Livro mostra o trabalho de militantes de esquerda que permaneceram no Brasil no duro período da ditadura
Por Marcela Sevilla Farrás
Resultado de meses de pesquisa e inúmeras conversas com ex-integrantes do Partido Comunista do Brasil que viveram bem de perto os anos da ditadura, "No avesso do paraíso - Vida clandestina nos tempos dos generais" traz à tona os detalhes da vida de quem resistiu ao exílio, à prisão e até à morte para levar adiante - mesmo sob a densa atuação do aparelho repressivo - o ideal socialista. Escrito pela jornalista Lucília Atas Medeiros, o livro reúne experiências de seis dos tantos militantes de esquerda que transpuseram o período de 1964 a 1978 em território nacional, lutando sem armas pela retomada da liberdade e pelo desenvolvimento de uma sociedade justa.
Ao lado da esposa Ana, Odilon Guedes - na época um jovem de seus vinte e tantos anos - usava suas habilidades mais comuns para recrutar lideranças promissoras para o PCdoB. Com um jeito "boa praça" e uma facilidade extrema de atrair amizades por conta de passatempos cotidianos como um jogo de futebol, o economista formado pela Pontifícia Universidade Católica e - inicialmente - morador da região das Perdizes se escondia atrás de uma vida pacata para ajudar o desenvolvimento da causa revolucionária.
A portuguesa Leopoldina Duarte Mota, estudante de psicologia que chegou ao Brasil aos 7 anos por um navio que deixou para trás as incertezas do comando ditador de António Salazar, também teve que lidar de perto com a repressão. Entre a oferta de um emprego promissor em um dos maiores hospitais de São Paulo e o risco de viver uma vida sem garantias, Leo optou pela clandestinidade e passou a andar pelas sombras, fugindo, junto com o marido, do esquema ditatorial. Foi presa, presenciou o assassinato de Alexandre Vannucchi Leme no DOI-Codi, em 1973, e inúmeras vezes teve que trocar de identidade e abandonar círculos superficiais de amizade em nome da militância.
Ao contrário de Leo, que conseguiu - na medida do possível - manter os estudos, Carlos Eduardo Ferreira de Carvalho abandonou a faculdade de economia na Universidade Federal da Bahia para não ser reconhecido e preso pelo regime que se fortalecia. Com o sonho de combater na guerrilha do Araguaia negado pelas lideranças do PCdoB, Carlos Eduardo - "filho da burguesia endinheirada de Salvador" - passou a juventude apoiando o fortalecimento da infraestrutura do partido em São Paulo sob a pele de um funcionário comum da Editora Abril.
Maurício Faria também teve que optar entre a carreira acadêmica e a dedicação à causa. Aos 21 anos, abandonou a Faculdade de Engenharia Industrial, em São Bernardo do Campo, e passou a década seguinte no limbo em que ficavam os militantes obrigados a agirem como fugitivos. Foi dirigente do Partido Comunista do Brasil e acatou sem discussão a orientação de, mesmo sob perseguição, nunca abandonar o país. "Mergulhei naquela concepção marxista-leninista de uma maneira muito radical, muito intensa. Essa concepção faz com que a gente se sinta imbuído de uma missão a cumprir. Seríamos uma minoria portadora de um destino histórico, de um futuro especial para toda a humanidade", declara Maurício no livro.
A baiana Celeste Maria de Azevedo Dantas tinha 17 anos e era secundarista quando foi identificada como uma liderança potencial pelo PCdoB. Com o passar dos anos, a jovem moradora do interior da Bahia acabou se envolvendo com a causa e passou a fazer parte da lista de procurados pela repressão. Tendo a polícia em seus calcanhares, Celeste optou por "exilar-se" em São Paulo e tornar-se operária nas grandes fábricas do ABC paulista.
Talvez com a decisão mais difícil de todos os personagens do livro - a de abandonar esposa e três filhos aos 31 anos para correr atrás de um ideal político - o jornalista Carlos Azevedo entrou para a clandestinidade já conhecido pelo poder público. Tendo trabalhado em publicações como o jornal O Estado de S. Paulo e as revistas O Cruzeiro, Quatro Rodas e Realidade, Azevedo era visto como um profissional brilhante e reconhecido com prêmios na área do jornalismo.
Intercaladas por quadros explicativos que situam o leitor no contexto mundial daqueles anos de forma extremamente didática, as histórias de Odilon, Celeste, Maurício, Leo, Azevedo e Carlos Eduardo constroem para o leitor o cenário da ditadura em cada milímetro, fazendo com que este se sinta na pele de um dos militantes que se chocava constantemente com perseguições e ameaças vindas de todos os lados. Juntos, os seis personagens costuram a trama de acontecimentos que, para muitos, hoje, podem parecer ficção, mas nunca perderão o tom de realidade para os que viveram a época e compartilharam os sentimentos de medo e angústia.
Chico Whitaker - que fora exilado político - apresenta a obra como um registro respeitável e fundamental para mostrar a atuação arriscada dos militantes que optaram por enfrentar em território nacional a brutalidade gerada pela ditadura. Admirado com a coragem dos companheiros que permaneceram no Brasil, Whitaker escreve "Testemunhos como estes que encontramos neste livro são fundamentais, sendo necessário divulgá-los ao máximo, especialmente para aqueles que são jovens demais para entender o que foi essa dura experiência e também para conservar a memória viva do que nunca mais deve acontecer".
A deputada federal recentemente reeleita Luiza Erundina também reconhece a importância da obra para reafirmar a liberdade política. "A história invisível dos que resistiram à ditadura militar e lutaram pelas liberdades democráticas na clandestinidade precisa vir à luz para que as novas gerações tomem consciência do alto preço que foi pago pela democracia que temos hoje".
De fato, "No avesso do paraíso - Vida clandestina nos tempos dos generais" é um registro único de algo que até hoje havia sido pouquíssimo destrinchado: a resistência corajosa dos que ficaram. "Não são fascínoras, mas jovens idealistas, que se dispõem a enfrentar o risco da tortura a fim de defender valores que consideram essenciais. Só esse testemunho vale o livro", comemora o ex-candidato à presidência do Brasil e socialista declarado, Plínio de Arruda Sampaio - que foi militante na Juventude Universitária Católica e presidente da mesma nos anos de chumbo.
Fonte: http://carosamigos.terra.com.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário