Por: Daniel Jorge Caetano em seu blog
28/09/2010
Não gosto muito de tratar assuntos políticos aqui; a razão para isso é que gosto de estimular a reflexão sobre o que observo no dia-a-dia e, acredito, falar sobre política sai um pouco desta linha, dado que nela o mote principal não é a razão e reflexão, mas a negociação de interesses.
Vou abrir uma exceção desta vez, devido a uma conversa que ouvi ontem.
Conversavam sobre a ineficiência, ineficácia do “bolsa-esmola” e toda a falácia que supostamente cerca o referido programa (positivas e negativas). O que me permite abrir essa exceção é o fato de que todos os candidatos parecem estar apoiando esta iniciativa – ainda que, em alguns casos, esse apoio seja motivo de riso para muitos.Sou uma pessoa técnica, não gosto de fazer política. Minha experiência no campo político me proporcionou muita angustia pessoal; foi quando descobri que não tenho fígado para isso1. Assim, há algum tempo, seguindo a minha visão técnica e sem conhecer muita coisa da realidade brasileira, eu questionava muito o tal do Bolsa Família; em especial, quanto à sua eficácia.
Avaliando superficialmente, o Bolsa Família é “um programa assistencialista e populista, uma forma legal de compra de votos”, como ouvi alguém colocar.
Não há como negar que é possível – e alguns diriam provável – que essa é a índole do programa, isto é, que essa é a motivação primordial por trás do programa. Por outro lado, vem a dúvida: será que esta é a característica mais relevante em uma análise mais ampla?
Depois de viajar pelo interior do Brasil, por lugares como o Vale do Jequitinhonha no norte de Minas Gerais ou o interior da Bahia, regiões extremamente mais pobres que a em que vivo – São Paulo -, conversar com os habitantes destes lugares e ouvir da boca deles como a vida da comunidade melhorou (e não apenas das famílias diretamente beneficiadas pelo programa), me convenci que a avaliação ”rasa” do programa era falha, e comecei a procurar entender melhor suas consequências.
A conclusão a que cheguei é que ele tem efeitos muito mais relevantes do que aqueles normalmente explicitados. Aqueles que consideram que se trata apenas de um programa eleitoreiro, podem considerar que esses “efeitos”, na verdade, são apenas “efeitos colaterais”. Mas isso não invalida, de forma alguma, as conclusões sobre a validade do programa.
Antes de mais nada, gostaria de dizer que, me parece, o segredo por trás do sucesso do programa é o valor que foi definido para a bolsa, além dos critérios para sua concessão. Os critérios são relevantes, mas dependem de controle – algo difícil de se conseguir, dada a amplitude de programa. O valor da bolsa, entretanto, tem um efeito auto-regulador interessante, que dispensa controle ativo.
Que efeito auto-regulador é esse? É o efeito de ser uma bolsa de um valor alto o suficiente para permitir que as famílias saiam da miséria absoluta, mas baixo o suficiente para que, assim que a situação melhora, seja para a pessoa ou para a comunidade em que ela vive, a bolsa se torna desprezível.
Para entender essa afirmação, é preciso avaliar os efeitos todos do programa, o que tentarei apresentar em diversos níveis, sempre com foco nos benefícios sociais que ele proporciona (e não nos ganhos políticos decorrentes).
Efeitos de Primeira Ordem
Os efeitos de primeira ordem são aqueles diretos, ou seja, uma melhoria da qualidade de vida dos mais miseráveis. Em tese, os beneficiários diretos são apenas as famílias que recebem a bolsa e é este tipo de efeito que leva a uma definição, talvez precipitada, de que se trata de um programa ”populista e eleitoreiro”.2
Efeitos de Segunda Ordem
Os efeitos de segunda ordem são aqueles observados na sociedade, em um curto intervalo de tempo, após a implementação do programa.
Na economia
As pessoas que recebem o bolsa família tem, proporcionalmente, um grande aumento em seu poder de compra; essas pessoas, entretanto, não estão em um patamar de consumo em que aumentar o poder de compra significa comprar supérfluos (celulares, carros etc.), mas sim em um patamar onde existe necessidade reprimida por alimentos e insumos básicos para a vida digna (água, limpeza, material escolar, dentre outros).
Como a maioria destas pessoas vivem em lugares muito pobres3, estes produtos, em geral, não são adquiridos em grandes supermercados, mas em pequenas vendas e pequenos comércios locais.
Ora, a “vendinha” da esquina, ao ganhar novos consumidores e ter um aumento substancial do consumo, pode crescer. Se cresce, não apenas pode vir a gerar empregos, mas também movimenta a economia local: o dono da vendinha e seus funcionários também vão comprar em outras lojas.
Adicionalmente, o dono da vendinha tem como negócio o comércio, ou seja, ele não produz o que vende. Se aumentou a venda, ele tem que comprar mais.
Isso movimenta a agricultura e produção local e, em estágios mais avançados, até mesmo aumenta o consumo em outros mercados, de onde o dono da vedinha tem que ir buscar produtos, “na cidade grande”. Em outras palavras, trata-se do surgimento de novos mercados produtores e consumidores, possibilitando inclusive a indução de emprego e melhoria das condições de vida em outras regiões.Além do efeito óbvio que isso tem para o aumento da qualidade de vida local, a maior parte dessas operações geram impostos para o governo e, embora seja difícil precisar o valor que “volta” para o governo de cada Real gasto com o Bolsa Família, o certo é que uma parte volta. Como são mercados novos, isso significa que o imposto que volta tem o efeito de diminuir o custo do programa, o que para o governo – e para o povo que o financia – é ótimo.
Agora, uma outra coisa que acontece com o aquecimento da economia local é, em geral, uma inflação local. É comum que nas regiões mais pobres tudo custe muito barato, porque as pessoas não têm dinheiro para consumir. Com o dinheiro e a melhoria inicial das condições de vida das pessoas, ocorre um aumento do consumo e, com isso, é normal que exista uma pequena inflação local. Bizarramente, isso é positivo, proporcionando um dos instrumentos de auto-regulação do benefício.
Quando alguém diz que “o cara vai receber a bolsa e não vai mais querer trabalhar”, está ignorando que a economia é dinâmica: com a inflação local e o aumento do seu padrão de consumo, o poder de compra da bolsa para uma dada família vai cair com o tempo. Como o indivíduo pode trabalhar e receber a bolsa, com o tempo se torna mais interessante manter o emprego - que com o aquecimento da economia local tende a pagar melhor – do que a manutenção da bolsa – que tem valor fixo nacionalmente, não levando em conta as questões locais.
Isso pode acabar se tornando um caminho natural para a “porta de saída” da bolsa, depois de ter estimulado o desenvolvimento local.4
Na política
Uma consquência curiosa – e que só me atentei para ela conversando com pessoas de local onde o coronelismo era muito forte – é que o Bolsa Família tirou poder das oligarquias locais, vulgarmente conhecidas como "famílias de coronéis".
Historicamente estas famílias dominavam a política local através da compra do voto com coisas pequenas e baratas: pares de chinelos, sacos de farinha, coisas que não lhes custavam nada, mas que lhes permitiam governar uma cidade ou estado, receber verbas federais e desviar recursos à vontade, pois o povo – mantido ignorante e necessitado – via neles salvadores que lhes permitiam beber água da chuva – captada em um açude construído em propriedade particular de político, usando verba pública – a um pequeno custo… ou até mesmo de graça… “como é bom nosso governante!”
Obviamente este problema não acabou com o Bolsa Família, mas aparentemente vem se reduzindo. A razão para isso é que, com aquela pequena ajuda, nestes locais muito pobres onde se comprava um voto com um par de chinelos, as pessoas não têm mais interesse em vender seus votos por essas coisas – agora elas conseguem comprar o saco de farinha, sem precisar implorar ou trocar favores – ou seja, sobrevivem de maneira mais digna.
Assim, comprar o voto tornou-se uma prática naturalmente mais cara – ou seja, o Bolsa Família inflacionou a compra de votos, dificultando ou até mesmo impossibilitando a prática. Com isso, abre-se espaço para uma possível diversificação no espectro político em várias localidades. Surgem novas lideranças locais, municipais, mudando a dinâmica política da região.
Ainda que isso pareça um pouco distante, de médio prazo ao menos, novas lideranças locais têm assumido no lugar de velhas famílias oligárquicas em muitos lugares, o que pode ter como um de seus fatores de influência justamente o Bolsa Família (embora dificilmente seja o único, é claro!)
Alguns podem alegar que deixou-se de vender votos localmente para se vender nacionalmente, uma vez que com o benefício o governo federal estaria comprando votos também. Mas é questionável a validade de se falar em um “coronelismo federal”, dada o baixo contato entre povo e governo federal.5
Na educação
Como o foco do Bolsa Família é na alimentação (faz parte do Programa Fome Zero) e a concessão da Bolsa exige a presença das crianças na escola6, ele contribui para uma melhoria na educação, embora não a garanta.
A combinação da presença e alimentação é importante porque ninguém aprende nada sem ir para a escola e, mesmo indo, não aprende se estiver com fome.
Os efeitos da desnutrição na capacidade de aprendizado são vastos.Infelizmente isso não é garantia, porque a educação básica em nosso país ainda é extremamente deficiente e, até o momento, por ser competência estadual e municipal, não há nada que o Governo Federal possa fazer a respeito.7
Na saúde
Outra exigência para a concessão da Bolsa são os cuidados com a saúde da criança, regulamentado como exigência de vacinação, por exemplo. Bem alimentada e com orientações mínimas, as pessoas se mantém mais saudáveis e dependem menos do deficiente sistema público de saúde. Isso leva também a uma vida mais digna e traz mais motivação às pessoas.
Efeitos de Terceira Ordem
Os efeitos de terceira ordem são aqueles que decorrem da combinação dos efeitos de segunda ordem, além da universalização destes efeitos com o passar do tempo. Analisarei alguns deles.
Na sociedade
Com todos os efeitos de segunda ordem citados, em especial a geração de condições de vida mais dignas nos mercados locais – dado o seu desenvolvimento -, ocorre a formação de uma consciência de cultura local e, também, a fixação das pessoas onde elas estão, gerando novos pólos de desenvolvimento, produção e consumo.
Essa fixação é fundamental, uma vez que os grandes centros atuais não comportam mais crescimento populacional, já vivendo em uma condição de esgotamento de recursos (congestionamentos, falta de água, alto custo da alimentação, poluição, etc).
Fixando as pessoas em seu local de origem proporciona uma sociedade melhor distribuída, tornando a ocupação e o desenvolvimento nacional menos desigual, possibilitando acesso melhor distribuído aos recursos naturais de todas as regiões do país.
Na política
Com o passar do tempo, as novas lideranças locais podem ser tornar novas lideranças regionais ou até mesmo nacionais. Essa renovação nas lideranças políticas é saudável para a democracia, proporcionando seu amadurecimento.8
Na educação
Um efeito já apontado em algumas análises é que, à medida que as condições de vida das pessoas melhoram, com um crescimento do rendimento per-capita, quando a renda do Bolsa Família passa a não se mais tão importante na alimentação – mas ainda antes de se tornar dispensável -, ela passa a ser utilizada na aquisição de livros e material escolar.
Este efeito, já constatado em alguns locais9, proporciona, juntamente com outros fatores de segunda ordem, um grande ganho na capacidade de aprendizado dos estudantes, contribuindo para a formação de gerações mais formalmente educadas.
Na saúde
Com alimentação, estudo e cuidados médicos básicos, temos um povo mais saudável; e um povo mais saudável é mais feliz, produz melhor e consome mais. Isso tudo já é ótimo para a nação.
Mais que isso, entretanto, os efeitos de longo prazo de políticas da mudança da cultura da população mais pobre – proporcionadas pelas exigências de concessão de bolsas do Bolsa Família -, podem formar gerações não apenas mais saudáveis, mas mais conscientes de sua própria saúde. E pessoas mais conscientes de sua saúde, em geral, cuidam dela, em um nível muito mais alto, como melhor alimentação, atividades físicas etc.
Efeitos de Quarta Ordem
Os efeitos de quarta ordem são os benefícios intrínsecos da universalização dos efeitos de terceira ordem. Os que imagino mais imediatos são três.
O primeiro é a influência de todos estes fatores nos gastos públicos com saúde. Esta área pode se beneficiar extremamente de uma população mais saudável e bem educada, tanto no aspecto financeiro – menos gastos com saúde pública – quando econômico – com um menor número de pessoas solicitando o sistema público de saúde, aqueles que o solicitam podem ser melhor atendidos, com um investimento público potencialmente menor.
O segundo é que, com uma melhor educação, obviamente combinadas com outras políticas que venham melhorar a cultura dos alunos, teremos uma população mais culta, capaz de escolher melhor seus representantes políticos, buscando um equilíbrio entre renovação e experiência, rumando cada vez mais em direção a uma democracia madura.
O terceiro é a influência de tudo isso nos gastos públicos com o próprio programa. Uma vez que a nossa população já ruma para uma estabilidade numérica e, com essa população cada vez mais educada, saudável e consciente, o número de famílias que precisam do Bolsa Família tende a ser cada vez menor.10
Pontos negativos
Nem tudo são flores, no entanto. Como estes efeitos só podem ser observados com a presença do programa em todo o país, os números de beneficiários são extremamente altos e, assim, o controle dos parâmetros de concessão ficam prejudicados. É praticamente impossível fazer um controle rígido sem que os custos do programa crescam demasiadamente.
Ainda que evidentemente ocorram desvios – devido ao controle precário -, é bastante possível que estes desvios representem um valor financeiro bastante inferior ao custo que teria um controle mais apurado. Esta afirmação não vem meramente de uma eventual fiscalização ter um custo alto, mas também do fato que os valores movimentados individualmente são muito baixos. Para que quantias grandes sejam de fato desviadas, grandes esquemas precisam ser armados.
Contra “grandes esquemas”, mesmo um controle menos sofisticado pode ser capaz de detectá-lo e, convém lembrar, principalmente na hipótese de ”programa eleitoreiro para compra de votos” – como dizem alguns -, o governo seria o menor interessado em que exista desvio desta verba específica.
Adicionalmente, tanto o cadastro quanto o controle atuais são feitos pelos estados e municípios, que em grande parte não estão nas mãos dos mesmos partidos que o governo federal, o que dificulta ainda mais a formação de grandes esquemas sem que ninguém tenha conhecimento.
Moral da história: se ocorre desvio, é com o consentimento de todos; isso não torna a preocupação com os desvios menos importante, mas não serve de munição eleitoral contra o programa em si.
Conclusões
Diante do apresentado, afirmar simplesmente que se trata de um programa de esmolas é limitar demais o escopo de um programa que, sendo implantado de maneira generalizada como foi, pode trazer enormes transformações para um país – e, dentro de certos limites, já me parece estar trazendo, ainda que eles sejam pouco visíveis aqui em São Paulo.11
O conjunto de efeitos que o programa traz consigo, cada um deles potencializando fatores fundamentais para o desenvolvimento do país em todos os níveis humanos, aliado ao seu custo relativamente baixo aos cofres públicos, tornam o Bolsa Família não apenas um programa de sucesso momentâneo, mas também uma proposta de estratégia de médio e longo prazo que tem, no meu entender, boas chances de, em conjunto com outras políticas, modificar positivamente a sociedade brasileira.
No fim, fica até difícil dizer qual é o efeito colateral. Seria um programa “populista e eleitoreiro” que, por acaso, melhora a condição de vida da sociedade como um todo, ou será que é um programa que, por melhorar a condição de vida da sociedade, torna-se popular e com dividendos eleitorais óbvios?
Quando ainda não observaram como isso é bom para a vida de todos, alguns dizem que nós não temos que pagar (através dos impostos) um programa como esse, observando apenas os aspectos dos dividendos eleitorais.
Entretanto, esta visão é simplesmente um reflexo da educação míope que nos foi imposta. Fomos educados de maneira bizarra, do ponto de vista social, ensinados que o importante é acumular e, portanto, dividir é mau.
A questão é que muitas vezes é preciso dividir para somar12, ainda que a nossa criação – que define nossos preconceitos e medos – possa tornar dificultosa esta percepção. Nos limitamos a analisar os efeitos diretos, de curto prazo, de primeira ordem.
Porém, é preciso ir além. Desprezar efeitos de ordens superiores pode ser desastroso quando o propósito é planejar o futuro de uma nação.
(1) Um dia eu falo mais sobre isso e, claro, explico a minha visão política. Resumidamente é isso: assuntos técnicos são importantes demais para deixar na mão de políticos e assuntos políticos são importantes demais para serem deixados nas mãos de técnicos. Cada macaco no seu galho.
(2) Em todo caso, no meu entender, é desumano dizer simplesmente que “não temos que pagar por isso”. Quem decidiu isso foi um governo democraticamente eleito pela maioria. Dizer que “não temos” que pagar (através dos impostos) os custos de uma política social do governo, é uma desrespeito ao poder democraticamente concedido. Democracia é o poder da maioria das pessoas (demos, povo), não de quem tem a maioria do dinheiro.
(3) Nos grandes centros, o valor da bolsa não tem grandes efeitos, dado o alto custo de vida.
(4) É claro que vão existir aqueles que são, sim, vagabundos e vão ficar apenas com a bolsa… mas cedo aprendi que não adianta ajudar quem não quer ser ajudado; isso não significa, porém, que não devemos de ajudar àqueles que precisam e querem ajuda, com a justificativa de existem pessoas que não querem a ajuda.
(5) Ainda que aparente uma roupagem de falta de ética, não se faz política de outra forma que não negociando benefícios a determinados grupos. E negociar com base em benefícios ao povo é tão legítimo como negociar com base em benefícios para grandes grupos estrangeiros. A escolha do grupo que o governo pretende beneficiar depende meramente do retorno que ele espera obter.
(6) Cconforme artigo 3o. da Lei No. 10.836 de 9 de Janeiro de 2004.
(7) Além de propiciar vagas em excesso nas universidades, possibilitando baixo custo do ensino superior mesmo para pessoas com deficiências de formação básica. Infelizmente isso é uma medida de curto prazo para minimizar o problema, uma vez que não há como resolver de maneira ideal a situação de centenas de milhares de brasileiros que já perderam anos e anos de sua vida em uma educação básica absolutamente inadequada e ineficiente.
(8) “Alternância de poder” não é um termo de que eu goste, por que em geral leva a uma noção errada de troca entre esquerda e direita; não acho que uma nação precise passar um tempo andando para um lado e depois passar igual período de tempo andando para outro, pouco saindo do lugar, isto é, pouco indo adiante. Mais importante do que alternância de poder entre orientações políticas diferentes é a evolução da cultura política e dos políticos. Neste sentido, a chave para a evolução da democracia são novas lideranças, mais ligadas às necessidades do futuro que aos vícios do passado, sem desprezo do valor da experiência dos políticos mais velhos.
(9) O Google é seu amigo.
(10) Como alguém já comentou, é desnecessário aumentar em demasia o programa Bolsa Família (dobrá-lo, por exemplo), porque seria um contra-senso diante de todo o exposto aqui; para que fosse razoável dobrá-lo, seria necessário que se aumentasse a pobreza e a miséria do país, que é justamente o que se pretende com o programa. Se isso acontecesse, isto é, se a pobreza e miséria aumentasse mesmo com o programa já existente, isso significaria que o programa não funciona e, portanto, também não precisaria ser aumentado. Ainda que no curto prazo talvez possam ser necessários ajustes, com um leve aumento no número de bolsas concedidas, a tendência do programa Bolsa Família deve ser apenas a de queda neste número, ao menos quando se considera um horizonte de 5 a 10 anos.
(11) Aliás, diante da exposição deste texto, a “invisibilidade” das melhorias do Bolsa Família aqui em São Paulo já devem ser óbvias, dado o alto custo de vida. Isso para não falar que o governo do estado de São Paulo e, em especial, a Prefeitura do Município de São Paulo não foram capazes de – ou não se interessaram em – organizar a estrutura necessária para a criação do cadastro de requerentes e o órgão de controle do Bolsa Família por aqui.
(12) Algo tão óbvio quanto dizer que é preciso investir para poder ter lucro.
Fonte: http://mariafro.com.br/wordpress/?p=19719
Ainda sobre o Bolsa Família Daniel Caetano responde a Patola
Durante as eleições para presidente este ano, José Serra e seus aliados que sempre se opuseram ao Bolsa Família (FHC chegou a chamar de bolsa bacalhau do chacrinha) prometeram inclusive aumentar os benefícios, dar 13º salário etc. Essas promessas contraditórias ao discurso e prática de Serra e seus aliados antes das eleições pareceram confundir seu eleitorado contrário ao bolsa família.
A eleição acabou e parece que os contrários ao Bolsa-família não precisam mais segurar suas críticas e preconceitos contra uma política pública que sempre foi tratada pela direita como projeto assistencialista e pelos mais preconceituosos como ‘bolsa-esmola’. As urnas ainda estavam quente e os preconceitos de classe, raça, origem regional e afins (que raramente caminham só), já vieram à tona do caso #nordestisto ( aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
Durante as eleições recebi a dica do texto do Daniel Caetano sobre o Bolsa Família que publiquei aqui. Já havia lido vários artigos e textos acadêmicos, especialmente na área da economia que me convenceram que este é um dos melhores programas do governo Lula e que efetivamente propiciou uma grande transformação na realidade de exclusão secular no país. Mas o texto do Daniel é um texto que usa da lógica e, a partir de uma série de tópicos muito bem organizados, mostra-nos o funcionamento do programa e todos os seus desdobramentos sociais. Nunca havia lido nada tão didático a respeito.
O texto até hoje é bastante lido porque é um bom texto. Hoje o leitor que assina ‘Patola’ escreveu o seguinte comentário no texto do Daniel:
“Um belo texto, mas por outro lado, você pode estar mentindo em tudo o que disse.
Faltaram referências, faltaram exemplos práticos, faltou saber de onde você tira as várias conclusões (você só diz que é assim e pronto), faltaram citações dos lugares e casos específicos para que alguém verificasse. Se você fez um estudo, devia ter pelo menos colocado os dados chatos no final para download/referência, e nada. Bons textos jornalísticos abrem-se às verificações.”Abaixo segue a resposta de Daniel ao Patola. Bastante saudável a meu ver que tal debate aconteça, além de nos trazer mais conhecimento, mostra-nos que só dissolvemos pré(conceitos) com informações e argumentos que busquem construir conhecimento. Espero que o leitor Patola aproveite o texto do Daniel tanto quanto eu aproveitei e aprendi um pouco mais sobre o bolsa família.
Caro amigo,
A maioria das afirmações que faço são baseadas em minha própria experiência de vida e do que vi por esse Brasil afora, muito além do acompanhamento contínuo das notícias em jornais e dos levantamentos estatísticos.
Por não se tratar de um texto científico – e sim de um texto de blog cujo objetivo era levar à reflexão -, não me preocupei em buscar referências porque, acredito, o Google esteja a serviço de todos.
Certamente o texto se abre à verificação; o que não me dei ao trabalho de fazer foi realizar a verificação para os leitores, pois a essência do questionamento está justamente em pesquisar, ir atrás dos dados, ver com os próprios olhos todas as opiniões divergentes que são veículadas por aí. É muito fácil comprovar qualquer tema demonstrando apenas as opiniões favoráveis e escondendo as contrárias, como é de praxe em nossa mídia nativa.
De qualquer forma, vou começar comentando alguns trecho que, creio, não precisem de referências.
Primeiramente, acredito que não seja necessário provar – embora deva existir estudos a respeito -, que uma pessoa certamente tem mais dificuldades em aprender com fome ou, ainda, sem ir à escola. Também acho que não seja demais esperar que o leitor deduza que crianças doentes terão mais dificuldades para acompanhar os coleguinhas, se não por outra razão, simplesmente porque se ausentam mais da escola.
Acho que também não seja necessário fazer referências sobre o fato de que, quando as pessoas que recebem maior remuneração, fazem uma de duas coisas: consomem mais ou investem mais… até porque, excluindo essas possibilidades, só lhes restaria queimar o dinheiro. Mesmo se a pessoa der o dinheiro pra outra, esse dinheiro acaba virando consumo ou investimento – a menos, é claro, que a pessoa que recebeu a doação também tenha tendências piromaníacas.
Também acho que não seja necessário referenciar para afirmar que quem tem carência de comida, saúde, casa … terá uma tendência maior a consumir do que a poupar. E, se um grupo grande de pessoas aumenta seu poder de compra muito rapidamente, os preços sobem, como é ditado pela lei da oferta e procura, enunciada em qualquer livro de economia básica. Os jornais, inclusive, vivem falando a respeito dela, dizendo que o consumo está muito alto e isso cria riscos inflacionários.
Finalmente, não acho que sejam necessárias referências para dizer que pessoas mais educadas e saudáveis vivem melhor e têm mais oportunidades, e, por consequência, dependem menos e dão custos menores para o Estado.
Agora vamos às referências “difusas” e, em seguida, referências diretas.
Em Amargosa, Bahia, tomei conhecimento de pessoas que recebem uma remuneração de R$ 20,00 por mês (além de alimentação na casa onde trabalham). Embora não pense que seja necessária uma referência para dizer que essa pessoa melhora de vida com R$ 70,00 de bolsa a mais, acredito que talvez seja interessante discutir esse assunto com mais detalhe.
Acho que é um pouco intuitivo que uma pessoa que ganha R$ 20,00 por mês e se vende por um saco de farinha, como se diz no popular, ou seja, por algo que valha uma proporção significativa do seu salário (10 a 20%), vai exigir um valor mais alto se receber a ajuda de R$ 70,00. No mínimo, se ela mantiver a mesma margem, os R$ 4,00 (20% de R$20) se tornam 18 reais (20% de R$90)!
É interessante observar, entretanto, que números são frios, mas estamos falando da vida de pessoas. Nesse caso, a conta pode ser ainda mais cara, pois a questão começa a envolver um aspecto humano chamado “dignidade”.
É quase impossível manter a dignidade e o idealismo na situação de miséria absoluta (bravos para aqueles que, ainda assim, conseguem). Com a barriga cheia, entretanto, é mais fácil reestabelecer a dignidade e, com o devido tempo, o idealismo; não acredito ser uma ilação descabida imaginar que esse indivíduo que melhorou de vida tome como um acinte à sua dignidade a mera proposta de vender seu voto.
Esse fato é importante porque leva à questão da redução do Coronelismo, sobre a qual também não tenho referências diretas, afirmações nas quais usei como base a minha vivência, isto é, o que vi e ouvi ao viajar por esse Brasil. Mas não é preciso confiar na minha palavra. É observável a redução do coronelismo e, de certa forma, isso é um bom indicador de que a ‘teoria’ do parágrafo anterior funciona, ainda que não a comprove.
Pegue os jornais dos últimos anos – pode ser pela internet, e verifique comigo como algumas das mais tradicionais oligarquias já começaram a minguar em grande parte dos estados do Brasil – em especial no Nordeste.
Vou citar alguns casos emblemáticos, no âmbito estadual, que é mais visível a todos. O primeiro, ocorreu no Maranhão.
Em 2006, Roseana Sarney amargou grave derrota contra Jackson Lago. Se não fosse pela Justiça ter dado o cargo para Roseana no meio do mandato de Lago (com argumentos questionáveis), acho que dificilmente ela voltaria para lá. Prova disso é a dificuldade que ela teve, este ano, para se reeleger, com apenas 50,08% dos votos, contra a dupla Jackson Lago e Flávio Dino.
Em outro caso, Fernando Collor amargou uma derrota em Alagoas e, finalmente, em 2006 Jaques Wagner assumiu o estado da Bahia, ganhando de Paulo Souto – herdeiro da dinastia de ACM. Souto, aliás, perdeu novamente para Jaques Wagner, reeleito este ano.
Quando disse que existe algum controle sobre o Bolsa Família, para verificar o cumprimento dos requisitos legais, há referências as mais diversas na rede. Basta procurar por “recadastramento bolsa família” no Google. Com essa busca, hoje, obtive 163.000 resultados, dos quais, logo na primeira página, extraí alguns que tratam de alguns pontos que toquei na análise: aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
Sobre a dificuldade para cadastrar bolsa família aqui, em São Paulo, obtive a informação pelos debates – a Dilma falou a respeito – e fui conferir com alguns conhecidos de muito baixa renda, e todos confirmaram que, de uns tempos pra cá, tem sido dificultado o acesso ao cadastramento / recadastramento, que, pelo que me foi dito, ocorre nas subprefeituras (não fui confirmar).
Em um momento, falei do uso do dinheiro em material escolar. Fui alertado sobre isso por um grande amigo, e no momento em que escrevi pesquisei e encontrei algumas referências.
Procurando agora, novamente, verifiquei que esse fato é anunciado pelo próprio site do Ministério do Desenvolvimento Social, como resultado de pesquisas do próprio MDS.
Mas, caso não se acredite em “publicidade oficial”, eu pude constatar essa realidade conversando com pessoas do interior de Minas Gerais e, ademais, é possível verificar também em algumas matérias veiculadas pela imprensa local de algumas regiões: Diário do Nordeste; Último Segundo. Essa última, especificamente, traz relatos de pessoas que apresentam a queixa de ter dificuldade para comprar material escolar com o bloqueio do benefício. Esta aqui, além de citar a questão do material escolar, fala também do aquecimento das economias locais, o que leva à questão da maior fixação da população em seus locais de origem.
Eu disse que a fixação das pessoas se deve às melhorias de condições locais. Isso é uma dedução com base em alguns fatos. Vou apresentar alguns deles em notícias que encontrei em cinco minutos pela internet.
Simplificadamente, o estudo a seguir sugere que a migração do NE para o sul do Brasil cresceu no período de 1986 a 2000: migrações e este trabalho comenta as razões relativas ao deslocamento, sendo o trabalho um dos itens mais relevantes (e claro, acompanhar a família, normalmente alguém que migrou por causa de trabalho). Este trabalho indica já um sensível movimento migratório de retorno, o que leva a pensar que as condições no NE já estavam melhorando ou que as condições no Sul estavam piorando muito… como se vê no próximo artigo, contendo o comentário de que o trabalho em São Paulo vinha (e continua) se precarizando até recentemente (o artigo é baseado nos resultados do PNAD 2006).
De uma forma ou de outra, o movimento é: de onde não há trabalho (ou de onde ele é de má qualidade) para onde há trabalho (ou onde ele é de melhor qualidade)… o que significa que desenvolvimento local leva à fixação de população (pode até passar a ser pólo de atração).
Para ficar mais claro e não parecer uma conclusão “da cartola”, apresento um conjunto de gráficos feitos pelo IPEA que mostram o fluxo migratório de cada região do País.
Neles é possível observar que houve uma inversão em São Paulo: no período mais recente, de imigração passamos a ter emigração (ou seja: tem mais pessoas indo embora do que chegando). Mais recentemente, perto de 2008, o fluxo parece ter se estabilizado.
Já no NE, de uma situação de emigração exagerada, atingiu-se também uma certa estabilidade nos períodos mais recentes.
É claro que não dá para afirmar que foi por causa do Bolsa Família e – muito menos – que foi só por causa dele. Mas uma coisa é certa: não foi pelos belos olhos do Presidente da República que os movimentos mudaram, mais acentuadamente, nos últimos 6 a 8 anos.
E, apenas para encerrar, creio não ser necessária uma referência para afirmar o apetite do Leão no Brasil. Assim, se há mais mercado e consumo, há mais arrecadação… e, se há mais arrecadação – por conta de um mercado que não existia, no balanço final das contas, parte do que é gasto com o Bolsa Família, acaba retornando aos cofres públicos, reduzindo o desembolso real do governo com o programa.
Nunca devemos nos esquecer de que temos todo o poder da internet a apenas alguns cliques de mouse. É importante questionar o que se lê – não apenas em blogs, mas em todo e qualquer lugar; a presença de justificativas e referências jamais devem satisfazer o leitor interessado. Referências não substituem uma pesquisa que realizemos por conta própria.
Como estamos falando aqui de referências documentais e não de referências científicas de ciências exatas, a omissão de fatos pode levar a conclusões falaciosas ainda mais perigosas do que aquelas baseadas em “achismos”, uma vez que terá, aos olhos do leitor incauto, ares de verdade irrefutável.
Um grande abraço,
Daniel Caetano
Fonte: http://mariafro.com.br/wordpress/?p=21654
segunda-feira, 15 de novembro de 2010
Bolsa-Família: Efeitos Colaterais
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