quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Para AGU, rede da Eletronet é da União

Caio Junqueira, Paulo de Tarso Lyra e Danilo Fariello, de Brasília
Valor Econômico - 24/02/2010


O governo federal assegurou ontem que a Eletronet não será beneficiada financeiramente pelo Plano Nacional de Banda Larga (PNBL). A empresa está no centro da discussão porque estava concedida a ela uma rede de fibras ópticas de mais de 16 mil quilômetros que se pretende usar como infraestrutura para a expansão da banda larga. A Eletronet, que tem a Eletrobrás como acionista com 49%, passa por extenso processo de autofalência, que travava o uso desses cabos pelo governo até o fim de 2009. Ontem, porém, a Advocacia Geral da União (AGU) emitiu nota assegurando que as linhas voltaram à União conforme decisão judicial obtida pelo governo federal em dezembro, no Tribunal de Justiça do Rio. E, por meio de uma caução, conforme previsão legal, a Eletrobrás tem hoje a posse da rede de fibras ópticas.

Ontem, a "Folha de S.Paulo" noticiou vínculo contratual entre o ex-ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República José Dirceu e um dos sócios da Eletronet. Segundo a reportagem, a empresa seria beneficiada pela cobrança do uso dos cabos no PNBL, que também prevê a restauração da Telebrás.

Também para o secretário de Logística e Tecnologia de Informação do Ministério do Planejamento, Rogério Santanna, a estrutura a ser utilizada no PNBL, que tem por objetivo universalizar o acesso à internet rápida no Brasil, é da Eletrobrás. Ele assegurou ontem que o plano não envolve nenhuma relação econômica com a empresa que pediu autofalência em 2003. "O meio que o governo vai utilizar não passa por acordo com a Eletronet. A Eletronet é uma massa falida que continua lá, gerida pelo síndico. (O plano) não tem nenhuma relação econômica com a Eletronet", disse Santanna, que é um dos principais elaboradores do programa, considerado prioridade do governo para 2010.

O secretário afirmou, ainda, que não há possibilidade de que os detentores de ações da Eletronet sejam beneficiados ou prejudicados pelo plano. "O sócio é hoje sócio de uma dívida ou dos direitos que podem provir dessa massa falida. A Eletronet não deixou de operar e nem vai deixar e a massa falida vai ter que dar destino a isso, vendendo os ativos e pagando os credores na medida das receitas que ela obtiver da empresa", disse o secretário, referindo-se a Nelson dos Santos, dono da Star Overseas Ventures, sócio do governo na Eletronet.

Segundo a reportagem da "Folha de S. Paulo", Santos teria pago, entre 2007 e 2009, aproximadamente R$ 620 mil ao ex-ministro José Dirceu. Uma empresa de Dirceu teria prestado consultoria para a Eletronet e, a partir de sua atuação, o governo teria decidido reativar a Telebrás usando os cabos da empresa no PNBL.

A Eletronet surgiu como empresa estatal no início da década de 1990. Parte dela foi privatizada em 1999 com a venda de 51% de seu capital para a americana AES. O governo manteve 49% das ações. Com a falência, o grupo americano vendeu sua participação para uma empresa canadense, que revendeu metade do ativo para Nelson dos Santos.

"Eventual reativação da Telebrás não vai gerar receitas ou direitos de crédito para a massa falida da Eletronet, seus sócios, credores, ou qualquer grupo empresarial com interesses na referida massa falida", diz o comunicado da AGU de ontem.

O governo não respondeu, porém, como poderão ser ressarcidos os credores de quantias milionárias junto à massa falida da Eletronet. As estimativas do valor devido pela empresa superam R$ 800 milhões. Gigantes como Furukawa e Alcatel-Lucent pedem que a rede de cabos seja usada para bancar ao menos parte dos créditos a que elas têm direito junto à massa falida. Apesar de falida, a empresa mantém contratos e presta serviços de dados a empresas como a Intelig, segundo uma fonte do governo.

Avalia-se que, caso o governo fosse montar uma rede própria para levar a banda larga a 20 milhões de domicílios, como está planejado, precisaria investir R$ 40 bilhões. A rede da Eletronet responderia por 5% deste total e ainda teria que ser completada a parte eletrônica da rede.

No projeto discutido pelo governo atualmente, mira-se a expansão da banda larga em acessos que custem até R$ 35 para o cidadão, na menor velocidade. Esse estudo prevê atuação do Estado tanto na infraestrutura de cabos quanto na oferta do serviço direta ao usuário final.

Os últimos debates entre os líderes do projeto, secretária geral da Casa Civil, Erenice Guerra, e o assessor especial do presidente Lula, Cesar Alvarez, porém, indicam que as empresas privadas também participarão do plano, usando essa infraestrutura que estava em posse da Eletronet. Além dos cabos em questão, as empresas privadas possuem cerca de 200 mil quilômetros de redes de fibra óptica que devem também integrar o PNBL. Além disso, as empresas temem a concorrência do governo no acesso.

Segundo Alvarez, a ideia de reativar a Telebrás vem sendo discutida no governo desde 2004, de forma transparente e sem informações privilegiadas. "Não é segredo nenhum que o governo quer usar as suas redes."

O governo deverá assegurar, porém, que a nova Telebrás seja a operadora desses 16 mil quilômetros de cabos que pertencem à Eletrobrás hoje. As linhas que eram da Eletronet abrangem 60% do território nacional, onde está 90% da população do país.

Ontem, Santanna, do Ministério do Planejamento, não quis falar sobre o custo do investimento no PNBL, mas disse que a parte mais cara, ou seja, a implantação da rede de fibras, já está pronta. "É um investimento que já foi feito, que é a estrutura de fibra óptica. Seria um desperdício não utilizá-la. O que o governo terá é um ganho marginal de um investimento que já foi feito", disse. (Colaborou Heloisa Magalhães, do Rio, com agências noticiosas)

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