terça-feira, 18 de maio de 2010

Qual educação que queremos?

Um dos grandes ícones da educação brasileira, Paulo Freire, disse que a educação sozinha não muda a sociedade, mas sem ela a sociedade não muda. Que educação seria essa, capaz de ser elemento fundamental para uma mudança social? É comum ouvir que a educação pública é de baixa qualidade, sendo a educação privada fornecida como modelo de excelência e de boa qualidade. Será que isso é verdade? Passeando por estas questões, vamos tentar situar problemas e possíveis soluções para a questão do ensino no Brasil.

Em primeiro momento, é necessária uma abordagem sobre o ensino fundamental e médio do país para, daí chegarmos até a situação das universidades e, termos um panorama geral nesse assunto.

As duas últimas gestões do governo federal foram as que mais investiram no setor, em todos os sentidos, mas é fato que a educação do Brasil ainda tem muito que melhorar. Temos um atraso histórico muito grande nessa área, em comparação com os países ditos “desenvolvidos”. Outro fator seria a nossa forma de colonização, que teve como maior intuito a exploração e não o povoamento – como aconteceu nos EUA. E também que nunca foi dada muita importância para o desenvolvimento de uma educação de qualidade.

A educação, aplicada nas instituições públicas e privadas, é voltada basicamente para o mercado – visando primeiro o vestibular, e chegando a universidade , direciona-se para o mercado de trabalho. Pegando carona com o capitalismo – que precisa de “engrenagens” ambulantes e não de indivíduos pensantes –, não é interessante que sejam trabalhadas nas escolas matérias para formar verdadeiros cidadãos (lê-se sociologia, filosofia e incentivo acultura, que voltaram a cena há pouco tempo mas, mesmo assim não é dada muita importância para estas) e, pessoas que consigam fazer uma leitura de mundo e enxergar a real situação em que estão inseridos.Nesse sentido, o ensino está cada vez mais mecânico, aparecem cada vez mais “macetes”, mais “decoreba” e menos aprendizado – já que esses fatores facilitam a resolução das questões, mas não promovem a real assimilação do conteúdo. Esse é um sinal de educação de qualidade? É essa a educação que queremos?

Alguns Movimentos Sociais apontam que o maior critério para se passar no vestibular é o “meritocrático”. O que é isso? É muito mais fácil a pessoa conseguir passar no vestibular quando ela tem acesso a, os já referidos, “macetes”; acesso as escolas privadas ou cursinhos – grandes propagadores dessas “fórmulas mágicas”; quando a pessoa não precisa trabalhar para poder se dedicar inteiramente aos estudos; quando a pessoa tem acesso aos melhores livros; a internet; acesso a lazer e cultura; a saúde e a saneamento básico; a tratamento odontológico; etc. Enfim, de fato, é muito mais fácil fazer pontuações destacáveis, e passar no vestibular quando se tem acesso a todos esses fatores. Daí, esses privilegiados tem seu mérito – o mérito de saber como os assuntos vão ser cobrados e como resolver as questões naquele estilo próprio . O problema é que, quem tem condições de ter esse mérito é uma parcela ínfima da população. E, se a questão financeira já separa parcelas da sociedade, quando combinada com o fator educacional há uma segregação ainda maior. Um exemplo disso é quando se ouve declarações no sentido de que “com o sistema de cotas, o governo atrapalha a vida e os estudos de quem realmente quer alguma coisa”, “atrapalha a vida de quem estudou de verdade, e está por dentro dos assuntos”, “de quem realmente quer estudar”. E quem não tem acesso aos privilégios que uma boa condição financeira traz, e conseqüentemente a esse “mérito”, como é que fica? Será que temos igualdade de condições na hora de fazer o vestibular entre todos os candidatos? É justo enfrentar os obstáculos que essa seleção proporciona, não avaliando se realmente o assunto foi assimilado, e ainda com tal desigualdade de condições entre os candidatos? E as pessoas que não têm acesso as benesses do sistema capitalista, e tiveram uma pontuação próxima de quem teve mais oportunidades, não possui realmente o merecimento de entrar numa universidade pública? Quem será quem tem mais mérito (quem está mais apto): uma pessoa que estudou a vida inteira em escola pública, trabalha desde cedo, o dia inteiro e não tem tempo para estudar em casa, tirando a pontuação 6,0 no vestibular; ou um indivíduo que sempre pode estudar em escola particular, nunca precisou trabalhar, pôde fazer os melhores cursos, tem acesso fácil a internet, tem tempo para lazer, etc., e consegue tirar 7,0 no vestibular. Quem desses dois merece mais entrar na universidade? Quem tem mais méritos? Para se melhorar profundamente a educação no ensino médio e fundamental no país se precisaria de um investimento de bilhões e, mesmo assim, o resultado não se colheria num curto prazo. Isso envolve capacitação e compromisso de professores; melhoras substanciais de salários e condição de trabalho para os mesmos; distribuição de renda no país, para que os estudantes tivessem acesso e condições de se dedicar, e usufruir bastante do estudo, e não ter que trabalhar; dentre outras coisas. Até que tudo isso fosse implantado e efetivado, demoraria cerca de trinta anos para colhermos os frutos. Será que os que não tem “mérito financeiro” teriam que esperar pacientemente por esse tempo todo, até que o quadro geral da educação do país mudasse, para adentrar numa universidade?

Mesmo nas instituições, de ensino médio e fundamental, que são ditas como “melhores” – as privadas –, a educação segue numa mesma direção, já dita anteriormente – para atender principalmente o mercado de trabalho. E, mesmo assim, essa linha não quer dizer que os estudantes irão sair bem preparado para o mesmo. É interessante para o sistema capitalista que se tenham muitos “profissionais de baixa qualidade”, para ter um determinado número de pessoas buscando maiores capacitações, tendo também um bom número de desempregados. Isso gera mão de obra barata. O número de pessoas desempregadas, e querendo ocupar uma vaga no mercado de trabalho é grande, isso faz com que os salários caiam, os direitos trabalhistas diminuam, e os lucros dos patrões aumentem. Nessa lógica, o diferencial que os clientes de instituições privadas de ensino médio e fundamental irão ter é que o acesso que aos “atalhos” para passar no vestibular é bem maior do que na escola pública; e a acentuação de uma ideologia individualista(dizendo que você tem que se destacar, ser melhor que os outros e, se você não conseguir “ser alguém na vida”, é por incompetência sua), que também existe, mas em escalas menores, nas instituições públicas.
Isso mostra que a educação privada é realmente de melhor qualidade? É essa educação que é capaz de mudar para melhor uma sociedade?

Onde entra a universidade nessa história? Para ser considerada universidade, a instituição de ensino superior deve ser pautada no tripé ensino, pesquisa e extensão. O ideal seria que a pesquisa fosse voltada para a comunidade que circunda – não necessariamente tão próximo fisicamente – a universidade, para as demandas da sociedade local; que a extensão fosse a ponte entre a universidade e a sociedade, ajudando nas resoluções dessas demandas, aumentando o diálogo com essa última; e que o ensino – de caráter crítico e emancipador – relacionasse os conteúdos com a realidade local (trazendo elementos da pesquisa e da extensão), proporcionando assim uma melhor assimilação do que é trabalhado em sala e, fazendo um verdadeiro diálogo entre teoria e prática. Mas, a realidade é outra.

Na grande maioria dos casos a pesquisa serve, pura e simplesmente, para o enriquecimento de currículo. O que é pesquisado, boa parte com o dinheiro público financiando, se transformam artigos e resumos utilizados em apresentações nos congressos, e geralmente sem um retorno social – já que foi o dinheiro público que financiou boa parte dessas coisas – daí, parte-se para outra pesquisa assim que termina a que estava sendo efetuada. A extensão caminha em direção parecida, muitas vezes aparecendo como assistencialista. E o ensino, é quase como no nível médio – fica a idéia subliminar para muita gente que a universidade é basicamente a sala de aula, a diferença é que aparecem novos assuntos. O espaço universitário, é um espaço de criação de conhecimento. Mas, essa produção de conhecimento fica, geralmente, restrita a interesses privados – de empresas – ou individuais – favorecendo uma melhora apenas do currículo dos pesquisadores.

Se todo o potencial desse “espaço de produção de conhecimento” fosse direcionado para dar um retorno substancial a sociedade, até porque geralmente funciona com dinheiro público, provavelmente teríamos um quadro social diferente. Só que isso não é culpa, pura e simplesmente, das instituições de nível superior. Além dos atores que estão atuando internamente, elas dependem de regras, leis, que são criadas em outros espaços.

Talvez devêssemos mudar de discurso quando falamos que “a educação de qualidade não é prioridade”. Ela é prioridade sim! Entretanto, para alguns setores – principalmente ligados as grandes corporações e que tem um grande lobby no congresso, que enxergam a educação como mercadoria e não querem pessoas que reflitam sobre suas realidades, que briguem por seus direitos – a prioridade é que essa educação não seja implantada.

Vários avanços, como a democratização do acesso ao ensino superior – nesse sentido, promovendo inclusão social – são relevantes. Porém, para se mudar esse quadro de uma forma mais rápida, só mudando quem dita que ele seja assim. Reconhecer os chamados “tubarões do ensino” e expurgá-los da política já é um bom começo. Não só eles, mas os que enxergam tudo como relações comerciais, acreditando que o mercado, e sua lógica excludente e individualista, pode regular a sociedade. Todos estes são responsáveis por essa educação mercadológica, e que falsamente é considerada como sendo de qualidade.

Para finalizar, retomando Paulo Freire que disse não bastar a liderança ter um discurso revolucionário e libertador se a massa não se liberta, dizendo também que “ninguém educa ninguém”, o processo de aprendizagem é coletivo e contínuo. Seguindo essa linha, quem acredita numa educação que pode ajudar a mudar a sociedade para melhor, deve lutar para que ela seja realmente de qualidade. Deve incitar o debate para desconstruir essas ideologias vigentes, ajudando as pessoas a se desprendam de suas amarras, ocuparem os espaços, fazerem a diferença nas urnas. É necessário que muitas pessoas trabalhem, e acreditem, num mundo melhor, numa sociedade mais justa, e em instituições de ensino plurais, democráticas, de qualidade e que visem a emancipação dos indivíduos, inclusão e mudança social.

Leno Miranda

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