quarta-feira, 16 de março de 2011

A segunda onda das drogas sintéticas

Em 2010, voltou a aumentar o consumo, diz o relatório do INCB. No Japão foram detectadas 51 fórmulas diversas de “balas”

Abastecido com dados dos 007 da Drug Enforcement Administration (DEA), o então czar antidrogas da Casa Branca, general Barry McCaffrey, convidou-me para uma conversa reservada no intervalo de uma conferência sobre drogas proibidas. A conferência foi em 1999, na ilha de Key West (Flórida) e num hotel próximo à casa, hoje museu, onde o escritor Ernest Hemingway residiu por uns tempos.

Na ocasião, encontrava-me acompanhado por dois diplomatas designados pelo ministro de Relações Exteriores Luiz Felipe Lampreia. O ministro era sensível e conhecia bem o problema das drogas. Ele havia servido como embaixador no Suriname (antiga Guiana Holandesa), quando do governo do ditador Dési Bouterse. Reeleito presidente em agosto de 2010, Bouterse foi condenado pela Justiça holandesa por tráfico internacional de drogas.

Apesar das divergências com o general-czar, aceitei o encontro, sem testemunhas. Além do Plan Colombia, cito outro dissenso: McCaffrey queria que o presidente Fernando Henrique Cardoso sancionasse a chamada “lei do abate” de aeronaves sob suspeita de transportar drogas. A referida lei, conforme sustentei na OEA-Cicad, era uma camuflada e sumária aplicação da pena de morte.

McCaffrey falou das drogas sintéticas e das novas geoeconomia e geoestratégia das internacionais criminosas. Na sua visão, haveria um boom de oferta e as máfias europeias e orientais cuidariam de todo o negócio. Para o general-czar, em resumo, a cocaína seria desbancada e as máfias levariam à falência os cartéis colombianos e mexicanos [isso ele pensou em 99]. O novo quadro preocupava, uma vez que o Brasil possuía a maior indústria química da América Latina e a nossa fiscalização a respeito de circulação de insumos e precursores químicos era frágil. Pensei com os meus botões que o Brasil poderia ser a nova Colômbia.

No curso da conversa abriu-se oportunidade para perguntar ao general-czar sobre Mianmar, ex-Birmânia, maior produtora mundial de drogas sintéticas. À época, e sob proteção da ditadura militar, lá vivia Khun Sun, conhecido mundialmente como o rei das drogas sintéticas. Perguntei como os EUA e a Europa fingiam não aceitar a ditadura na ex-Birmânia (instalada em 1962 e renovada em 1988) e se acomodavam com o fato de a Nobel da paz, Aung Suu Kyi, permanecer presa por crime de opinião. McCaffrey não respondeu.

Outro ponto de preocupação era o da velocidade na produção das sintéticas. Elas podiam ser feitas no próprio país de consumo, ao contrário da cocaína: a folha de coca é andina, os insumos são contrabandeados ou desviados, o refino é mais trabalhoso e a distribuição para todo o planeta se dá a partir da Colômbia, do Peru ou da Bolívia.

As drogas sintéticas, entre 2000 e 2002, tiveram força para reduzir o consumo da cocaína. Mas logo depois as internacionais criminosas perderam o controle da produção. Na Holanda, por exemplo, começaram a ser elaboradas em “fundo de quintal” e os jovens saíam para vender por todo o continente. No verão de 2001, os governos europeus difundiram um alerta, por causa da impureza das sintéticas e estatísticas sobre internações e mortes por overdose.

Para a alegria das máfias que tinham perdido o controle e a exclusividade da produção, o mercado consumidor das sintéticas recuou. Em 2003, a cocaína voltou a reinar. Os cartelitos colombianos, que fornecem aos cartéis mexicanos, voltaram a operar a todo vapor. E as máfias europeias, como a ‘Ndrangheta calabresa, tornaram a negociar cocaína com os países andinos de produção e a usar o Brasil como país de trânsito.

O quadro voltou a mudar em 2010, conforme relatório divulgado no início deste mês pelo International Narcotics Control Board (INCB), um órgão criado, a partir da Convenção de Nova York de 1961, para fiscalizar o cumprimento das proibições.

Segundo o INCB, existe um boom de oferta de drogas sintéticas, cuja produção é “sempre mais veloz e em constante aumento”. Nos países da Europa, em 2010, circularam 61 novos tipos de drogas sintéticas. Mas o recorde ficou com o Japão, com 51 fórmulas diversas, só no ano passado. No Brasil, as sintéticas, apelidadas de “balas”, ingressam pelo Paraguai, mas também podem ser elaboradas aqui.

O pill testing em países europeus com políticas de drogas progressistas foi levado, quando da primeira onda das sintéticas, aos locais de concentração de jovens. Isso como política de redução de danos. Agentes de saúde, mantida a polícia bem distante, realizavam os testes e avisavam o consumidor sobre impureza, tipo e potencialidade da droga apresentada. Para McCaffrey e muitos brasileiros reacionários, o pill testing é um incentivo ao consumo. Infelizmente, falta sensibilidade para enxergar o lado humano da questão, no intuito de evitar danos e riscos.


Walter Maierovitch é jurista e professor, foi desembargador no TJ-SP



Fonte: http://www.cartacapital.com.br/politica/a-segunda-onda-das-drogas-sinteticas

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