segunda-feira, 14 de março de 2011

Antes que desconstruam Furtado. Celso e FHC: dois Brasis

Saiu na Folha (*) de sábado, na pág. B2, uma “crítica” ao quarto volume da coleção “Arquivos Celso Furtado”, do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, com a íntegra do Plano Trienal.

Foi o plano que o grande presidente João Goulart encomendou a Furtado, em 1962.

O Plano era rigoroso, para conter a inflação, com um ambicioso programa de reformas que só seriam, em parte, realizadas no Governo do Nunca Dantes.

Furtado queria a reforma agrária.

(Num programa “Roda Viva” – quando ainda não era o “Roda Morta” -, Evandro Lins e Silva, que também foi ministro de Jango, disse que se fosse levado a apontar uma única causa para queda de Goulart diria que foi a reforma agrária.)

(É o que confirma Maria da Conceição Tavares, na mesma “crítica”.)

Furtado queria o aumento real do salário – como conseguiu o Nunca Dantes.

Enfatizar a Educação – idem.

Libertar o Nordeste do subdesenvolvimento – idem, o Nunca Dantes.

E renegociar a dívida externa (o Nunca Dantes emprestou ao FMI).

Leia trechos dos objetivos do Plano:


3. Criar condições para que os frutos do desenvolvimento se distribuam de maneira cada vez mais ampla pela população, cujos salários reais deverão crescer com taxa idêntica à do aumento da produtividade do conjunto da economia, demais dos ajustamentos decorrentes da elevação do custo de vida;

4. Intensificar substancialmente a ação do Governo no campo educacional, da pesquisa científica e tecnológica, e da saúde pública, a fim de assegurar uma rápida melhoria do homem como fato de desenvolvimento e de permitir o acesso de uma parte crescente da população aos frutos do progresso cultural;

5. Orientar adequadamente o levantamento dos recursos naturais e a localização da atividade econômica, visando a desenvolver as distintas áreas do país e a reduzir as disparidades regionais de níveis de vida, sem com isso aumentar o custo social do desenvolvimento;


6. Eliminar progressivamente os entraves de ordem institucional responsáveis pelo desgaste de fatores de produção e pela lenta assimilação de novas técnicas em determinados setores produtivos. Dentre esses obstáculos de ordem institucional, destaca-se a atual estrutura agrária brasileira, cuja transformação deverá ser promovida com eficiência e rapidez;


7. Encaminhar soluções visando a refinanciar adequadamente a dívida externa, acumulada principalmente no último decênio, a qual, não sendo propriamente grande, pesa desmesuradamente no balanço de pagamentos por ser quase toda a curto e médio prazos. Também se tratará de evitar agravação na posição de endividamento do país no exterior, durante o próximo triênio;


O Plano foi o alicerce para Jango lançar as Reformas de Base que provocaram a sua queda.

A “crítica” da Folha (*) observa que o lançamento do Plano foi “utilizado como peça de campanha política”, já que seis dias depois se realizava o plebiscito que derrotou o Parlamentarismo (velho sonho dos conservadores brasileiros).

(Cerra, por exemplo, é um parlamentarismo ortodoxo – quando está na oposição.)

Primeiro, que o plebiscito deu: Jango e o presidencialismo 10 x 0 Parlamentarismo dos militares, udenistas, tucanos e PiG (**).

Não foi o Plano que derrotou a quimera conservadora.

A “crítica” também se inclina a observar que o Plano foi “recessivo”.

O Plano não teve um ano de vida.

A esquerda o chamava de “ortodoxo”, a direita, de comunista.

Em 1963, Furtado já estava de volta à Superintendência da SUDENE.

(Ao saber da intervenção militar, Furtado incorporou-se ao Governo de Miguel Arraes, em Pernambuco, e foi cassado na primeira lista dos militares de 1964.)

Quem jogou o Brasil numa recessão aguda foi a dupla Campos-Bulhões, do primeiro Governo militar.

Antes que se “releia” o Plano Trienal com olhos de hoje e da perspectiva conservadora de hoje convém estabelecer que Furtado é de um Brasil, que, como dizia o contemporâneo (e liberal) José Guilherme Merquior, se imaginava “um outro Ocidente”.

Ou, nas próprias palavras de Furtado, lutou a vida inteira para fugir à alienação “do tipo ptolomaico, ou seja, a incapacidade para pensar a própria posição em um sistema de forças.”

(Este ansioso blogueiro deve essas citações a Juarez Guimarães, autor do ensaio “A trajetória intelectual de Celso Furtado”, no livro “Celso Furtado e o Brasil”, editora Fundação Perseu Abramo, organizado por Maria da Conceição Tavares, pag. 20.)

Pensar a sua própria posição em um sistema de forças.

Sobre isso, caiu às mãos deste ansioso blogueiro imperdível leitura: “When China Rules the World – the end of the Western World and the birth of a new global order”.

Quando a China mandar no pedaço – ou o fim do Mundo Ocidental e o nascimento de uma nova ordem global.

O autor é o inglês Martin Jacques, jornalista e professor, que pretendeu “explicar como o crescimento meteórico da China se estenderá muito além do âmbito econômico, ao deslocar o Ocidente e criar uma ordem global inteiramente nova”.

No Capítulo V, “A Modernidade Contestada”, diz Jacques:

“Por toda a primeira metade do Século XX, o pequeno conjunto de países que tinha começado a crescer no Século XIX continuou a dominar a elite das nações industrializadas, sem aceitar novos sócios no clube.

Foi como se o padrão do mundo pré-1914 se tivesse congelado, e a porta de entrada se trancasse aos que perderam a chance no século anterior.


Nos anos 50, a escola da “teoria da dependência” generalizou essa proposição - era impossível agora um país quebrar o gelo e entrar para o clube das nações avançadas.”

Navalha
A “teoria da dependência” do Fernando Henrique Cardoso, como se sabe, é o único “corpo teórico” que os conservadores brasileiros conseguiram produzir, desde Vargas.

O Padim Pade Cerra, como se sabe, não escreveu nada.

O Brasil e a China do Jacques desmoralizaram o “teórico da dependência”.

Um mundo o separa de Furtado.

São dois Brasis – o do Furtado e o do FHC.

Antes que se tente desconstruir Furtado.

Paulo Henrique Amorim

(*) Folha é um jornal que não se deve deixar a avó ler, porque publica palavrões. Além disso, Folha é aquele jornal que entrevista Daniel Dantas DEPOIS de condenado e pergunta o que ele achou da investigação; da “ditabranda”; da ficha falsa da Dilma; que veste FHC com o manto de “bom caráter”, porque, depois de 18 anos, reconheceu um filho; que matou o Tuma e depois o ressuscitou; e que é o que é, porque o dono é o que é; nos anos militares, a Folha emprestava carros de reportagem aos torturadores.

(*) Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político – o PiG, Partido da Imprensa Golpista.




Fonte: http://www.conversaafiada.com.br/brasil/2011/03/13/antes-que-desconstruam-furtado-celso-e-fhc-dois-brasis/

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