(Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu)
No domingo, o Egito reencontrou-se com temas de unidade nacional no país de cristãos e muçulmanos, que fazem lembrar os primeiros momentos do nacionalismo egípcio em 1919, quando a nação moderna brotou de um caldeirão de manifestações e protestos de rua, contra o domínio colonial britânico.
Atualmente, os coptas mal alcançam 10% da população do Egito, cerca de 8 milhões de pessoas. O cristianismo copta é único, um ramo de fiéis que segue os ensinamentos do apóstolo Marcos, o Evangelista, em Alexandria. O jornal árabe Al-Arab noticiou que os manifestantes cristãos organizaram serviços fúnebres para encomendação da alma dos mártires que caíram nas lutas de rua no Cairo, desde 25 de janeiro. As três igrejas coptas organizaram três diferentes serviços fúnebres. Na 6ª-feira, movimentos da juventude cristã montaram guarda para proteger os muçulmanos que rezavam na Praça Tahrir, porque os fiéis que se curvassem na reza ficariam vulneráveis aos ataques da polícia secreta.
A Associated Press noticiou que o Padre Ihab al-Kharat, na homilia do domingo, disse que “Em nome de Jesus e Maomé, unimos nossos fiéis e nossas orações (…) Continuaremos a protestar nas ruas, até a queda do tirano”.
O jornal Al-Arab noticia que multidões de jovens participaram das missas, ao lado das principais lideranças coptas, como Michael Mounir; o chefe da Organização Copta dos EUA Dr. Imad Gad, um dos especialistas do Centro Al-Ahram de Estudos Estratégicos, e George Ishak, líder do Movimento Kefaya! (“Basta!”), além de membros dos conselhos comunitários coptas. (Também há coptas que se opõem ao movimento.) Depois das preces, Michael Mounir disse que o regime egípcio perseguiu todos, muçulmanos e coptas, o que se viu repetir-se nos últimos 12 dias: quando os guardas da polícia política foram deslocados para a Praça Tahir, não houve mais ataques a igrejas coptas. O que se viu foi grupos de jovens muçulmanos, que se organizavam em cordões à volta das igrejas coptas, como escudos vivos, para protegê-las. No passado, disse Mounir, apesar de haver segurança, igrejas e fiéis coptas sofreram vários massacres; o massacre mais recente aconteceu no dia de Ano Novo.
Um jovem engenheiro, Mina Nagi, ferido dia 25 de janeiro, disse durante a missa: “Diga a verdade, e a verdade o libertará”; os tiranos têm número e armas e granadas de gás e capacidade para destruir reputações. “Mas nós temos a verdade, e nosso corpo e nossa vida que pulsa de verdadeiro amor à vida e à liberdade, vividas com dignidade e justiça.”
Para ele, os jovens que já passaram por esses dias na Praça Tahir, saberão resistir ao frio, à chuva, à fome e aos ataques que ainda virão, de vários lados e de vários tipos. E completou: “Estou aqui, porque a miséria e o sofrimento em que vivemos não são coisa passageira. São o resultado claro da estrutura política e social, que produz miséria e sofrimento, sem nenhuma democracia, com os interesses privados dominando completamente qualquer interesse público.”
Disse que é necessária uma profunda transformação das próprias estruturas do regime, e das condições que geram miséria, tirania e opressão: “Vim mandado pela minha fé na luta pelo respeito aos direitos humanos e pela construção de uma democracia, contra os preconceitos e o partidarismo, e para construir uma ordem transparente e confiável (…)”.
Intelectuais cristãos e muçulmanos lançaram longa declaração, na qual afirmam que a revolução da juventude egípcia instilou novo espírito na alma dos egípcios, no qual se vê excelente exemplo de unidade nacional (…) com os fiéis se oferecendo como escudos, uns dos outros, para as respectivas orações depois que a polícia política retirou-se da Praça.
Dizem também que a decisão de organizar piquetes de segurança para as orações foi dos próprios jovens, não de alguma liderança religiosa, e que a decisão é prova de que os lugares de culto não precisam ser protegidos por guardas armados. “São todos locais egípcios de culto, que todos os egípcios amam e respeitam.”
Lembraram que (por causa dos atentados do dia de Ano Novo) o Egito esteve à beira de uma guerra sectária, e que as declarações de alguns clérigos levaram a situação a ponto de explodir. E tudo isso foi contido pela Revolução dos Jovens.
Os intelectuais muçulmanos e coptas acusam o governo de Mubarak de explorar os símbolos religiosos para fazer abortar a Revolução dos Jovens, e lastimam que alguns clérigos e padres tenham usado os argumentos da ditadura para denunciar o movimento de protesto. Elogiaram os clérigos e padres que se mantiveram nos locais de culto e não interferiram; e conclamaram a mídia-empresa e a mídia estatal a não insistir em por nas telas de televisão as vozes mais reacionárias e atrasistas das duas religiões, para opinarem sobre assuntos públicos.
A AFP em árabe noticiou que Nadir, um jovem copta, levava um cartaz, na Praça Tahrir, em que se lia “o sangue de muitos coptas foi derramado na era Mubarak. Mubarak, Fora do Egito!” Entrevistado, o jovem copta lamentou que a perseguição a cristão tenha aumentado muito na era Mubarak, e que a única resposta do presidente foi tentar ocultar os ataques. “Não foi a solução certa”, disse ele.
Outro jovem cristão copta, Ihab, disse que o medo de que a Fraternidade Muçulmana tomasse o poder era falso medo. “Governo da Fraternidade Muçulmana seria uma catástrofe. Mas há muitas outras escolhas no Egito, além de Mubarak e da Fraternidade.”
Muitos muçulmanos apoiaram os coptas, quando foram atacados. Um deles, Ahmad al-Shimi, levava um cartaz em que se lia “Muçulmanos + coptas = Egito”, com o crescente muçulmano ao lado da cruz cristã.
As agências árabes de notícia informaram que milhares de manifestantes voltaram à praça Tahrir no domingo, para a cerimônia de lembrança dos 300 mártires que morreram nas mãos da polícia política desde o início dos protestos dia 25 de janeiro. Muitos sentaram-se à frente dos tanques que cercavam a praça, para impedi-los de se movimentar e bloquear o espaço público para outras manifestações. Muitos jovens estão acampados em tendas na praça, dormindo ali, ou despertos, montando guarda para impedir que a praça seja ocupada por policiais.
Agências de notícias repetiram matérias sobre o papel dos cristãos no domingo. Um padre cristão copta, carregando uma cruz, rezou missa no domingo ante a multidão. Ao lado dele, um imã muçulmano, com uma cópia do Corão. E a multidão cantava “De mãos dadas, estamos de mãos dadas”. Um padre coopta liderava os cantos, do altar: “De mãos dadas, estamos de mãos dadas”, referência à unidade de cristãos e muçulmanos egípcios, que, todos, exigem o fim do regime de Mubarak.
Uma mulher cristã, identificada como Rana, disse à Reuters Árabe: “Todos os egípcios, sejam muçulmanos ou cristãos, querem mudança, liberdade e justiça para todos os egípcios.” Em http://www.youtube.com/watch?v=CVSS-qjrXO4&feature=related , vê-se um vídeo de YouTube, filmado de dentro da multidão, e ouvem-se os cantos de unidade de cristãos e muçulmanos egípcios “De mãos dadas, estamos de mãos dadas” (vê-se a cruz copta acima das cabeças). Há também um vídeo distribuído pela Reuters, da Missa da Unidade (pode ser visto por iPhone e iPad via Foxfire browser app) : A comparação adequada, portanto, é com o Egito de 1919.
Fonte: http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/juan-cole-%E2%80%9Cmaos-dadas%E2%80%9D-na-revolucao-dos-jovens-no-egito.html
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