Por Emir Sader
Esta é uma das discussões mais importantes que se travam atualmente, que contrapõe duas concepções de cultura e de direitos individuais e coletivos. Numa economia de mercado, tudo se torna mercadoria, os recursos são incentivados pelo custo/benefício, os direitos de apropriação privada dos lucros teria que ser garantido, para que o investimento fosse atraente.
O resultado tem sido o incentivo a projetos rentáveis, conforme os critérios de mercado. Que editora se proporia a publicar as obras completas de um autor clássico, se o preço seria muito caro, se o retorno – caso houvesse – seria de longo prazo? O incentivo é a que se encenam obras com poucos personagens no teatro, provavelmente com casais que protagonizam simultaneamente novelas na televisão, com caráter erótico-sentimental. Quem se atreveria a encenar uma obra de Shakespeare ou do teatro grego, pelos custos que significa, pela falta de interesse de investidores privados?
Conta-se o caso de um autor teatral paulista que, tendo escrito uma comédia com o título “O presunto”, buscou uma empresa que produz presuntos e teve a seguinte resposta: Estamos lançando um novo produto – o chester. Não daria para o senhor mudar o titulo da peça?
Essa mercantilização da produção cultural levou a que, conforme as normas tradicionais da Lei Rouanet – pelas quais o governo renunciava a seu papel de fomentador cultural, transferindo-a ao mercado, que por sua vez, ao invés de promover suas empresas com recursos específicos, passaram a fazê-lo simplesmente deixando de pagar impostos – um empresário chegasse a afirmar, durante o governo FHC, que eles passarem a decidir que tipo de cultura se faria no país, porque tudo dependeria do que eles estivesse dispostos a financiar.
A questão da propriedade intelectual opõe duas concepções contrapostas da propriedade. O capitalismo é o único tipo de sociedade que sacraliza, absolutiza o direito à propriedade, independente do seu caráter social ou anti-social. Uma editora – para dar um exemplo – que compra os direitos de um livro, caso esse livro se esgote e não lhe interesse – por razões de falta de retorno econômico – republicá-lo, impede que esse livro esteja accessível, dando-se o direito de não publicá-lo.
Da mesma forma as empresas produtores de músicas se locupletaram de lucros, ao produzir CDs caros, fazendo com que se tivesse que comprar uma mercadoria com 12 ou 15 músicas, quando se queria ter acesso apenas a uma ou duas delas. Agora reclamam que os jovens tiram as músicas que lhes interessam na internet, levando essa indústria gananciosa à crise.
Tentam qualificar de “pirataria”, o que é o livre acesso um patrimônio público. Da mesma forma que tentam usar essa desqualificado para as “rádios comunitárias”, que permitem que um amplo espectro de setores da sociedade possa se comunicar com os outros, alterando o monopólio que alguns poucos grupos querem exercer sobre a comunicação social.
À propriedade e a apropriação privada dos lucros da produção de conhecimentos se opõe o critério da propriedade comum, do patrimônio público da humanidade, considerando que toda produção de conhecimento costuma ser financiada e apoiada por recursos públicos, desenvolvida em âmbitos públicos de pesquisa, por investigadores formados em instituições públicas. Seu resultado deve ser de acesso amplo e gratuito a todos. Esses são os verdadeiros termos da discussão da democratização do conhecimento.
# CONHECIMENTO - DEMOCRACIA
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