quinta-feira, 8 de abril de 2010

FHC: o neoliberalismo dos Jardins

O tamanho da vaidade de FHC parece ser o maior adversário de seus correligionários de partido e ex-colegas de governo, que tentam esconder ele e seu governo. Ele não agüenta ver seu governo atacado e não contar com ninguém que o defenda – como aconteceu no segundo turno de 2006. Se deram conta que aceitar a comparação entre os dois governos – o de Lula e o de FHC – é o caminho seguro da derrota. Não convidaram FHC para a cerimônia de saída de Serra do governo de São Paulo, o excluíram do lançamento da candidatura presidencial e pretendem mantê-lo - ele e seu governo - fora da campanha, conscientes de que ele é o melhor promotor da campanha da Dilma.

Tem razão os que o querem esconder. Ele saiu do governo derrotado, fracassado, tornou-se o político de maior rejeição, não se atreve a candidatar-se a nada, cada vez que fala, o apoio ao governo Lula e à sua candidata aumenta. Às vezes quer retomar um ar de intelectual, que ele um dia foi, mas as besteiras teóricas que diz ganham um ar empolado, passando a ser besteiras empoladas.

Agora pretende alertar sobre o risco do Brasil se tornar uma China. Claro, para quem tentou abolir o tema do “desenvolvimento”, o crescimento chinês é um acinte. Para quem acreditava que já havíamos chegado a um tal nível de desenvolvimento econômico – tomando o capitalismo dos Jardins paulistanos -, bastaria eliminar o desenvolvimento e colocar no seu lugar a “estabilidade”. Para quem está por cima, poderia ser bom parar onde estavam. Danem-se os “inimpregáveis”, segundo suas próprias palavras, a grande massa pobre e miserável, para quem nunca pretendeu governar.

Volta com seu “trololó” – segundo a linguagem de seu candidato, já derrotado em 2002 – do “capitalismo de Estado”. Esse já foi o mote de FHC para tentar salvar de responsabilidade os grandes empresários privados no Brasil, nacionais e estrangeiros, que enriqueceram como nunca na ditadura militar, lucrando com o regime de terror, de tortura, de desaparecimentos, de fuzilamentos. Seu enriquecimento foi a lógica dentro daquela loucura – segundo a frase de Shakespeare.

FHC dizia que os setores hegemônicos na ditadura militar não eram os capitalistas privados, mas o “capitalismo de Estado”. Haveria uma classe dominante na Petrobrás, no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal, na Vale do Rio Doce. Esses seriam os inimigos da democracia, e não os militares, o governo dos EUA, o grande empresariado privado, os donos da mídia privada. Não. Esses seriam agentes da democracia, prefeririam a democracia à ditadura.

Absolvia assim os grandes vencedores da ditadura, os que acumularam riquezas como nunca em um regime que, imediatamente após o triunfo do golpe, decretou intervenção em todos os sindicatos e arrocho salarial. O sonho de todo grande empresário: sem movimento sindical organizado para defender os interesses dos trabalhadores e formalização da proibição de qualquer aumento salarial. E vem o ex-presidente e ex-sociólogo dizer que os grandes empresários nacionais e estrangeiros preferem a democracia. Não se viu nenhum deles protestar contra a repressão aos sindicatos, nem contra o arrocho salarial.

E, para completar o servicinho de dar uma teoria “democrática” para a transição sem ruptura, a favor do grande empresariado, FHC passa a criminalizar o Estado. Este abrigaria o maior inimigo. Os militares? Não. As empresas estatais, tornando-se um neoliberal precoce.

Tanto assim que FHC diz que democratizar seria desconcentrar o poder econômico em torno do Estado e o poder político em torno do executivo. Nisso consistia sua aclamada – pelos seus cupinchas – “teoria do autoritarismo”, que nem se atrevia de chamar as coisas pelo seu nome: ditadura e não autoritarismo. Um neoliberalismo “avant la lettre”, como ele gostaria de falar, com o seu pé na cozinha (francesa, como ele esclareceu posteriormente).

Agora FHC tenta novo brilhareco, contra a opinião dos seus correligionários (nas palavras de uma de suas tantas viúvas nas imprensa, tratado como genro que a família quer esconder, porque só comete gafes, que favorecem o inimigo ), francamente na onda anticomunista. Já tinha apelado para o “sub-peronismo”, para a denúncia do papel dos sindicatos no governo, agora ataca o desenvolvimento da China. Prefere seu neoliberalismo dos Jardins, aquele que quebrou o país três vezes no seu governo, que levou a taxa de juros – que seu candidato considera que hoje é alta, - a 48%, sem que este tenha protestado. Que fez o Brasil entrar em uma profunda e prolongada crise, de que só saiu no governo Lula.

Que se valeu da maioria que tinha no Parlamento e de ser o queridinho da imprensa, que não denunciou nenhum dos tantos casos de corrupção do seu governo, para mudar a Constituição na vigência do seu mandato – com votos evidentemente comprados – para ter um segundo mandato.

Triste figura a do FHC. Rejeitado por seus correligionários, considerado como alavanca para a oposição pela rejeição que sofre do povo brasileiro, funciona como clown, como personagem folclórica, lembrança de um passado que o governo luta para terminar de superar e a oposição para tentar esquecer e apagar da recordação dos brasileiros. Escondido pelos seus, repudiado pelos seus adversários, enterrado em vida pelos seus, tomado como anti-exemplo por seus adversários.

O governo Lula só pôde ter sucesso, porque virou a página do governo FHC e retomou as melhores tradições nacionais, populares e democráticas do Brasil, a começar pela de Getúlio Vargas, que FHC quis enterrar. Que hoje, pateticamente, não tem ninguém que o defenda e todos o rejeitem. Repúdio popular é isso aí, o que sofre FHC, de forma merecida.

Emir Sader é sociólogo e professor

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