No caso grego figuram no banco dos réus não os bancos freneticamente especulativos, mas os Estados sociais perdulários de aspecto europeu. Oficialmente, a ajuda a Grécia tem a ver com a manutenção da estabilidade do euro. É a única coisa que se pode obter, caso a especulação internacional seja bloqueada nos países da zona do euro. Uma quebradeira do estado grego, uma expulsão da eurolândia, daria precisamente um sinal equivocado. Então, inexoravelmente, Portugal, Espanha e Irlanda seriam os próximos. O artigo é de Michael Kratke.
Michael Kratke - Sin Permiso
O resultado, agora, é que no caso grego figuram no banco dos réus não os bancos freneticamente especulativos, mas os Estados sociais perdulários de aspecto europeu.
Faz uma semana que se declarou a situação de urgência: os gregos solicitaram oficialmente a ajuda financeira que lhes haviam prometido em fins de março. Caso de extrema necessidade. Pede-se à União Européia e ao FMI que liberem o mais rápido possível o montante de que o país precisa. Não resta muito tempo: em meados de maio vencem os próximos empréstimos bilionários; não honrá-los significa a quebra do Estado. Os mercados financeiros – com os fundos hedge à frente, especulando contra o euro – não soltam a presa. Cobrando juros exorbitantes, fazem com que as dívidas do Estado grego não possam ser refinanciadas em meio à crise financeira.
Numa situação assim, a soberania dos gregos já não vale nada. Antes de usarem a ajuda prometida exigem deles compromissos futuros com programas de arrocho fiscal ditados pelo Banco Central Europeu (BCE) e o FMI. Abundam, além disso, prescrições e propostas, cada uma mais inclemente e desinformada. Os dirigentes dos partidos em Berlim jogam suas apostas nos comissários dos arrochos do FMI que, graças à Chanceler de Ferro, já estão sentados na mesa decisória. Nem é o caso dizer que os economistas do FMI, à diferença dos políticos da coalizão pretoamarela [a cor da democracia cristã alemã é o preto, e a dos liberais, amarelo] caíram há muito no conto de que uma trajetória de extrema austeridade, como foi exigida desde o exterior à Grécia, só pode terminar numa grave depressão econômica e numa desagregação social não menos grave.
A ironia da história
Na reunião dos ministros das finanças do G20 no fim de semana passado, a crise européia serviu muito oportunamente de distração. Todo o mais – os escruciantes problemas da economia mundial, submetida a uma recessão que, não por muito tempo, está em vias de superação – restou em atalho morto. A Grécia se tornou a nova figura simbólica do doente da economia mundial: um pouquinho fica com os estadunidenses! Uma crise que tem sua origem na eurolândia e na circunstância que faz com que a União Européia se veja obrigada a pedir auxílio ao FMI: pequena recompensa para os lobistas dos mercados financeiros! Os culpados não são os bancos freneticamente entregues à especulação; são os perdulários Estados sociais de aspecto europeu! A visão neoliberal do mundo volta a enquadrar.
Os honoráveis que se reunem no G8 e no G20, no FMI e no Banco Mundial poderiam ter se dedicado a estudar assuntos de maior importância do que a pequena Grécia. Nada acordaram. Nem no tocante à planejada fiscalização bancária, nem em matéria de impostos sobre o mercado financeiro, nem quanto à regulação do setor financeiro: em nada disso se avançou um só passo. Nada, senão declarações nebulosas. No fundo do cenário, quase sem ruido, trataram, de passagem, da crise financeira do Banco Mundial. Tratava-se no caso de somas muito maiores do que as que estão em jogo no caso da Grécia. A crise que se abate sobre esse organismo chegou a 300 bilhões de dólares. O FMI pôde aplacar sua reforma financeira pendente, transferindo as urgências para o Banco Mundial, com agradecimentos especiais ao governo federal alemão. A auto-satisfação espalhou-se em Washington: os europeus foram expostos, amarrados pelo bom caminho do arrocho e do saneamento das contas públicas.
Oficialmente, a ajuda a Grécia tem a ver com a manutenção da estabilidade do euro. É a única coisa que se pode obter, caso a especulação internacional seja bloqueada nos países da zona do euro. Uma quebradeira do estado grego, uma expulsão da eurolândia, daria precisamente um sinal equivocado. Então, inexoravelmente, Portugal, Espanha e Irlanda seriam os próximos. Se os países da zona do euro se comprometessem com um empréstimo comum, poderiam então enfrentar os mercados.
A quebradeira grega beneficiaria a quem? Se os títulos da dívida gregos são passivamente depreciados, os afetados serão principalmente os bancos alemãs e franceses. Só o banco alemão Hyp Real Estate (HRE), embora estatizado, detém 10 bilhões de euros. Se esse dinheiro se evapora, a Alemanha enfrentará a próxima crise bancária. O governo de Sarkozy está num terreno ainda mais pantanoso, pois os bancos franceses detém títulos gregos em mais de 77 bilhões de euros. A alternativa à suspensão de pagamentos do estado grego seria uma ação conjunta de refinanciamento por parte dos europeus, quer dizer, uma renúncia parcial dos bancos europeus das suas exigências como credores da Grécia. Isso está oficialmente descartado pela Chanceler Merkel, embora apenas porque é o que os partidos de sua oposição exigem.
Isso significa derivar parte dos custos da crise da dívida a quem dela se beneficiou, e não aos gregos e sua população.
E agora vem a ironia da história: o governo alemão concedeu ao FMI um papel-chave num jogo maligno. As autoridades do FMI deveriam resistir, mesmo quando os gregos puseram em marcha os planos mais sombrios de arrocho. Pois, com as regras do jogo vigentes, o FMI não pode dar crédito a nenhum solicitante que não possa imediatamente devolver e servir aos interesses de suas dívidas no longo prazo, quer dizer, a ninguém que, de fato, esteja quebrado. Com os 15 bilhões de euros agora prometidos, a Grécia já teria esgotado sua cota de crédito com o FMI. Uma última gota vertida sobre pedra incandescente.
Reformar ou abdicar
Coisa rara, não provável: a participação do FMI na ajuda de emergência a Grécia melhora visivelmente as perspectivas de refinanciamento. E teria a grande vantagem de que seriam os bancos e outros credores do estado que arcariam com a sangria, e não o sempre sofrido contribuinte. No mais tardar em 19 de maio próximo a ação de resgate da Grécia deve estar pronta. Nessa data vence um empréstimo de 8,5 bilhões de euros. Se o país não honrá-lo, entra em quebra. De nada então serviriam os créditos do FMI, e os bancos europeus deveriam engolir um refinanciamento.
Isso não seria nenhum drama para os mercados financeiro; para eles, a tragédia grega não é mais que um intermédio. O Japão, por exemplo, está numa situação muito pior que a eurolândia. Quando não houver o que pescar na Europa, os fundos hedge, cedo ou tarde vão se lançar sobre o rio revolto do yen. E depois vem o dólar e a libra esterlina, porque estadunidenses e britânicos estão mais gravemente endividados do que a Grécia: ali há mais o que pescar. Não são os gregos que tem de se apressar em pôr ordem em suas casas e em fazer planos de saneamento fiscal, mas o G20, o FMI, o Banco Mundial e os governos presentes nessas instituições, a realeza magistral da Alemanha. A disjuntiva não oferece dúvida: ou impor uma regulação dos mercados financeiros, a que estes e seus lobistas oporiam uma resistência encarniçada, ou abdicar.
Michael R.Krätke é membro do Conselho Editorial de SinPermiso e professor de política econômica e direito tributário na Universidade de Amsterdã; é pesquisador associado ao Instituto Internacional de História Social dessa mesma cidade e é professor catedrático de economia política e diretor do Instituto de Estudos Superiores da Universidade de Lancaster, no Reino Unido.
Tradução: Katarina Peixoto
Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16566
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