neste ano, a taxa está em 12,5%.


Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18352

Sócrates fala sobre Cuba para a Folha

Sócrates dá uma resposta fantástica sobre cuba em entrevista à Folha


Folha: Por falar nisso, em toda essa impressionante onda de carinho que cercou você nesses dias, há também quem diga que de democrata você não tem nada porque deu o nome de Fidel a seu caçula. É mais uma de suas contradições?

Sócrates: De fato, estou tirando muita coisa de positivo neste meu quase nascer de novo. Quanto ao Fidel Castro, símbolo da Revolução Cubana, como Che Guevara, as pessoas estão mal informadas. No nosso país se conhece muito pouco o que acontece fora daqui e mesmo aqui dentro. A estrutura política cubana é extremamente democrática. Eu queria que meu filho nascesse lá, eu queria ser um cubano. Nós estivemos lá agora, nós fomos passear! Peguei minha mulher e fui lá, passear, curtir lampejos de humanidade. Um povo como aquele, numa ilhota, que há mais de 60 anos briga contra um império, só pode ser muito forte, e ditadura alguma faz um povo tão forte. Ditadura não é tempo de serviço, necessariamente é qualidade de serviço. Em Cuba, o povo participa de tudo, em cada quarteirão. E aqui? Pra quem você reclama? Você vota e não tem pra quem reclamar.

A defesa irrestrita da educação pública na Argentina


“A educação pública deve ser defendida”, assinala enfática a doutora Olga Ciencia, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires, enquanto observa pela televisão a gigantesca marcha convocada por estudantes chilenas, motivada pela crise estrutural na educação chilena.

Os estudantes argentinos entendem de mobilizações em defesa da educação. No ano passado, um “estudiantazo” de secundaristas e universitários paralisou suas atividades por três meses. O protesto foi contra a má gestão do setor e a demora nos trabalhos de melhoria da infraestrutura de algumas escolas. Finalmente, o governo de Buenos Aires cedeu ante as demandas dos estudantes.

Para Ignacio Kostzer, presidente da Federação de Estudantes da Universidade de Buenos Aires (FUBA), no último período, a Argentina conseguiu resistir em melhores condições ao avanço neoliberal privatizador e mercantil sobre o sistema educacional. Ele sabe, porém, que a batalha não está ganha e que o sistema educacional não está isento às pressões do mercado. Mas indiscutivelmente não sofreu a derrota ideológica e cultural que sofreram os estudantes chilenos.

“O movimento popular argentino, dentro do qual se destaca especialmente o movimento estudantil, teve a capacidade de resistir mesmo nas piores condições às investidas privatizadoras contra a educação. Seja em relação às tentativas explícitas de privatizar, como ocorreu com as universidades nos anos 90, por meio das políticas de Carlos Menem e Fernando de la Rúa, seja quanto às formas relativamente “indiretas” de avançar na direção da lógica de mercado, como ocorre hoje. A defesa da gratuidade e do acesso universal tem sido reivindicações prioritárias do movimento popular na Argentina”, sustenta.

Afirma ainda que o nível de publicidade ou de elitismo do sistema educacional reflete necessariamente uma correlação de forças políticas e sociais em luta. É no terreno político onde se resolve a disputa entre os que entendem a educação como um negócio (um dos que mais movimenta dinheiro no mundo) e os que a concebem como um direito humano básico e universal. Essa disputa está presente tanto na Argentina como no Chile, ainda que estas sejam, sem dúvida, duas realidades qualitativamente distintas.

Hoje, a educação pública argentina é paradigmática na América Latina. Assegura a todos os habitantes do país – e, nos últimos anos, a uma quantidade importante de estudantes latino-americanos – o exercício efetivo de seu direito a aprender, mediante a igualdade de oportunidades e possibilidades, sem discriminação alguma. Todos os organismos correspondentes garantem o princípio da gratuidade nos serviços públicos, em todos os níveis e regimes especiais, mediante identificação nos respectivos orçamentos educacionais, e um sistema de uniformes para alunos(as) em condições socioeconômicas desfavoráveis.

Em 2004, o ex-presidente Néstor Kirchner definiu que a educação pública não era um gasto, mas sim “um instrumento transformador”. Esta decisão política foi fundamental para priorizar a possibilidade de igualdade e oportunidade para todos e um acesso a uma educação de qualidade.

A partir daquele momento, o Estado argentino passou a realizar significativos investimentos na área, passando de 3% do PIB, em 2003, para 6%. Deste total, 1% é destinado às universidades. Segundo anunciou a presidenta Cristina Fernández, o objetivo é subir para 6,49% em 2012.

Os estudantes argentinos sabem que esta luta é também latino-americana. A FUBA esteve presente e apoiou a mobilização estudantil chilena. Entendem que, em todo o continente, a defesa da Educação pública, gratuita e de qualidade constitui um ponto central para qualquer programa de espírito transformador, democrático e emancipatório.

Ignazio Kostzer sustenta que o continente tem uma história muito em rica em experiências de educação popular e alternativa. De Simón Rodríguez a Paulo Freire, passando pelos programas de alfabetização da revolução cubana, etc. “A América Latina tem muito para contrapor ao sistema educacional liberal hegemônico. Entendendo que o processo educacional não é formado por alunos ignorantes que recebem a luz do conhecimento pelo professor, mas que há também valores em jogo neste processo dialógico entre pessoas, apontamos na direção da construção de uma educação que ensine a aprender, que ensine a exercer a dignidade e a democracia, a solidariedade e a soberania popular.

Sabemos bem que as reformas educacionais estão sempre ligadas às reformas sociais mais gerais. Não há educação para a mudança social isolada dos processos político emancipatórios. É por isso que entendemos que parte da defesa da educação pública na América Latina, tem a ver com o desenvolvimento e a consolidação dos processos de mudança de nosso continente. Justiça e igualdade para todos os povos de nossa Pátria Grande”.

Tradução: Katarina Peixoto

Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18350&editoria_id=6

Por que lutam os estudantes chilenos


São dias pouco agradáveis para o presidente do Chile, Sebastián Piñera. Além de ter sido obrigado a anunciar medidas para tentar frear os movimentos, ele enfrentou segunda-feira (11), protestos dos trabalhadores do setor mineral, principal atividade econômica nacional. Os operários querem garantias de que não haverá privatização da Codelco, a estatal do cobre.

O momento coloca em xeque a visão de um “Chile-maravilha”, comprada por parte da sociedade brasileira e dos países ricos. Os estudantes querem colocar a nu um sistema educacional que consideram desigual e excludente.

“O crescimento do mercado de educação superior fez com que aparecessem muitas diferenças entre os estudantes e entre as instituições”, afirma Germain Dantas, presidente da Federação de Estudantes da Universidade Federico Santa Maria, uma instituição privada de Valparaíso, e integrante da Confederação de Estudantes do Chile. “Há um uso maciço de recursos que não assegura a qualidade.”

Ele refere-se ao sistema adotado durante a ditadura de Augusto Pinochet (que governou de 1973 a 1990). No início da década de 1980, o governo decidiu promover a abertura ao modelo privado de educação. A visão era de que a criação de uma rede particular forte provocaria uma melhoria das escolas públicas. A lógica era simples: receberiam mais financiamento as unidades que conseguissem atrair mais estudantes, supondo-se que uma quantidade maior seria a consequência de um ensino de mais qualidade.

Os alunos passaram a escolher. Se quisessem seguir em uma escola pública, poderiam. Se quisessem migrar ao ensino privado, receberiam uma espécie de vale-educação, ou seja, a escola é subsidiada por cada estudante que recebe. “Em vez de funcionar como um instrumento para acabar com a desigualdade, a educação se transformou em um elemento para reproduzi-la”, lamenta Jaime Gajardo, presidente do Colégio de Professores do Chile, entidade que reúne 100 mil docentes de todos os níveis educacionais.

No sistema universitário, a situação se complicou ainda mais. Tanto nas instituições públicas quanto privadas é preciso pagar matrículas e mensalidades. Os juros fazem com que as dívidas, que inicialmente vão do equivalente a R$ 10 mil a R$ 15 mil, atinjam valores quatro ou cinco vezes maiores. Até esta semana, mesmo quem perdia o emprego deveria seguir pagando o crédito educacional.

Herança
Esta é uma das questões centrais: a Concertação, aliança de partidos que governou o Chile da redemocratização até o ano passado, não fez esforços para reformar o sistema. Pelo contrário, criou medidas na tentativa de aperfeiçoá-lo, acreditando que juros um pouco mais baixos ou um número maior de bolsas resolveriam a questão. “Hoje em dia estamos vendo as consequências disso. Você reforma algumas coisas, mas não muda o substancial. Ao não mudar o substancial, os problemas remanescentes explodem, afloram inevitavelmente”, diz Gajardo.

A conta que hoje se cobra foi apresentada pela primeira vez em 2006, quando centenas de milhares de estudantes secundaristas foram às ruas, na chamada Revolta dos Pinguins. O que se queria era o fim da municipalização do ensino, o fim do lucro nos colégios privados, a gratuidade da prova de seleção universitária e a anulação da lei do período Pinochet, que criava as várias categorias de escolas. A presidenta Michelle Bachelet aceitou convocar uma comissão que, no fim das contas, não deu espaço às reivindicações centrais dos jovens.

O movimento volta agora e, segundo lideranças da mobilização, vê com total descrédito uma solução negociada entre Executivo e Legislativo. “Isso não terá solução na política tradicional. Estamos reivindicando uma série de saídas que não estão previstas na política tradicional, como o plebiscito, que são medidas mais democráticas e que incluem a sociedade”, avisa o estudante Dantas.

Pagando o pato
Piñera havia avisado que este seria o ano da educação. Os estudantes foram às ruas reforçar a mensagem. Cientes de que o caminho do presidente era o de incentivo ao atual modelo, acharam melhor deixar claro que acreditam na ruptura e na formulação de um novo sistema. Quis a soma de fatores que o cansaço se tornasse público e vasto durante o governo conservador.

Em uma demonstração de pouca habilidade política, o ministro da Educação, Joaquín Lavín, determinou, pouco antes da segunda jornada de protestos por todo o país, que as escolas tomadas por estudantes antecipassem as férias de meio de ano. Ele próprio admitia que eram 206 unidades apenas na região metropolitana de Santiago.

“O ano escolar significa um certo número de horas de classes que devem ser respeitadas. Está em jogo também o subsídio que têm de receber os colégios e seus mantenedores”, ameaçava, indicando também que os estudantes teriam aulas até janeiro para repor o atraso caso não respeitassem a medida.

A resposta foi simples. Dois dias depois, o Chile assistiu à sua maior manifestação em quase três décadas. Em um protesto bem humorado, os alunos sugeriram que Lavín tomasse “o caminho da praia”, uma alusão a um pedido de demissão.

Secundaristas e universitários consideram que o ministro não tem mais condições de negociar uma solução para a crise. “É uma jogada política extremamente maquiavélica. Não resolve. É má política. (Nós) nos opomos a isso, assim como os estudantes secundários, afetados por essa medida, recusaram cumpri-la e seguem mobilizados”, afirma Dantas.

Piñera assumiu a negociação em pronunciamento em cadeia de rádio e TV na última semana. Anunciou um pacote de medidas no valor de US$ 4 bilhões (R$ 6,3 bilhões) para tentar encontrar uma solução. Prometeu aumentar o número de bolsas aos mais pobres e reduzir os juros de financiamento das universidades.

Não se comprometeu, no entanto, com as causas centrais: o fim da municipalização, ou seja, dar um novo caminho ao ensino em 40% das escolas do país; acabar com o sistema que dá ao país uma formação desigual e voltada exclusivamente ao mercado, deixando de lado a formação cidadã; e a estatização do ensino universitário. Como Bachelet em 2006, Piñera corre o risco de ver o movimento crescer.

“Há diferentes visões de como deve ser a educação. Há que se abrir a todas essas visões, e que se realize um plebiscito para definir qual a visão que vai prevalecer. Não pode seguir o que se vê hoje em dia, que é um governo que quer impor sua visão a todo o resto da sociedade”, pondera Gajardo.


Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18063

Marcha estudantil em Brasília vai pressionar governo e Congresso

BRASÍLIA – Depois de ser ocupada por “margaridas” e por sem-terras, a Esplanada dos Ministérios será, pela terceira semana seguida, palco de manifestações de movimentos sociais. Desta vez, são os estudantes que vão pressionar governo e Congresso, com uma marcha na próxima quarta-feira (31). A União Nacional dos Estudantes (UNE) tem duas bandeiras principais. Aumentar o investimento em educação para 10% do produto interno bruto (PIB). E destinar ao setor metade das riquezas do pré-sal.

Segundo a entidade, 20 mil estudantes estarão em Brasília participando da marcha. O ato encerrará um mês de mobilizações estudantis feitas em todo o país, naquilo que a UNE batizou de “agosto verde e amarelo”. “Foi neste mês de mais pressão dos movimentos sociais que a nossa pauta entrou mais no Planalto”, disse à Carta Maior o presidente da UNE, Daniel Iliescu.

As atividades terão início às 9 horas, em frente ao Banco Central (BC), onde os estudantes pretendem se unir a sindicalistas e camponeses, para protestar contra a alta taxa de juros. No fim da quarta, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC anuncia se mexe ou não nos juros.

Do Banco Central, os estudantes seguirão para o Palácio do Planalto, para tentar entregar a pauta de reivindicações nas mãos da presidenta Dilma Roussef. Por ora, não há uma agenda marcada da presidenta com a UNE. Mas, no início do dia, Dilma deve se reunir com o ministro da Educação, Fernando Haddad, para discutir a situação do setor.

“Falta ousadia para o governo quando a discussão gira em torno dos 10% do PIB para a educação. Existe, claro, uma melhora no setor, mas ainda é tímida. Dessa forma, o Brasil desperdiça uma oportunidade única de investir na juventude e dar um salto significativo na educação”, afirma Iliescu.

PNE e Pré-sal
Durante a jornada, a direção da UNE participará de uma audiência pública, no Congresso, convocada para discutir o novo Plano Nacional de Educação (PNE). O projeto, que tramita na Câmara dos Deputados, foi construído a partir das propostas debatidas na Conferência Nacional de Educação, muitas delas propostas pelo movimento estudantil.

O novo PNE propõe que o setor público amplie os investimentos em educação dos atuais 4,8% do PIB para 7%, até 2020. Os estudantes, entretanto, reivindicam que o percentual atinja 10% até 2014. O pleito é ousado. No ano passado, o gasto federal com toda a área social foi de 15% do PIB, segundo pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Os 10% do PIB em educação também levam em conta dinheiro estadual e municipal.

Os estudantes vão cobrar ainda que a presidenta reveja o veto do ex-presidente Lula ao trecho da Lei do Pré-sal que estipulava a aplicação de 50% do fundo social na área da educação, conforme previa campanha lançada em 2009 pela UNE. A proposta foi aprovada pelo Congresso Nacional, mas vetada pelo poder executivo no final de 2010.

Solidariedade internacional
Os manifestantes participarão ainda de audiência pública convocada pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara em solidariedade aos estudantes chilenos, vítimas da truculência do governo daquele país. No último protesto promovido pelos chilenos em prol de melhorias na educação, na última quinta-feira (25/8), um estudante foi assassinado e outros ficaram feridos.

A líder estudantil Camila Vallejo, presidente da Federação de Estudantes da Universidade do Chile (FECh), participará do ato, que encerra a Jornada Nacional de Lutas, tradicionalmente promovida pelos movimentos estudantis, sindicais e sociais, no mês de agosto. Camila tem recebido ameaças de morte.


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Dilma faz refundação retórica do governo e tira 'faxina ética' da pauta

Por André Barrocal

BRASÍLIA – A queda do petista Antonio Palocci da chefia da Casa Civil produziu uma refundação do governo, ao obrigar a presidenta Dilma Rousseff a rever o modelo de relação política que tentara estabelecer de início com partidos aliados. Dois meses depois, de novo por motivos políticos, Dilma promove outra refundação, desta vez retórica, com o objetivo de botar no topo da agenda brasileira aquilo que, afinal, está por trás de seu slogan oficial, “país rico é país sem pobreza”.

A declaração mais enfática de que a prioridade zero do governo é a agenda econômica, que melhora a vida das pessoas e faz o país crescer, e não a agenda moral, que causa atritos com aliados e dá munição a adversários, Dilma deu nessa quarta-feira (24/08).

“Essa pauta de demissões não é adequada para um governo e eu jamais vou assumir. Não se demite nem se faz escala de demissão, nem sequer demissão todos os dias. Isso não é, de fato, Roma antiga”, afirmou a presidenta. “[Faxina] Não é o centro do meu governo. O centro do meu governo é fazer uma faxina contra a pobreza.”

Nos últimos dias, a presidenta já tinha dado diversos sinais de que gostaria de inverter prioridades, como Carta Maior relatara. Mas não havia sido tão incisiva quanto agora.

Na véspera, Dilma participara de jantar na residência oficial do vice-presidente, Michel Temer, com líderes e parlamentares do PMDB. O partido de Temer já perdeu dois ministros (Wagner Rossi, da Agricultura, e Nelson Jobim, da Defesa) e tem um terceiro alvejado por denúncias de corrupção - Pedro Novais (Turismo).

O PMDB é um dos dois maiores partidos governistas. Tem a maior bancada do Senado (20, das 81 cadeiras). E a segunda da Câmara (80, dos 513 assentos).

As denúncias contra Novais atingiram o outro grande aliado do Planalto, o PT (86 deputados e 13 senadores). Algumas das supostas irregularidades no ministério teriam origem na gestão do PT no ministério, ainda no governo Lula.

Para explorar mais a politicamente a “faxina contra a pobreza”, segundo Carta Maior apurou, Dilma vai botar cada vez mais peso nos atos regionais de assinatura de pactos de erradicação da miséria com governadores.

A presidenta já tinha encomendado à ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campelo, que organizasse lançamentos do programa Brasil sem Miséria nas cinco regiões. Já ocorreram dois – no Nordeste (Alagoas), dia 25 de julho, e no Sudeste (São Paulo), dia 18 de agosto. O próximo será no Norte (Amazonas), dia 5 de setembro.

O evento em São Paulo teve uma presença até à véspera desconhecida para Dilma, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Uma fonte do governo disse à Carta Maior que o convite ao tucano não partiu da Presidência, nem do ministério do Desenvolvimento Social, mas do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), em cuja residência oficial o evento aconteceu.

Quando deu as declarações à imprensa sobre faxina e agenda econômica nessa quarta-feira, Dilma tinha acabado de participar de um evento que também se encaixa no esforço de restabelecer prioridades.

Ela e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, haviam anunciado a reformulação de um programa de microcrédito (para pessoas pobres) criado no governo Lula.

Neste novo formato, os quatro bancos públicos vão cortar a taxa de juros (de 60% para 8% ao ano). Priorizar operações destinadas a atividades produtivas (montar uma barraquinha de pipoca, por exemplo), em vez de consumo (compra de TV, por exemplo). E multiplicar por quatro a clientela beneficiada e o volume de dinheiro emprestado, até 2013.

Fonte: Carta Maior

Carta às esquerdas

Não ponho em causa que haja um futuro para as esquerdas mas o seu futuro não vai ser uma continuação linear do seu passado. Definir o que têm em comum equivale a responder à pergunta: o que é a esquerda? A esquerda é um conjunto de posições políticas que partilham o ideal de que os humanos têm todos o mesmo valor, e são o valor mais alto. Esse ideal é posto em causa sempre que há relações sociais de poder desigual, isto é, de dominação. Neste caso, alguns indivíduos ou grupos satisfazem algumas das suas necessidades, transformando outros indivíduos ou grupos em meios para os seus fins. O capitalismo não é a única fonte de dominação mas é uma fonte importante.

Os diferentes entendimentos deste ideal levaram a diferentes clivagens. As principais resultaram de respostas opostas às seguintes perguntas. Poderá o capitalismo ser reformado de modo a melhorar a sorte dos dominados, ou tal só é possível para além do capitalismo? A luta social deve ser conduzida por uma classe (a classe operária) ou por diferentes classes ou grupos sociais? Deve ser conduzida dentro das instituições democráticas ou fora delas? O Estado é, ele próprio, uma relação de dominação, ou pode ser mobilizado para combater as relações de dominação?

As respostas opostas as estas perguntas estiveram na origem de violentas clivagens. Em nome da esquerda cometeram-se atrocidades contra a esquerda; mas, no seu conjunto, as esquerdas dominaram o século XX (apesar do nazismo, do fascismo e do colonialismo) e o mundo tornou-se mais livre e mais igual graças a elas. Este curto século de todas as esquerdas terminou com a queda do Muro de Berlim. Os últimos trinta anos foram, por um lado, uma gestão de ruínas e de inércias e, por outro, a emergência de novas lutas contra a dominação, com outros atores e linguagens que as esquerdas não puderam entender.

Entretanto, livre das esquerdas, o capitalismo voltou a mostrar a sua vocação anti-social. Voltou a ser urgente reconstruir as esquerdas para evitar a barbárie. Como recomeçar? Pela aceitação das seguintes ideias.

Primeiro, o mundo diversificou-se e a diversidade instalou-se no interior de cada país. A compreensão do mundo é muito mais ampla que a compreensão ocidental do mundo; não há internacionalismo sem interculturalismo.

Segundo, o capitalismo concebe a democracia como um instrumento de acumulação; se for preciso, ele a reduz à irrelevância e, se encontrar outro instrumento mais eficiente, dispensa-a (o caso da China). A defesa da democracia de alta intensidade é a grande bandeira das esquerdas.

Terceiro, o capitalismo é amoral e não entende o conceito de dignidade humana; a defesa desta é uma luta contra o capitalismo e nunca com o capitalismo (no capitalismo, mesmo as esmolas só existem como relações públicas).

Quarto, a experiência do mundo mostra que há imensas realidades não capitalistas, guiadas pela reciprocidade e pelo cooperativismo, à espera de serem valorizadas como o futuro dentro do presente.

Quinto, o século passado revelou que a relação dos humanos com a natureza é uma relação de dominação contra a qual há que lutar; o crescimento económico não é infinito.

Sexto, a propriedade privada só é um bem social se for uma entre várias formas de propriedade e se todas forem protegidas; há bens comuns da humanidade (como a água e o ar).

Sétimo, o curto século das esquerdas foi suficiente para criar um espírito igualitário entre os humanos que sobressai em todos os inquéritos; este é um patrimônio das esquerdas que estas têm vindo a dilapidar.

Oitavo, o capitalismo precisa de outras formas de dominação para florescer, do racismo ao sexismo e à guerra e todas devem ser combatidas.

Nono, o Estado é um animal estranho, meio anjo meio monstro, mas, sem ele, muitos outros monstros andariam à solta, insaciáveis à cata de anjos indefesos. Melhor Estado, sempre; menos Estado, nunca.

Com estas ideias, vão continuar a ser várias as esquerdas, mas já não é provável que se matem umas às outras e é possível que se unam para travar a barbárie que se aproxima.


(*) Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).


Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5169

Espanha: Congresso quer dar status constitucional à austeridade


Nesta terça-feira (30), o Congresso Nacional da Espanha deve apreciar a proposta de reforma da Constituição Federal do país, que pretende tornar exigência constitucional a limitação do déficit público espanhol em até 0,40% do PIB.

Em resposta a tal plano, que resultou de acordo entre o PP (Partido Progressista) e o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), respectivamente legendas que se definem de direita e esquerda - embora essa separação já não se faça visível na atual conjuntura política europeia -, a população espanhola, mais uma vez, sai às ruas para protestar contra o corte de direitos sociais que vêm sendo executado pelo governo de José Luis Rodrigues Zapatero e se acentuará, caso seja aprovada a alteração da Constituição.

Essas medidas de austeridade econômica são praticadas por ordem do Parlamento Europeu, do Fundo Monetário Internacional e do Banco Central Europeu que, em troca, prometem auxílio è recuperação econômica de países periféricos, como Espanha, Portugal, Grécia, Itália e Irlanda, atualmente em risco de quebra desde a avalanche causada pela crise financeira iniciada em 2008.

Por isso, no domingo (28), cerca de 3 mil pessoas marcharam pacificamente desde a estação Atocha até a Porta do Sol, em Madri, para exigir a realização de um referendo, em que a população possa decidir se concorda ou não com essa proposta de reforma constitucional. Outras milhares de pessoas se reuniram em manifestações igualmente não-violentas, realizadas em dezenas de cidades espanholas, dentre as quais Barcelona, onde em torno de 2000 “indignados” tomaram as ruas.

Novos protestos são planejados para esta terça, quando a modificação da Constituição será analisada pelo Congresso Nacional espanhol. Os integrantes do 15-M, também conhecido como movimento Democracia Real Ya (DRY), em Madri, já sinalizaram que se concentrarão nas imediações do Parlamento nacional desde as 14h00 até as 16h00, sendo que a reunião entre os deputados tem início previsto para as 10h00.

Embora a marcha de ontem tenha sido convocada por iniciativa desse grupo popular, também se somaram aos protestos o bloco Juventud Sin futuro e outros coletivos com reivindicações similares, além de pessoas de diversas faixas etárias que, em clima de festa, pediam a reforma da lei eleitoral espanhola e maior participação cidadã.

Segundo o jornal El País, durante todo o ato, a presença dos policiais antidistúrbios se fez notar com discrição. Talvez porque essa instituição tenha preferido poupar a exposição de sua imagem, um pouco manchada, depois do enfrentamento de seus integrantes com participantes de uma marcha a favor do Estado laico, realizada no dia 17 de agosto, por ocasião da visita do Papa Bento XVI a Madri.

A manifestação laica havia sido articulada sob o lema “dos meus impostos, ao Papa zero”, em referência aos gastos exorbitantes para um contexto de recessão econômica, que haviam sido realizados pelo governo espanhol com o objetivo de financiar a participação dessa autoridade eclesiástica na Jornada Mundial da Juventude Católica, evento cuja edição deste ano foi sediada em Madri.

Porém, não se permitiu a conclusão dessa passeata laica depois que seus participantes se depararam com os jovens peregrinos católicos presentes na Porta do Sol. Ali, os dois grupos trocaram insultos e foram separados por cordões policiais, até que, depois das 22h30, os antidistúrbios retiraram os manifestantes laicos do local com violência, numa operação que resultou em 11 feridos e oito detidos. Também causou alarde na opinião pública a divulgação de um vídeo em que uma jovem de 17 anos é agredida por alguns desses homens fardados (ver acima), durante marcha realizada no dia 18/8, em protesto contra a violência policial observada no dia anterior.

Depois do episódio extremamente desfavorável à imagem da Polícia espanhola e do Ministro do Interior de Madri, Antonio Camacho, a Chefia Superior de Polícia disse ter aberto uma investigação interna sobre a atuação dos antidistúrbios que agrediram a adolescente, identificados como o chefe do grupo de intervenção policial e um subinspetor. Os investigados poderão ser penalizados por “falta grave”, ou “muito grave” do regime disciplinar, castigadas com suspensão de funções e até mesmo separação do serviço.

Além disso, outras ações judiciais individuais vêm sendo propostas contra os policiais pelos agredidos, sob auxílio de advogados particulares ou voluntários que atuam na Comissão Jurídica do 15-M. Devido a essa resposta direta e bem articulada dos ativistas, a mudança de atitude dos policiais na última mobilização massiva representou uma ganho para o movimento contrário às atuais políticas antidemocráticas do governo espanhol, que é bem compreensível.

O que não se pode calcular, no entanto, é até quando essa aparente tregua irá durar, já que, segundo porta-vozes do movimento Democracia Real Ya, o outono espanhol promete ser carregado de manifestações. E a rebeldía não se limita aos integrantes do 15-M. Os sindicatos de trabalhadores espanhois, UGT e CC OO, acompanhados de várias outras organizações sociais, já articulam mobilizações contra o atual plano de reforma sem referendo, que prevê a inclusão de um princípio genérico de estabilidade orçamentária na Constituição.

Haverá uma grande manifestação em Madri no dia 6 de setembro e são preparados protestos no resto do país para os dias 31 de agosto e 1º de setembro. Os coletivos que protagonizam essas estratégias de luta também não descartam uma greve geral, como forma de pressionar que os parlamentares votem contra a alteração constitucional.

É uma pena que a possibilidade de realização de um referendo, forma de participação cidadã mais democrática, porque direta, venha acompanhada da discussão sobre uma proposta de mudança da Constituição tão absurda. Ao invés de tentar fazer retroceder direitos sociais conquistados a duras penas pelos movimentos populares, os governantes da zona do euro deveriam se preocupar em apresentar projetos de lei que regulamentem o mercado financeiro, cuja anarquia suscetível aos interesses de poderosos econômicos tem sido a causadora da crise hoje vivenciada. O povo, ainda firme nas ruas, demonstra essa consciência de que a reforma estrutural do atual sistema capitalista é a única, de fato, urgente e necessária.

Fabíola Munhoz é advogada, jornalista e mestranda em Comunicação e Educação