Inês Nassif -Algumas pessoas separam o primeiro do segundo mandato do Lula e consideram que o primeiro foi mais à direita que o segundo. Considera isso correto? Por que? Por razões conjunturais – uma crise que passou a incorporar uma ação mais efetiva do Estado sobre a economia – ou políticas? Por razões externas ou internas ao partido?
Pomar-Eu considero que existiram dois governos.
O primeiro durou de 2003 até a crise de 2005.
O segundo começou após a crise de 2005 e vem até agora.
O primeiro governo foi pautado pela Carta aos Brasileiros.
O segundo governo está se aproximando do programa aprovado pelo PT em dezembro de 2001, no XI Encontro do PT, realizado em Recife, programa que foi redigido pelo Celso Daniel.
Eu costumo dizer aos meus amigos que “a burguesia não nos faltaráâ€. Ela não nos faltou.
A excessiva moderação do primeiro mandato gerou desgastes junto a setores da base eleitoral e social, bem como junto a militantes. Os efeitos disto ficaram visíveis na derrota que sofremos na eleição de 2004. Logo depois veio a eleição de Severino e a crise de 2005.
A burguesia viu nisto a chance de abreviar o governo Lula e “acabar com a raça†do PT.
Ou seja: a burguesia, a direita, a oposição radicalizaram. O efeito foi “esquerdizar†o Partido. Ou, para ser mais preciso, trazê-lo da Carta aos Brasileiros para o programa do XI Encontro.
Isso ficou visível no resultado do PED 2005: no primeiro turno, a “oposição interna†venceu. Perdemos no segundo turno devido à estreiteza política do Plínio e seus liderados, que sairam do Partido, contribuindo para nossa derrota por apenas 5 mil votos (em 240 mil) no segundo turno do PED.
Não foi só o Partido que despertou do torpor. Lula e o governo também.
O primeiro passo disto foi a substituição de Dirceu & Palloci por Dilma & Mantega. Resultado disto foi o enterro nada solene da proposta de “déficit zeroâ€.
O segundo passo foi a eleição presidencial de 2006, que foi ganha no segundo turno com um discurso de esquerda, não com um discurso de conciliação.
O teceiro passo foi o PAC.
A crise de 2008 confirmou o acerto deste “giro à esquerdaâ€.
Nossa vitória em 2010 redesenhará os termos do debate. De 2003 a 2010, o debate foi entre o PT e os neoliberais. E, dentro do PT, entre os desenvolvimentistas versus os social-liberais. A chamada esquerda do PT se alia com os desenvolvimentista, contra os social-liberais. Pouco a pouco, o debate começa a ser: desenvolvimentistas “conservadores†(ou seja, que não tocam no tema das reformas estruturais) e desenvolvimentistas “democrático-populare s†(que querem combinar desenvolvimento com democracia, igualdade e soberania).
Inês Nassif -A saída da parcela do partido que fundou o P-Sol, em 2005, tornou o partido mais de centro do que era? A esquerda do PT ficou enfraquecida? Vocês tiveram mais ou menos espaço nas decisões partidárias depois do racha?
Pomar-Pelo contrário. Aliás, é uma ironia da história. Depois da saída da Convergência Socialista, que fundou o PSTU, em 1990-91, a esquerda do PT virou maioria em 1993. E apesar da saída do Plínio & companhia, as posições do PT em 2006 até hoje estão à esquerda de onde estavam em em 2003-2004. Ou seja, o Partido como um todo foi para a esquerda.
Mas, ao mesmo tempo, é correto dizer que a chamada esquerda do Partido perdeu espaço. Em parte isto ocorreu porque a maioria se deslocou para a esquerda e, portanto, a esquerda estrito senso não conseguiu capitalizar este deslocamento. Por outro lado, a esquerda do PT (tal como era em 2005) se fraturou: um pedaço saiu do PT (Plínio), um pedaço ficou onde estava (nós da Articulação de Esquerda) e outro pedaço (a DS) tentou construir um novo “centro dirigente†para o PT (a chamada Mensagem ao Partido).
Ou seja: o Partido foi para a esquerda, mas a esquerda do PT perdeu força, enquanto alternativa de governo para o Partido. Curiosamente, temos mais influência ideológica hoje do que em 2003-2004; mas, por outro lado, a chance de virarmos maioria do Partido é menor, ao menos no curto prazo. Qual a diferença: a esquerda do PT não é apenas desenvolvimentista, é socialista no sentido forte da palavra.
Inês Nassif -As teses das chapas que disputaram o PED de 2009 foram mais progressistas que no passado?
Pomar-Em comparação com 2003-2004 e com a Carta aos Brasileiros, sim.
Inês Nassif -Os pedaços de programa de governo que vai ao 4º. Congresso indicam um retorno ao período pré Carta ao Povo Brasileiro? O Programa é uma guinada à esquerda? Neutraliza a Carta? O PT não precisa mais dar garantias ao mercado para governar?
Pomar-O programa de governo está mais parecido com o que o PT aprovou no XI Encontro, que foi em dezembro de 2001. Não é uma “guinada à esquerdaâ€. Seria, se o centro do programa fossem reformas estruturais. O programa é um programa de aprofundamento de políticas sociais, de políticas públicas, de democratização, soberania nacional e integração continental.
Sobre as chamadas garantias: eu votei contra a Carta aos Brasileiros, portanto nunca achei que devemos dar “garantias ao mercadoâ€, leia-se, ao setor financeiro. E continuo achando que o setor financeiro em geral e a política do Banco Central em particular têm uma influência prejudicial, que atrapalha a política geral do governo.
Inês Nassif -A esquerda do PT não vai querer negociar diretamente com a Dilma? O fato de a Dilma não ser um quadro orgânico do partido não abre teoricamente mais espaço para negociação de programa? A esquerda do PT não vai aproveitar essa oportunidade?
Pomar-Nenhum setor do PT deve cometer este erro. O PT tem que agir como instituição. Aprovar suas diretrizes, tratar com os partidos aliados enquanto partido. E saber que a candidata é, ao mesmo tempo, candidata do Partido e de uma coligação.
Por outro lado, o Palloci sempre foi um “quadro orgânico†do Partido. Sendo assim, estou satisfeitíssimo com nossa candidata.
Inês Nassif -Tem mais uma coisa: nas teses do PED do ano passado, a reafirmação do socialismo como opção, pelo que li, esteve presente em todas as chapas. Parece que houve uma desinterdição do debate sobre o socialismo. Isso é real? E por que acontece agora?
Pomar-Claro que sim. Neste sentido, a crise de 2008 teve um papel pedagógico. Ela lembrou que não apenas o neoliberalismo, mas também o capitalismo é uma criação social. Funciona mal. Periodicamente gera crises. E tanto para funcionar, quanto para escapar das crises, depende da política, do Estado, da correlação de forças. Sendo assim, outra vontade política, outra correlação de forças, outra orientação estatal, podem viabilizar outra forma de organização social. O socialismo está de volta ao debate.
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