terça-feira, 24 de novembro de 2009

Socialismo do século XX

Por Emir Sader

A queda do Muro de Berlim e o fim do campo socialista decretaram o término do longo período inaugurado com a revolução russa de 1917 e do socialismo do século XX. O socialismo, que havia passado a, pela primeira vez, fazer parte da atualidade histórica da humanidade, praticamente desapareceu da agenda contemporânea, há duas décadas. A China optou por uma via de economia de mercado, Cuba tratou de se defender de retrocessos ingressando a seu “período especial”, o Fórum Social Mundial surgiu para lutar contra o neoliberalismo.

Essa virada histórica – acompanhada pela passagem de um ciclo longo expansivo a um recessivo da economia capitalista, de um modelo regulador a um modelo neoliberal, - representou, ao mesmo tempo, a transição de um mundo bipolar a um mundo unipolar sob hegemonia imperial norteamericana. Mudanças todas de caráter regressivo, que alteraram de forma radical a correlação de forças mundial a favor das forças conservadoras.

Se esgotava um modelo de socialismo, que se caracterizou por promover a estatização dos meios de produção, a partir da expropriação da burguesia privada, e não da socialização dos meios de produção, produzindo uma imensa burocracia que dirigia os Estados de economia centralmente planificada. Seu esgotamento se deu tanto pela falta de democracia e de participação política dos trabalhadores, como pela falta de dinamismo econômico, que os relegou a não superar os ritmos de desenvolvimento econômico do capitalismo, como a depender das economias capitalistas, de forma subordinada.

Nunca um sistema daquela dimensão havia desmoronado por um processo de auto degeneração, a ponto de praticamente não apresentar nenhum tipo de resistência interna, adaptando-se de forma suave à restauração do capitalismo nos seus territórios. O que revelava os efeitos desagregadores que a ideologia ocidental tinha tido sobre o sistema, especialmente sobre seus estratos dirigentes, levando ao que os próprios ideólogos norteamericanos não esperavam – sua autodissolução.

O modelo do socialismo do século XX foi um modelo de socialismo de Estado – como alguns autores o caracterizaram. Buscou, através da ação determinante do novo Estado, o apoio para tentar recuperar a distância em relação ao capitalismo ocidental, decorrente das rupturas com esse sistemas terem se dado na periferia atrasada e não no centro do sistema, como previa Marx. Para Lênin se tratava apenas de uma mudança temporária de roteiro, até que a revolução em um país da Europa ocidental pudesse resgatar a Rússia do seu atraso. O fracasso da revolução alemã – o país em que mais se condensavam as contradições depois da sua derrota na primeira guerra – praticamente condenou a Revolução Russa ao isolamento. A partir daí, as rupturas seguintes se deram na direção oposta, da periferia profunda – China, Vietnã, Cuba.

Nas palavras de Lênin, era mais fácil tomar o poder nos países mais atrasados, mas sumamente mais difícil construir o socialismo. Reduzida ao seu isolamento, a Rússia optou pelo “socialismo em um só país”, em um país atrasado, afetado pelo cerco dos países ocidentais, pela guerra civil interna, posteriormente pela invasão alemã. O modelo estatal foi uma decorrência disso, de buscar uma acumulação socialista acelerada, que dificultasse o bloqueio ocidental contra a URSS. Stalin optou pela expropriação maciça dos camponeses, que permitiu a industrialização acelerada dos anos 30 – e propiciou as condições de resistência e derrota diante do poderoso exército alemão – mas às custas da ferida agrária de que nunca se libertaria a URSS até seu final, e da destruição da democracia interna no partido.

O socialismo se reatualiza, pelas próprias mazelas do capitalismo, porque o socialismo é o anticapitalismo, a incorporação dos avanços econômicos, mas em um outro tipo de sociedade, que nega o caráter discriminatório e injusto do capitalismo, negando-o e superando-o em uma sociedade solidária. Enquanto houver capitalismo, haverá, mesmo que embrionariamente, um projeto socialista, que sempre precisa ser recriado, renovado, a partir dos balanços do capitalismo e do socialismo existentes.

O socialismo do século XXI, para chegar a existir, tem que partir do balanço de conquistas e erros do socialismo do século XX, se não quiser repetir sua trajetória.

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