domingo, 9 de outubro de 2011

Crise da dívida na Europa ressuscita cobrança de auditoria no Brasil

BRASÍLIA – A Constituição de 1988 completou 23 anos na quarta-feira (5). Entre seus dispositivos transitórios, dava um ano para o Congresso fazer um “exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro”. Até hoje, não houve a auditoria, que teria poderes de uma CPI. A atual crise da dívida de países europeus, onde grupos começam a articular comitês de auditagem, estimula a retomada da discussão no Brasil.

“Há uma crise da dívida no Brasil também. Os recursos precisam ir para aonde precisam, não para a especulação financeira”, diz Maria Lucia Fattorelli, coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, movimento criado depois de um plebiscito sobre dívida externa realizado em 2000.

Para Maria Lucia, o Estado brasileiro não pode continuar destinando tanto dinheiro ao pagamento de juros da dívida, enquanto políticas sociais, como saúde e educação, ressentem-se da falta de verba.

A dívida pública brasileira em títulos públicos negociados com o “mercado” soma hoje R$ 1,786 trilhão, segundo a Secretaria do Tesouro Nacional. Do total, 96% (R$ 1,692 trilhão) são dívida interna e 4% (R$ 75 bilhões), externa.

O pagamento de juros dessa dívida, com dinheiro recolhido da sociedade na forma de impostos, o chamado superávit primário, deve alcançar R$ 127 bilhões este ano.

A Auditoria Cidadã não aceita os números oficiais e considera que uma de suas missões é mostrar à população quais seriam os valores corretos (maiores). Já a realização de auditoria ajudaria a depurar as quantias. “Muita coisa não é dívida, é usurpação”, afirma Maria Lucia.

A entidade organizou nos últimos dias um seminário em Brasília, para discutir a crise global e o endividamento brasileiro, com a participação de delegações estrangeiras. Ao final do encontro, foi divulgada uma carta que “repudia a continuada violação” da Constituição e cobra uma auditoria “urgente”.

Supremo e CPI
Com o Congresso omisso, a decisão sobre realizar uma auditoria, ao menos na fatia externa, está nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF). A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrou na corte, em dezembro de 2004, com uma ação contra o Congresso, cobrando a perícia determinada pela Constituição. "Temos que fazer a memória e a verdade sobre quem e por que a dívida foi contraída e a quem serviu, quais espúrios interesses foram contemplados", diz o secretário-geral da OAB, Marcos Vinícius Furtado Coêlho.

A ação está sendo relatada no STF pelo ministro Carlos Ayres Britto. Depois de terem sido recolhidas informações sobre o assunto por mais de três anos, o processo parou no gabinete do magistrado em 2008. O último movimento relativo ao caso ocorreu há duas semanas, quando a Auditoria Cidadã pediu para ser Amicus Curiae na ação, uma espécie de consultora informal.

O movimento já fez isso no ano passado, quando a Câmara dos Deputados montou uma CPI da Dívida. O parecer final do relator, o ex-ministro do Turismo demitido por suspeita de corrupção Pedro Novais (PMDB-MA), não apontou irregularidades.

Proponente da CPI, o deputado Ivan Valente (PSOL-SP) apresentou relatório paralelo denunciado ilegalidades, como a geração de dívida por aplicação de juros sobre juros, algo que uma súmula do STF proíbe. O documento foi entregue ao Ministério Público (MP). “O capital financeiro brasileiro, que financia a mídia, opera numa lógica de que não há solução fora do sistema”, afirma Valente, defensor de uma moratória.

O MP montou um grupo para examinar o relatório paralelo e avaliar se cabe algum tipo de ação. Tem feito reuniões com a Auditoria Cidadã mas, segundo Maria Lucia, os procuradores precisam de “alguns empurrões da sociedade” para agir.


Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18645

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