terça-feira, 24 de janeiro de 2012

A ressurreição da história

Lendo a entrevista de Francis Fukuyama na Folha de domingo, veio à mente uma reflexão. Uma vantagem de sermos juristas, ou se o leitor preferir algo menos pomposo, “estudiosos do Direito”, é que não precisamos o tempo todo demonstrar o quanto somos capazes de prever o futuro. Economistas e cientistas políticos, desafortunadamente, parecem não escapar desta tarefa inglória. Não que os juristas também não façam isso vez ou outra. Mas isso ocorre não como um dever, mas como uma excentricidade.

Já para os economistas e cientistas políticos quem sabe isso seja quase um dever, notadamente quando instados pela mídia a se manifestar sobre o porvir. Quando o cientista político se dedica de forma mais intensa à economia, então, os prognósticos tornam-se uma robusta análise pragmática e objetiva a respeito do que irá, fatalmente, acontecer. O problema é que em geral não acontece.

Assim parece que ocorreu com Fukuyama. Seu artigo intitulado “O fim da história?”, publicado em 1989, foi depois transformado em um livro de grande sucesso. “O fim da história e o último homem” é uma obra interessante e intelectualmente bem construída, em que pese de uma linearidade e de um elitismo por vezes desconcertantes. A própria concepção de história do autor é assustadoramente limitada e antiquada.

Ele mesmo faz questão de informar aos seus leitores que não havia sugerido o fim da “ocorrência de acontecimentos” (como se alguém, seriamente, tivesse considerado seus argumentos como o prenúncio do armagedon). Piora sua situação ao explicar-se dizendo que entende a história como “um processo singular, coerente e evolutivo”. E em assim sendo, conseguiria visualizar “uma história da humanidade, coerente e direcionada, que eventualmente conduzirá a maior parte da humanidade para a democracia liberal”. Afinal, tal modelo continuaria a ser “a única aspiração política coerente que se espalha por diferentes regiões e culturas em todo o mundo”.

E para finalizar com chave de ouro asseverou que “os princípios liberais da economia – o mercado livre – alastraram e conseguiram produzir níveis de prosperidade material sem precedentes, tanto nos países industrializados como naqueles que, no final da segunda guerra mundial, faziam parte do empobrecido Terceiro Mundo.” Não é necessário entrar em maiores detalhes da sua tese, embora existam outras afirmações realmente muito peculiares e talvez até, digamos, “constrangedoras”.

O fato que é nada disso é verdade. Várias críticas foram apontadas ao seu discurso na época (a comunidade acadêmica de esquerda não perdoou o professor), mas é preciso reconhecer que o autor estava correto no tocante ao consenso que havia se formado na transição da década de 1980 para a de 90 a respeito das vantagens do “neoliberalismo democrático”.

Todavia, dois erros sobrepostos acabaram por desmerecer o acerto: primeiro, tal consenso não duraria a eternidade (aliás, mal durou duas décadas); segundo, o consenso estava fundado em uma falsificação da realidade (infelizmente para os liberais, as experiências históricas conhecidas pelo homem demonstram de forma clara que alcançamos uma maior realização da dignidade e da felicidade em ambientes de forte intervenção política na economia e não o contrário). As experiências ruins do Estado moderno não desabonam suas conquistas.

Mas assim como Fernando Henrique Cardoso, e outros tantos defensores ligados ao conservadorismo liberal privatizante da década de 90 (assumidos ou não) o fato é que Fukuyama, agora, reviu seu vaticínio. Em entrevista à Folha confirmou sua recente virada rumo a certo intervencionismo, que denomina (desgraçadamente convenhamos) de “novo populismo”, segundo o qual defende uma “maior regulação estatal”. Até aí, nada de extravagante.

O fato que é ele faz isso negando que tenha dado uma volta de 180 graus em seus escritos anteriores. Afinal, responde ao entrevistador, “ainda acredita que a democracia liberal é o melhor sistema político”. Ora, esta crença banal não o tornaria tão famoso! A grande tese defendida pelo autor não foi a de que o liberalismo seria o “melhor” sistema, mas que ele era o último. Haja vista o fim das ideologias, o prognóstico levado a efeito em sua tese era a perene continuidade do consenso global em torno das idéias então hegemônicas.

Com sua renitência o professor Fukuyama perde uma grande oportunidade para dizer simplesmente que errou. Que a história não acabou. Que ainda está para nascer “o último homem”. Que estamos longe de saber o que fazer para vivermos, cada um e ao mesmo tempo todos, de forma digna e feliz. Ao contrário do que defendeu, nosso futuro não só precisa de mais de história, como terá.


(*) Doutor em Direito do Estado, pós-doutorando na Fordham Law School, Professor de Direito Administrativo da UFPR e Coordenador Adjunto do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito da PUCPR. (e.gab@uol.com.br)


Fonte: http://cartamaior.com.br/templates/analiseMostrar.cfm?coluna_id=5414

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