No artigo "Sionismo: armadilhas de origem" [21/01/09], escrito em parceria com o economista Carlos Eduardo Martins, afirmamos que, por sua própria ideologia fundadora, Israel jamais se submeteu- ou se submeterá- a leis internacionais ou preceitos humanitários, assim como jamais se sentiu- ou se sentirá- obrigado a respeitar quaisquer acordos ou tratados que firme. Desde sua fundação, e em toda sua história, Israel definiu a si mesmo como um Estado fora da lei, uma força expansionista em permanente confronto com os "terroristas" de territórios ocupados.
O ataque - em águas internacionais - a uma missão que levava alimentos, materiais de construção e medicamentos para a população da Faixa de Gaza, brutalmente devastada pela operação "Chumbo Derretido", realizada no início de 2009, é apenas mais uma ação que confirma a cristalina certeza israelense: o que conta é o apoio dos aliados estadunidenses que procuram assegurar a hegemonia política na região. A comunidade internacional não deve ser levada a sério.
Uma acintosa exibição dessa má ou falsa consciência pode ser encontrada nas palavras do embaixador Giora Becher, embaixador israelense no Brasil, em artigo publicado hoje, 1/6, na Folha de São Paulo: " os organizadores estavam cientes de que suas ações eram ilegais. Sob o direito internacional, quando um bloqueio marítimo está em vigor, nenhuma embarcação pode ingressar na área bloqueada. Em conformidade com as obrigações de Israel sob esta lei, os navios foram avisados várias vezes sobre o bloqueio marítimo ao longo da costa de Gaza".
Em uma eficiente inversão ideológica, Becher tenta ocultar a estratégia da barbárie. Israel decreta um bloqueio e busca a chancela de um sistema normativo que o condena. É assim que deve ser compreendida a brutalidade da "ocidental" e " democrática" sociedade israelense: como mera afronta á lógica formal que objetiva legitimar os ditames de uma extrema-direita fundamentalista e religiosa.
Convém recordar alguns fatos. Recente resolução do Conselho de Segurança da ONU recomendou a Israel, em termos extremamente brandos, que subscrevesse o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP). Dupla perda de tempo. Primeiro porque será ignorada, como foram todas as resoluções anteriores instando o Estado judeu a cessar suas ações imperialistas e de massacre contra os palestinos. Segundo porque, mesmo que uma liderança eventual acedesse em subscrever o TNP, o "povo eleito" o ignoraria solenemente. Ou alguém supõe que Tel-Aviv permitiria inspeções de Agência Internacional de Energia Atômica a seus arsenais nucleares?
Não esperem da secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, propostas de fortes sanções comerciais e financeiras contra Israel, muito menos ameaças nada veladas de intervenção militar. Essas ela reserva para o Irã, país signatário do TNP e sem histórico de agressões a vizinhos e atos de pirataria de Estado. Ou mesmo palavras duras de condenação e advertência, quando não de clara intimidação, como as dirigidas ao Brasil. Sobre Nethanyahu e seus soldados, de Hillary só se pode esperar o silêncio cúmplice dos assassínios.
Israel, fiel aliado de Washington durante a Guerra Fria, é encarado como uma "ilha de civilização ocidental no Oriente Médio". Merece, como escreveu José Arbex Jr (Caros Amigos, dezembro de 1998) "todo apoio e consideração contra os" bárbaros islâmicos" que, aliás, nem sequer existem".
A docilidade do texto do Conselho de Segurança não poderia ser mais elucidativa. Não há condenações, não se fala em ataques, mas "em ações" Os nove ativistas mortos não imaginavam que a arrogância, o terror e o sadismo com que o Exército israelense trata as populações palestinas fossem extensivos aos que se empenham em ações humanitárias. O ataque à flotilha é uma lição da velha ordem internacional. Nela, procura-se mostrar a inutilidade do humanismo como um referente ético sem valor de uso nem de troca.
Compreende-se, agora, o real significado das palavras de Hillary sobre o acordo nuclear assinado entre Irã, Brasil e Turquia. Para quem vê a guerra como campo de experiência e exercício de hegemonia, soluções diplomáticas para crises internacionais tornam o mundo bem mais perigoso. Melhor contar com as determinações consagradas do terrorismo de Estado.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro.
Fonte: http://www.pt.org.br/portalpt/opinioes/o-silencio-de-hillary-clinton-5331.html
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