sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Reformismo revolucionário: a estratégia da esquerda latino-americana

“Estado”, “política”, “história”, “revolução” são as ferramentas da esquerda latino-americana para atacar as consequências e também as causas do capitalismo, promovendo ao mesmo tempo a integração do Continente em termos políticos, econômicos, sociais e culturais. A estratégia pode ser condensada na fórmula do pensador judaico-romeno Lucien Goldmann: “reformismo revolucionário”.

Algumas palavras pareciam condenadas à lata de lixo, sob a pressão doutrinária das últimas décadas. “Estado” é uma delas. Acusado de perdulário, mastodôntico e ineficiente em contraposição à livre iniciativa, apresentada como paradigma, o aparelho estatal foi execrado para justificar as desregulamentações e o desmonte que vitimaram os serviços públicos. Embalados pelo canto de sereia do fenômeno divulgado na condição de uma tendência inexorável, que converteria o planeta em uma aldeia global, muitos inclusive iam ao cúmulo de classificar de inútil a escolha de presidente para os Estados nacionais. As eleições teriam perdido o sentido frente a uma realidade na qual as linhas principais da política econômica seriam ditadas pelo FMI e o Banco Mundial. Das “Diretas já” às “Indiretas sempre”, um passo à frente, dois atrás.

Considerando que, quem fala Estado fala política, esta sob a hegemonia do neoliberalismo foi também minimizada e criminalizada. Basta lembrar o argumento de Fernando Henrique Cardoso para reprimir a greve dos petroleiros no primeiro mandato: “Trata-se de um movimento... político. Pior, contrário à intenção tucana de privatização da Petrobrás. Dê-lhe tanques.

Analiticamente, para o príncipe do Consenso de Washington, os petroleiros cometiam então três delitos: a) manifestavam-se fora do Congresso Nacional, único espaço para a prática política tida por legítima; b) intervinham como um corpo coletivo organizado, quando apenas a desobediência civil de indivíduos avulsos era admitida; c) defendiam o patrimônio público construído por várias gerações, numa época em que moderno significava entreguismo. A repressão manu militari sobre os trabalhadores mobilizados marcou o início de um retrocesso civilizacional de resultados perversos para o povo brasileiro.

FHC, no caso, agiu de acordo com uma antiga aspiração das elites, eliminar a política das ruas e, no limite, esconjurá-la para longe do próprio Estado. Não à toa, Platão propunha para os postos hierárquicos de mando na sociedade os “filósofos”. Saint-Simon, os “industriais”. John Galbraith, os “tecnocratas”. Hoje fala-se nos “gestores”, na tentativa ainda de elidir a dinâmica objetiva da luta de classes e despolitizar a vontade subjetiva dos governantes. No fundo, essa visão gerencial sobre o exercício do poder central reflete a autonomização, mais imaginária que real, das políticas públicas no que concerne às questões estruturais e ao conteúdo de cada projeto político-ideológico. Como se as políticas públicas não tivessem governo.

Compreende-se assim que um dos cinquenta executivos de destaque entre os países emergentes, conforme a tabela de celebridades do Financial Times, tenha descrito Dilma Rousseff como “uma gestora pública, tecnocrata de boa formação, de bom senso e experiente, o que será muito bom para o Brasil” (Zero Hora, 12/12/2010). A completa assepsia política da descrição traduz o desejo atávico das classes dominantes, desde a remota Antiguidade.

Do triunfalismo à surpresa

Francis Fukuyama, em 1989, com espalhafatosa cobertura midiática, anunciou o fim da história e fixou um programa máximo (sic) para o Ocidente: a economia de mercado e a democracia representativa. Inaugurava a ideologia imperialista da Nova Ordem Mundial. A senha para um padrão implacável de relações econômicas, que não aceitavam discussão e cobravam obediência imediata sob ameaça de expulsar os atores da cena e aprisioná-los em uma dependência abjeta, como se fossem escravos de novo, denunciou o geógrafo Milton Santos com o neologismo “globalitarismo”, para realçar o viés totalitário da globalização neoliberal.

A utopia socialista que movia a rebeldia era condenada a um passado jurássico, junto com os ideais da cidadania ativa. O capital, triunfante, decretava a paz perene. Como no verso de T. S. Eliot, “sonhando com sistemas tão perfeitos em que o bem seja de todo dispensável”. Doce ilusão. O Zapatismo, que veio à luz no emblemático dia em que entrava em vigor a North American Free Trade Agreement (Nafta), o tratado de livre comércio dos Estados Unidos com o Canadá e o México, em 1° de janeiro de 1994, mostrou que a recusa à exploração e à opressão mantinha-se acesa sob as cinzas. Em paralelo, a experiência do Orçamento Participativo nos anos 90 revelou que a socialização da política é o melhor antídoto à apatia das camadas empobrecidas, à corrupção e às demasias burocráticas da administração pública.

Em uma conjuntura nacional e internacional repleta de adversidades, a criatividade e a irresignação estiveram localizadas no eixo da resistência que ligou Chiapas a Porto Alegre simbolicamente. Esses centros laboratoriais acuaram o medo e fizeram ressurgir a esperança. Os pobres tornavam a ser cidadãos. A dominação capitalista não afigurava-se como uma fatalidade ou um destino, “surpreendendo aqueles que não acreditavam mais na possibilidade de mudanças sociais e que haviam abandonado a história”, enfatizou a socióloga Laura Tavares Soares (Os custos sociais do ajuste neoliberal na América Latina, SP, Ed. Cortez, 2000).

A dialética corcoveava, rejuvenescida na linguagem sem esquematismos do subcomandante Marcos e nas assembléias comunitárias do prefeito Olívio Dutra. Preparava-se o terreno para o I Fórum Social Mundial. Movimentos tradicionais (com vetor no trabalho) somavam-se aos contemporâneos (feministas, ecológicos, contra a fome, etc) para questionar a gramática da exclusão, reatualizar o valor da solidariedade e devolver a dignidade à política. As promessas do paraíso reaganista [Ronald Regan foi o presidente dos EUA responsável pela implementação do neoliberalismo lá] , calcadas no fetichismo da mercadoria, esfumavam-se. As bandeiras vermelhas regressavam às praças. Mas havia pedras no caminho. E a “imprensalão” tencionou à procura de desvios, fabricando uns tantos com sensacionalismo e ódio de classe. Assustados e incapazes de uma leitura correta sobre os acontecimentos, os setores médios afastaram-se da estrela guia.

A militância petista não se intimidou, porém, e a caravana popular seguiu avante comunicando-se em portunhol. Ao lado, os cães ladravam e ensaiavam o frustrado impeachment do presidente Lula. O Estado reassumia, aos poucos, suas funções clássicas para atender as demandas da população, e um papel regulatório na economia para alavancar o desenvolvimento sustentado e combater as desigualdades sociais e regionais. “Estado”, “política”, “história” foram palavras recontextualizadas graças à ascensão das forças anti-neoliberais na AL.

Céu com nuvens carregadas

Vislumbram-se outras batalhas no horizonte. A direita articulada em torno do Tea Party, o nó górgio do Partido Republicano dos EUA, em um ambiente recessivo e agravado com o corte nos gastos sociais, redobra a disposição conservadora de organizar o conjunto das relações sociais pela premissa da mercantilização de tudo e todos, com um script que mescla individualismo e belicismo. Se o roteiro causa a sensação de um déjà vué porque o novíssimo ideário direitista reconduz o mundo ao caos societal, isto é, à condição natural hobbesiana que faz do homem lobo do homem. A barbárie continua pedindo passagem para romper o contrato social de proteção aos direitos e espalhar a miséria e o sofrimento. Fuck you!

A postura intransigente do Tea Party aponta para uma posição de confronto com as nações que, soberanas, buscam superar o status quo. Sem que se possa esperar um freio à sede de sangue da ultra direita (vide post de Emir Sader: Obama e Lula, 09/12/2010) e nem consideração com o princípio elementar da liberdade de expressão (vide a perseguição, esta de fato terrorista, ao portal do Wikileaks). Perigos e dilemas rondam o futuro. O Norte direitiza-se com extremismo; o Sul esquerdiza-se, embora com moderação e respeito à institucionalidade. É possível antecipar tensões e retaliações, com o alargamento da crise, do desemprego e da anomia social no território estadunidense. O Irã que se cuide.

Enquanto isso, o Brasil avança, reduz a pobreza, projeta um Estado de bem-estar social. Diante das inusitadas conquistas, referendadas com a vitória de Dilma, Lula utiliza o bordão “como nunca antes...” para chamar a atenção sobre o que está em curso no país. Tem nome, “Revolução Democrática”. Rafael Correa, o presidente do Equador, refere-se à “Revolução Cidadã”. Hugo Chávez, o presidente da Venezuela, à “Revolução Bolivariana”, em homenagem ao lendário libertador Simon Bolívar. Evo Morales, o presidente da Bolivia, à “Revolução Democrática e Cultural” como uma ponte para o “Neo-socialismo”.

O denominador comum é a idéia de “revolução”, mais um mote maldito esquecido no porão que sacode a poeira e dá a volta por cima. Nenhuma alusão à luta armada, mas sim à elevação do nível de consciência das maiorias, ao empoderamento dos movimentos sociais, aos vínculos orgânicos desses com os partidos políticos comprometidos com as mudanças e aos progressos institucionais para aprofundar a democracia e a justiça social. “Não façam o que eu fiz”, aconselhou Fidel Castro em reunião com um grupo de líderes reformadores sobre a questão do método (Che Guevara, 80Th Anniversary, Trilogy Collection, DVD).

“Estado”, “política”, “história”, “revolução” são as ferramentas da esquerda latino-americana para atacar as consequências e as causas do capitalismo, promovendo ao mesmo tempo a integração do Continente em termos políticos, econômicos, sociais e culturais. A estratégia pode ser condensada na fórmula do pensador judaico-romeno Lucien Goldmann: “reformismo revolucionário”. Paradoxal, só na aparência, como o realismo mágico de nossa literatura. La nave va.


Luiz Marques é professor de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).




Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/analiseMostrar.cfm?coluna_id=4905

Stiglitz(Nobel de Economia): Ou mandamos os banqueiros para a prisão, ou a economia não vai se recuperar"


Como não se cansaram de repetir o economista James Galbraith e o economista e penalista William Black, não podemos resolver a crise econômica, a menos que ponhamos na cadeia os delinquentes que cometeram atos fraudulentos. E o ganhador do prêmio Nobel de Economia, George Akerlof demonstrou que a negligência em castigar os delinquentes de colarinho branco e, a fortiori, resgatá-los, cria incentivos para que se cometam mais delitos econômicos e para que se proceda a uma destruição futura da economia. Outro Nobel de Economia, Joseph Stiglitz, acaba de dizer a mesma coisa.


No dia 20 de novembro, Stiglitz declarou o que se segue ao Yahoo’s Daily Finance:

É um assunto realmente importante e nossa sociedade deve compreender cabalmente. Supõe-se que o sistema jurídico é a codificação de nossas normas e de nossas crenças, do que temos de fazer para que nosso sistema funcione. Se se percebe o caráter explorador em nosso sistema jurídico, então a confiança em todo o sistema começa a erodir. E esse é na verdade o problema que temos agora.

Uma multidão de práticas predatórias estão em vias de continuar como se nada tivesse ocorrido no sistema de crédito para a compra de automóveis. Por que está tudo bem para os maus empréstimos no setor automobilístico e não no mercado hipotecário? Há alguma razão de princípio? Todos sabemos a resposta: não. Não há razões de princípio, há razões de dinheiro. São as contribuições para as campanhas eleitorais, a troca de favores, as portas giratórias entre a política e os negócios, todas essas coisas.

O sistema está neste momento desenhado para estimular esse tipo de prática, apesar das multas [a referência é o ex-executivo da Countrywide, Angelo Mozillo, que acaba de pagar 10 milhões de dólares de multa, uma ínfima parte do que ganhou fradulentamente, porque ganhou centenas de milhões de dólares].

Conheço muita gente que diz: é um escândalo que tenhamos tido mais supervisão, controle e prestação de contas nos anos 80, quando se deu a crise de crédito e o arrocho, do que agora. Sim, aplicamos multas neles. E qual é a grande lição que se tira disso? Comporta-te mal, e o governo ficará com 5% ou 10% dos lucros mal havidos, que estarás muito tranquilo em casa, com várias centenas de milhões de dólares que ainda restarão para ti, depois de pagares umas multas que parecem enormes, mas que na verdade são muito pequenas em relação à quantidade de dinheiro que conseguiste embolsar.

O sistema está configurado de tal modo, que mesmo que te peguem, o castigo é apenas uma ínfima parte do que levas para a tua casa. A multa é apenas um custo a mais do negócio. É como uma multa de estacionamento. Às vezes decides estacionar mal sabendo que levarás uma multa, porque começar a dar voltas ao redor do estacionamento leva muito tempo.

Eu acredito que deveríamos fazer o que fizemos nos anos 80, com a crise de crédito e o com o arrocho, e pôr na cadeia um bom número destes tipos. Acredito nisso absolutamente. Não são apenas delitos de colarinho branco, ou pequenos incidentes. Há vítimas reais. É disso que se trata. Houve vítimas no mundo inteiro.

Ou acreditamos que esses tipos que nos meteram no atual estado de coisas mudaram realmente de atitude? Muito pelo contrário. Escutei alguns discursos que diziam: “Na verdade, não fez nada de realmente errado. Não fizemos as coisas muito bem. Mas nossa compreensão desses assuntos é bastante razoável”. Se pensam de verdade isso, estamos numa confusão realmente tremenda.

[A dissuasão do delito] tem aspectos distintos. Os economistas se concentram inteiramente na ideia dos incentivos. Às vezes as pessoas têm incentivos para se comportarem mal, porque podem ganhar mais dinheiro se dão calote ou se metem em atividades fraudulentas. Se queremos que nosso sistema econômico funcione, temos de nos assegurar de que nosso sistema econômico funcione, temos de nos assegurar de que o ganho com a fraude seja anulado pelo sistema de castigos e multas.

Por isso, no caso de nossa legislação anti-oligopólica, amiúde não detemos as pessoas quando elas se comportam mal, mas quando o fazem e podemos dizer que há danos constatáveis. Então, pagam três vezes o dano que causaram. É uma forma muito radical de dissuasão.

Desgraçadamente, o que estamos fazendo agora no caso desses delitos financeiros recentes são muitas frações – frações! – do dano direto causado, e uma fração ainda menor do dano social total. Quer dizer, o setor financeiro levou verdadeiramente o a economia global à bancarrota, e se levarmos em conta todos os danos colaterais, estamos falando já realmente de bilhões de dólares.

Mas se pode falar num sentido ainda mais amplo de dano colateral, ao qual não se tem prestado atenção. É a confiança em nosso sistema jurídico, no império da lei e do Estado de Direito, em nosso sistema de justiça. Quando se faz o Juramento de Lealdade [constitucional nos EUA], diz-se “justiça para todos”. Pois bem: as pessoas não têm segurança de que tenhamos justiça para todos. Alguns são detidos por algum delito menor de droga, e dão com os ossos no cárcere por muito tempo; mas quando se trata dos chamados delitos do colarinho branco, que não deixam de ter vítimas, quase nenhum dos sujeitos que os perpetram acaba atrás das grades.

***
Permita-me um outro exemplo que ilustra até que ponto nosso sistema jurídico descarrilhou, contribuindo para a crise financeira.

Em 2005 aprovamos uma reforma do processo de falência. Foi uma reforma defendida pelos bancos. Foi concebida para permitir legalmente o empréstimo – o mal empréstimo – a pessoas que não entendiam do assunto e basicamente destinada a estrangulá-las. A espoliá-las. E poderíamos tê-la chamado com justiça de “a nova lei de servidão permanente”. Porque é o que era, na realidade.

Permita-me que conte brevemente o quanto má era essa reforma. Não acredito que os estadunidenses entendam até que ponto era tão má. Ela realmente torna muito difícil que as pessoas consigam liberarem-se da dívida. O princípio básico nos EUA do passado era as pessoas terem o direito de começar bem a vida. As pessoas cometem erros. Especialmente quando são presas de espólio. E então têm direito a voltar a começar bem. Apaga-se a conta e se começa uma nova. Paga o que pode e volta a começar. Agora, se o fazes mais de uma vez, então é outra coisa. Mas ao menos, enquanto andam soltos esses emprestadores predadores, deverias conservar o direito de voltar a começar sem encargos.

No entanto, os bancos dizem: “Não, não e não; não podes liberar-te de tua dívida”, ou não podes livrar-te dela tão facilmente.

***

Essa é a servidão permanente. E criticamos os outros países por permitirem esse tipo de servidão duradoura, o trabalho escravo. Mas nos EUA instituímos isso em 2005, sem sequer promover um debate público sobre as consequências. O que essa lei fez foi animar os bancos a realizarem empréstimos ainda piores.

***
Os bancos pretendem que acreditemos que não fizeram empréstimos ruins. Negam-se a aceitar a realidade. É um fato que alteraram os critérios contábeis, de modo que os empréstimos prejudicados pela incapacidade dos devedores de pagarem o que devem se contabiliza da mesma maneira que as hipotecas que são pagas em bom prazo e sem mora.

De modo que toda a estratégia dos bancos consistiu em esconder as perdas, seguir enganando e em conseguir fazer com que o governo mantenha os taxas de juros realmente baixas.

***

Resultado: se toleramos essa estratégia, terá de se passar muito tempo antes que a economia se recupere.

Tradução: Katarina Peixoto



Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17257

A via brasileira

22/11/2010

Por Emir Sader


Havia dois horizontes para as elites brasileiras: o Estado de bem estar social europeu ou o dinamismo e a afluência ao consumo dos EUA. O primeiro estava identificado com civilização e com estabilidade. O segundo, com dinamismo e modernização.

O getulismo tinha sido nosso modelo de bem estar social, com o Estado assumindo responsabilidade sobre o desenvolvimento econômico e os direitos dos trabalhadores. Foi sempre repudiado pelas elites que, mesmo beneficiadas pela expansão industrial propiciada pelos governos, manteve sempre repúdio a Getúlio, por não se considerar representada politicamente nele. O modelo de aliança de classes que Getúlio representava, com expansão do mercado interno e base popular de apoio, nunca foi digerido nem sequer pela burguesia industrial.

Mesmo JK - claramente mais moderado no estilo de liderança política -, além da hegemonia econômica que passou a estar em mãos do capital estrangeiro, com a instalação do parque automobilístico, nunca foi de agrado, por exemplo do grande empresariado paulista. (JK ficou em terceiro lugar nas eleições de 1955, atrás de Adhemar de Barros e do candidato udenista, Juarez Távora.)

O governo Jango já se instalou quando o impulso econômico apresentava sinais de esgotamento, com uma grande pugna redistributiva entre trabalhadores e grande empresariado tomando conta do cenário político e refletindo-se em brote inflacionário. A resolução do conflito se deu pela via violenta (“A burguesia prefere um fim com violência do que uma violência sem fim”, dizia Marx no XVIII Brumário.). O modelo instalado cortou bruscamente o processo de distribuição de renda com expansão do mercado internacional, favorecendo a acumulação de capital centrada no consumo da alta esfera do mercado e na exportação. O arrocho salarial e a intervenção em todos os sindicatos produziu uma lua de mel para o grande capital nacional e internacional, que nunca ganhou tanto como na ditadura.

O eixo de referência da elite se unificava em torno do modelo norteamericano de livre comércio, de competição, de crescimento com exclusão social e concentração de renda, de dinamismo do capital internacionalizado. O tema do bem estar social desapareceu, o desenvolvimento foi assimilado à expansão do grande capital internacionalizado, o mercado interno de consumo popular ficou deprimido.

A redemocratização foi atropelada pela crise de 1979/1980, quando a economia deixou de crescer –praticamente pela primeira vez desde 1930 -, e a crise da dívida fez a economia funcionar em função da exportação para arrecadar recursos para pagar a divida – multiplicada pela crise. Desenvolvimento e bem estar social ficaram relegados.

A década neoliberal enterrou de vez o desenvolvimento, promovendo a estabilidade monetária a objetivo central. A democratização não trouxe nem retomada da expansão econômica, nem melhoria social da massa da população. O neoliberalismo institucionalizou essa tendência, na expectativa que o controle da inflação se refletiria nas condições sociais da população. O que foi imediatamente verdade, até que esse impulso se esgotou, a economia, por sua vez, foi jogada na maior recessão dos últimos tempos e a situação social do povo voltou a se degradar fortemente.

A social democracia tinha chegado ao governo na era da sua conversão ao neoliberalismo – a começar pela França e pela Espanha, referencias centrais dos tucanos. Não trouxe o Estado de bem estar social, mas o modelo mais mercantilista que tínhamos conhecido.

Com o governo Lula, a superação da crise foi feita mediante um novo modelo, que foi sendo construído aos poucos. Que incorporou o consenso nacional de controle da inflação, mas não fez dele o centro do modelo, apenas uma de suas dimensões. A especificidade do novo modelo foi a retomada do crescimento econômico estruturalmente articulado com a expansão do mercado interno do consumo de massas, requerendo portanto políticas sociais e papel indutor do crescimento e da garantia dos direitos sociais pelo Estado. O Brasil vai construindo assim seu próprio caminho de desenvolvimento histórico.

Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=626

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Brasil e Argentina criam embaraços para EUA e Israel

Saiu na Folha a notícia sobre a decisão da Argentina de acompanhar o Brasil e reconhecer os limites do Estado palestino com eram antes de 1967.

http://www1.folha.uol.com.br/mundo/841535-argentina-reconhece-estado-palestino-em-fronteiras-de-1967-israel-critica-medida.shtml

Essa notícia foi a manchete do jornal da noite da televisão francesa, o France 24H.

Clique aqui para ler “O Brasil segue os BRICs e reconhece o Estado Palestino de antes de 67.”

A iniciativa brasileira altera o jogo de forças na América Latina e cria embaraços para o Governo Ultra-Conservador de Bibi Netanyahu.

Cria também embaraços para a diplomacia americana sempre contou com a América Latina como força subsidiária de sua insustentável diplomacia no Oriente Médio.

A posição brasileira não vai mudar a relação de forças.

Mas, o gesto ousado e, de novo, pioneiro de Lula e Celso Amorim redefine a posição do Brasil em relação aos Estados Unidos.

Breve, o PIG (*) se estrebuchará contra a Argentina, como já fez contra o Brasil.

Não avisaram ao PIG (*) que o Muro de Berlim caiu e o Brasil ficou mais forte.

Paulo Henrique Amorim

(*) Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político – o PiG, Partido da Imprensa Golpista.


Fonte: http://www.conversaafiada.com.br/mundo/2010/12/07/brasil-e-argentina-criam-embaracos-para-eua-e-israel/

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Serra fala de homossexuais em culto evangélico

Marcos Coimbra: A cara do governo

por Marcos Coimbra, no Correio Braziliense

A reação de parte da imprensa às informações sobre a composição do governo Dilma é curiosa. Em alguns veículos, chega a ser cômica.

Outro dia, um dos jornais de São Paulo estampou em manchete que Dilma estava “montando o núcleo de seu ministério com lulistas”. O que será que o editor imaginava? Que ela fosse recrutar “serristas” para os postos-chave de sua administração?

Como ensinam os manuais do jornalismo, essa não é uma notícia. Ou será que algo tão óbvio merece destaque? “Cachorro come linguiça” não é um título para a primeira página. No dia em que a linguiça comer o cachorro, aí sim a teremos uma notícia (que, aliás, deverá ser impressa em letras garrafais).

Na mesma linha, um jornal carioca achou que era necessário alertar os leitores para o fato de que “Lula está indicando várias pessoas para o governo Dilma”. Em meio a estatísticas sobre quantos nomes já havia emplacado, a matéria era de franca desaprovação.

Na verdade, tanto nessa, quanto na manchete do jornal paulista, estava implícita quase uma denúncia, como se um duplo mal-feito estivesse sendo cometido. Por Lula, ao “se meter” na formação do novo governo, ao “tentar interferir” onde, aparentemente, não deveria ter voz. Por Dilma, ao não reagir à intromissão e o deixar livre para apontar nomes.

Quem publica coisas assim dá mostras de não ter entendido a eleição que acabamos de fazer. Não entendeu como Lula, seu principal arquiteto, a concebeu, como Dilma encarnou a proposta, e como a grande maioria do eleitorado a assimilou.

Tudo mundo sabe que, quando Lula formulou o projeto da candidatura Dilma, a ideia central era de continuidade: do governo, de suas prioridades, de seu estilo. Ele nunca disse o contrário e insistiu no uso de imagens que caracterizavam, com clareza, o que ela representava. Para que ninguém tivesse dúvidas, chegou a afirmar que votar em Dilma era a mesma coisa que votar nele. Foi explícito nos palanques, nas declarações, na televisão.

Dilma sempre falou a mesma coisa. Mostrou-se à vontade como representante de Lula e do governo, seja por sua lealdade para com o presidente, seja pela boa razão de que o governo era dela também.

Apresentar-se ao país como candidata de continuidade nunca a deixou desconfortável, pois significava defender aquilo a que havia se dedicado nos últimos oito anos.

Isso foi bem entendido pelos eleitores. Desde o primeiro momento e até o fim da eleição, as pessoas olharam para Dilma sabendo qual era a natureza de sua candidatura. Muitas descobriram suas qualidades pessoais, mas o núcleo da decisão de votar em seu nome foi outro, como mostraram as pesquisas.

Ninguém votou em Dilma para que o “dilmismo” vencesse o “serrismo”. Só quem quis que a eleição fosse essa foi o próprio Serra, que sabia que perderia se o foco da escolha se alargasse, se os eleitores olhassem para o que cada candidato representava e não se limitassem a fazer a velha comparação de biografias.

Agora, quando Dilma escuta Lula na montagem do governo, ela apenas cumpre a promessa fundamental de sua candidatura, a razão principal (para alguns eleitores, a única) dela ter sido votada. Quando dá mostras de que manterá ministros e dirigentes, faz apenas o natural. Se, por exemplo, se comprometeu durante a campanha com a preservação de determinada política, porque razão não seria adequado que o responsável permanecesse?

O governo que está sendo organizado terá a cara da continuidade, política e administrativa. Terá a cara de Lula, do PT e das outras forças partidárias que venceram a eleição. Terá a cara da atual administração, que é aprovada pela maioria da sociedade. Terá a cara de Dilma, pois é ela que o chefiará.

É isso que foi combinado com o país.

Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi



Fonte: http://www.viomundo.com.br/politica/marcos-coimbra-a-cara-do-governo-dilma.html

Maria Inês Nassif: Divã para livrar o país da síndrome do quepe

2 de Dezembro de 2010

por Maria Inês Nassif, em Valor Econômico, via Vermelho


O período militar é um cadáver insepulto. A jovem democracia brasileira tem uma enorme dificuldade de lidar com seu passado. Nos momentos em que os conflitos políticos são de baixa intensidade, a tendência da sociedade é simplesmente jogar esse período negro da vida do país para debaixo do tapete. Quando são de média intensidade, o passado põe a cabeça de fora e lembra que continua no ar, como uma nuvem, e a chuva pode desabar a qualquer momento sobre nossas cabeças.

Em situações de grandes conflitos, como no recente período eleitoral, grupos sociais mais conservadores retiram do embornal um discurso que parece ter saído da boca de um general-presidente, com grande espaço para teorias conspiratórias dando conta de perigosas “ameaças comunistas”.

Como o uso do cachimbo normalmente entorta a boca, os movimentos políticos, desde o pré-64, voltam sempre para a lógica segundo a qual um lado sempre deve estar na ofensiva e o outro, na defensiva. A contaminação da oposição pelo velho udenismo trouxe junto o hábito de pedir a tutela dos quartéis, quando seu projeto político não consegue se viabilizar pelo voto.

Mas uma das coisas que alimenta a recaída permanente da elite brasileira ao conservadorismo – e ao militarismo – é o outro lado. O velho PSD, de Tancredo Neves, também permanece como padrão de comportamento político: a recusa a qualquer tipo de confronto, em especial quando pode resvalar na área militar. Os dois lados se alimentam de um consenso forjado sabe-se lá onde, de que a direita tem legitimidade para levar o confronto ao limite, enquanto, do centro à esquerda, os atores políticos tornam-se irresponsáveis se não estiverem sempre conciliando.

As Forças Armadas são peça central nas situações de confronto: não só assimilam apelos de tutela da democracia, como são a instituição que avaliza as pressões de um grupo minoritário – de direita – sobre o resto da sociedade. A lembrança do passado só vem à cena política quando serve a esse jogo de pressão.

O Ministério da Defesa, concebido teoricamente para submeter o poder militar às instituições democráticas, nem bem nasceu e parece estar contaminado pela visão udenista das Forças Armadas, que requer sempre uma ação pessedista, de conciliação, para evitar o pior. O ministro Nelson Jobim, que o governo Lula considera ter desempenhado um papel importante na consolidação do Ministério da Defesa, é tido como um ponto de equilíbrio não por ter assumido o comando das armas, mas por ter exercido um papel de mediador das pressões militares junto a um governo civil de esquerda.

O vazamento de documentos relativos ao ministro, pelo Wikileaks, trouxe à luz provas de que as forças militares continuam um capítulo à parte na história da democracia brasileira – e isso, mesmo quando o seu chefe é civil. Um ministro da Defesa que foi mantido e se fortaleceu nas brigas que comprou dentro do governo, com colegas mais comprometidos com visões não-conservadoras sobre os Direitos Humanos e sobre a forma de lidar com o passado autoritário do país, expôs as suas divergências com o Ministério das Relações Exteriores a ninguém menos que o embaixador dos Estados Unidos no Brasil.

Gentilmente, cedeu ao embaixador a informação, dada confidencialmente pelo seu chefe, o presidente da República, sobre o estado de saúde do presidente da Bolívia, Evo Morales. As inconfidências ganham os jornais dias depois de Jobim ter sido confirmado, na mesma pasta, para o próximo governo. Continua ministro de Lula e será o ministro de Dilma Rousseff.

O governo Dilma acena para a manutenção de uma situação em que o Ministério da Defesa – e portanto as Forças Armadas – não se integra a um governo legitimamente eleito, mas se mantém no governo com altíssimo grau de autonomia, graças a ondas de pânico criadas por grupos de direita. Paga o mico das inconfidências de “um ministro da Defesa invulgarmente ativo”, segundo definição do próprio Sobel em um de seus telegramas.

A falta de reação a ofensivas da direita tem seu preço. As Forças Armadas são um terreno fértil à pregação conservadora e a absorve com rapidez e clareza. Não deve ser à-toa que, depois de um processo eleitoral particularmente radicalizado – onde prevaleceu a lógica do udenismo que confronta e apela aos quartéis e do pessedismo que concilia — que a turma que se forma este ano na Academia Militar de Agulhas Negras (Aman) tenha se batizado com o nome do general Emílio Garrastazu Médici, presidente militar do período mais sangrento da ditadura.

Os militares se retiraram para os quartéis, mas é evidente que continuaram reproduzindo internamente uma ideologia altamente conservadora, que não afasta o papel de tutela sobre a sociedade civil. Isso aconteceu porque não houve uma contra-ofensiva capaz de colocar outra visão sobre o papel dos militares na sociedade e fazê-la dominante. A discussão do aprimoramento da democracia deve passar por uma profunda revisão do papel das Forças Armadas e por uma integração, de fato, da instituição nos esforços democráticos da sociedade.

A propósito: as consultas sobre os processos contra os adversários políticos da ditadura instruídos pela Justiça Militar podem ser consultados na Unicamp, que recebeu todos os arquivos reunidos pelo grupo Tortura Nunca Mais, abrigado na Arquidiocese de São Paulo, durante a ditadura. O grupo copiou os processos na Justiça Militar e, com base neles, fez um importante trabalho de denúncia de torturas e assassinatos de opositores políticos do regime. O trabalho final do grupo assume como legítima a ideia de que as denúncias de tortura por parte dos presos políticos, feitas no período à Justiça Militar, tornam sem valor as informações obtidas por esses meios. Para saber o que fizeram os presos políticos para se tornarem presos políticos, é mais garantido que se pergunte isso a eles hoje. Na democracia e em liberdade.

* Repórter especial de Política, para o jornal Valor Econômico



Fonte: http://www.viomundo.com.br/politica/maria-ines-nassif-diva-para-livrar-o-pais-da-sindrome-do-quepe.html

Associação Juízes pela Democracia: À margem da lei todos são marginais

2 de dezembro de 2010 às 13:18


Nota Pública

A ASSOCIAÇÃO JUIZES PARA A DEMOCRACIA – AJD, entidade não governamental e sem fins corporativos, fundada em 1991, que tem por finalidade estatutária o respeito absoluto e incondicional aos valores próprios do Estado Democrático de Direito, em consideração às operações policiais e militares em curso no Rio de Janeiro, vem manifestar preocupação com a escalada da violência, tanto estatal quanto privada, em prejuízo da população que suporta intenso sofrimento.

Para além da constatação do fracasso da política criminal relativamente às drogas ilícitas no país, bem como da violência gerada em razão da opção estatal pelo paradigma bélico no trato de diversas questões sociais que acabam criminalizadas, o Estado ao violar a ordem constitucional, com a defesa pública de execuções sumárias por membros das forças de segurança, a invasão de domicílios e a prisão para averiguação de cidadãos pobres perde a superioridade ética que o distingue do criminoso.

A AJD repudia a naturalização da violência ilegítima como forma de contenção ou extermínio da população indesejada e também com a abordagem dada aos acontecimentos por parcela dos meios de comunicação de massa que, por vezes, desconsidera a complexidade do problema social, como também se mostra distanciada dos valores próprios de uma ordem legal-constitucional.

O monopólio da força do Estado, através de seu aparato policial, não pode se degenerar num Estado Policial que produz repressão sobre parcela da população, estimula a prestação de segurança privada, regular e irregularmente, e dá margem à constituição de grupos variados descomprometidos com a vida, que se denominam esquadrões da morte, mãos brancas, grupos de extermínio, matadores ou milícias.

Por fim, a AJD reafirma que só há atuação legítima do Estado, reserva da razão, quando fiel à Constituição da República.


Fonte: http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/associacao-juizes-pela-democracia-a-margem-da-lei-todos-sao-marginais.html

terça-feira, 30 de novembro de 2010

COMO O PSDB RECUOU DO IMPEACHMENT EM 2005



LULA MANDOU AVISAR:
'ELES NÃO SABEM O QUE VAI ACONTECER NESTE PAÍS'

"...Este país já tinha criado as condições para o Getúlio Vargas se matar, este país já tinha ameaçado não deixar Juscelino competir (...) Depois, este país cassou o João Goulart. Eu falei: o que eles vão aprontar comigo? E eles tentaram, em 2005, eles tentaram, em 2005. Só que eles não sabiam que, pela primeira vez, este país tinha eleito um presidente que era a encarnação do povo lá em Brasília.... E, aí, nós fomos para a rua e eles perceberam ... Eu lembro de uma vez que o Sarney foi conversar comigo, eu falei: “Presidente Sarney, eu só quero que o senhor diga lá dentro, para os senadores, o seguinte: se eles tentarem dar um passo além da institucionalidade, eles não sabem o que vai acontecer neste país. Este país teve presidente que foi embora, este país teve presidente que se matou, este país teve presidente que foi cassado e saiu do Palácio. Eu, eles vão saber que eu sou diferente. Eles vão saber, eles vão saber, eles vão saber que não é o Lula que está na Presidência, eles vão saber que a classe trabalhadora brasileira é que chegou à Presidência da República..." (Presidente Lula, em discurso no Maranhã; 01-12)

Fonte: Carta Maior

Vazamento do Wikileaks causa mais constrangimento do que riscos aos EUA, dizem analistas

30/11/2010 - 07:44 | Carolina Cimenti | Nova York

A revelação pelo Wikileaks dos mais de 250 mil relatórios produzidos por funcionários do governo norte-americano em todo o mundo entre 2003 e fevereiro de 2010 provocou um desconforto diplomático internacional, porém, não terá qualquer impacto na segurança de funcionários dos Estados Unidos ao redor do mundo, na opinião de especialistas entrevistados pelo Opera Mundi.

A afirmação contraria o que a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton e congressistas dos EUA disseram ontem (29/11) após o escândalo, que os fundadores da organização “têm as mãos sujas de sangue por criarem riscos a diplomatas e agentes de inteligência”. O senador Peter King chegou a pedir a Hillary que inclua o Wikileaks na lista de terroristas internacionais.

Para Stephen Zunes, professor de Política Internacional na Universidade de São Francisco, os documentos e vídeos publicados anteriormente pelo mesmo site, falando sobre segredos de guerra no Afeganistão e no Iraque, eram muito mais perigosos para a segurança das pessoas envolvidas e que “dessa vez, se criou uma situação desconfortável para o governo e seus diplomatas, mas não coloca ninguém em risco.”

Leia mais:
EUA condenam vazamento de documentos pelo Wikileaks
Wikileaks: embaixador dos EUA diz que golpe em Honduras 'foi ilegal'
Países árabes e Israel pediram aos EUA que atacassem Irã, diz Wikileaks
Wikileaks: em troca de abrigo a presos de Guantánamo, EUA ofereceram visita de Obama e dinheiro

Alison Peters, professora de Relações Internacionais da Universidade de Nova York e especialista em diplomacia, contou que mais de 500 mil pessoas tinham acesso aos documentos diplomáticos confidenciais que foram publicados pelo Wikileaks. "Depois dos atentados de 11 de setembro, ficou claro que o grande erro da inteligência e da diplomacia norte-americana foi a falta de comunicação entre as agências. Para remediar esse problema, foi criado um novo: a falta de segurança para informações confidenciais."

"Se você tem um segredo e quase um milhão de pessoas têm acesso irrestrito a ele, já não é mais um segredo", disse.

Zunes passou os últimos anos pesquisando arquivos diplomáticos em Washington. Segundo ele, o que foi publicado pelo Wikileaks é muito parecido com o que lê diariamente. "No entanto, eu pesquiso documentos com pelo menos 30 anos de idade, e com o tempo o impacto é bem menor. Ler esse tipo de comentários feitos por diplomatas que ainda são embaixadores e ainda estão nos países onde esses comentários foram feitos, cria uma situação infinitamente mais delicada.”

Para os especialistas é evidente que algumas regras terão que mudar a partir de agora. "Nem tudo está perdido. Entre as informações que vazaram não há nada classificado como 'top secret'. Mesmo assim, é uma situação extremamente embaraçosa para o governo. Imagino que um sistema paralelo, com menos participantes, terá que ser criado para evitar que isso se repita no futuro", afirmou Peters.

"Existe uma série de diplomatas furiosos com o governo, principalmente o anterior, do ex-presidente George W. Bush, por tê-los obrigado a cumprir algumas funções de inteligência, reunindo informações especiais", explicou Zunes. "De certa forma, a publicação desses documentos é ainda uma reação contra o ex-presidente, por ele ter mentido tanto para justificar suas ações, como a guerra no Iraque.”

Leia mais:
Justiça da Suécia confirma ordem de prisão para fundador de Wikileaks
Análise: Uma guerra ao Wikileaks?
Justiça sueca retira ordem de prisão contra fundador do Wikileaks
ESPECIAL: Escândalo do Wikileaks reativa debate sobre a guerra no Iraque
Eleição legislativa nos EUA pode mudar os rumos da política no país
Documentos dos EUA revelam mortes de civis e missões secretas no Afeganistão
Wikileaks: Militares dos EUA mataram 680 civis iraquianos em postos de controle

Reduzindo o impacto

O governo norte-americano passou toda a segunda-feira tentando remediar o embaraço criado. Hillary afirmou que a publicação de 250 mil documentos confidenciais do Departamento de Estado dos EUA não representa somente um ataque à diplomacia do país, mas sim à toda a comunidade internacional. Ela também relatou que encontrou bom humor em uma conversa realizada com o oficial de um outro país, quando ele disse: "Não se preocupe, você não pode imaginar o que nós falamos de vocês".

Porém, entre diplomatas estrangeiros nos EUA, o dia foi de silêncio total. Além de duas ou três linhas oficiais demonstrando apoio ao governo dos EUA, diplomatas não quiseram comentar as informações publicadas. Opera Mundi contatou as embaixadas do Reino Unido, Arábia Saudita, Rússia, Itália e França, mas nenhuma delas quis comentar o vazamento.

O porta-voz da embaixada paquistanesa em Washington, Abdul Basit, afirmou que seu país não considera verdadeiros os arquivos do Wikileaks. "A veracidade desses documentos ainda deve ser comprovada". Basit negou que Islamabad tenha vendido ou transportado material nuclear ao Irã, conforme diz um dos arquivos vazados no domingo. "O nosso programa de energia nuclear existe desde os anos 1960 e ninguém, além dos engenheiros paquistaneses, pode tocá-lo", disse Basit, que não quis falar sobre os supostos comentários negativos do rei saudita Abdullah sobre o presidente paquistanês. "O Paquistão e a Arábia Saudita têm uma relação de respeito e irmandade, esse documento não vai modificar isso", concluiu.

Espionagem na ONU

Uma das afirmações mais delicadas para Washington foi a de que Hillary Clinton teria pedido a diplomatas na ONU (Organização das Nações Unidas) que investigassem o secretário-geral da organização, Ban Ki Moon, e outros alto funcionários. Em um comunicado oficial, a ONU também levantou dúvidas sobre a veracidade dos documentos, mas lembrou que a convenção que estipulou a criação da organização garante imunidade e privilégios.

A assistente do porta-voz de Ban Ki Moon, Eri Kaneko, disse que a ONU planeja realizar uma investigação rigorosa para descobrir se as informações vazadas pelo Wikileaks são verdadeiras. Kaneko não quis comentar o que a ONU planeja fazer depois disso, caso as informações sejam comprovadas.


Fonte: http://operamundi.uol.com.br/noticias/VAZAMENTO+DO+WIKILEAKS+CAUSA+MAIS+CONSTRANGIMENTO+DO+QUE+RISCOS+AOS+EUA+DIZEM+ANALISTAS_7912.shtml

Aula de imperialismo contemporâneo

30/11/2010

Por Emir Sader

Os EUA se tornaram uma potência imperial na disputa pela sucessão da Inglaterra como potência hegemônica, com a Alemanha. As duas guerras mundiais – tipicamente guerras interimperialistas, pela repartição do mundo colonial entre as grandes potências, conforme a certeira previsão de Lenin – definiram a hegemonia norteamericana à cabeça do bloco de forças imperialistas.

No final da Segunda Guerra, os EUA tiveram que compartilhar o mundo com a URSS – a outra superpotência, não por seu poderio econômico, mas militar, que lhe dava uma paridade política. Foi o período denominado de “guerra fria”, que condicionava todos os conflitos em qualquer zona do mundo, que terminavam redefinidos no seu sentido no marco do enfrentamento entre os dois grandes blocos que dominavam a cena mundial.

Nesse período os EUA consolidaram seu poderio como gendarme mundial, poder imperial que tinha se iniciado na América Latina e o Caribe e que se estendeu pela Europa, Asia e Africa. Invasões, ocupações, golpes militares, ditaduras – marcaram a trajetória imperial norteamericana. Montaram o mais gigantesco aparelho de contra inteligência, acoplado a um monstruoso aparato militar.

Terminada a guerra fria, com a desaparição de um dos campos e a vitória do outro, esses mecanismos não foram desmontados. A OTAN, nascida supostamente para deter o “expansionismo soviético”, não foi desmontada, mas reciclada para combater os novos inimigos: o “terrorismo”, o “islamismo”, o “narcotráfico”, etc.

Os documentos publicados confirmam tudo o que os aparentemente paranoicos difundiam sobre os planos e as ações dos EUA no mundo. Eles são a única potência global, aquela que tem interesses em qualquer parte do mundo e, se não os tem, os cria. Que pretende zelar pela ordem norteamericana no mundo, a todo preço – com ameaças, ataques, difusão de noticias falsas, ocupações, etc., etc.

Qualquer compreensão do mundo contemporâneo que não leve em conta, como fator central a hegemonia imperial norteamericana, não capta o essencial das relações de poder que regem o mundo. A leitura dos documentos é uma aula sobre o imperialismo contemporâneo.



Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=632

Imperialismo dos EUA está em xeque, diz vice do Parlasul

A Comissão de Relações Exteriores da Câmara vai debater a situação gerada pelo vazamento de documentos secretos da diplomacia norte-americana no site WikiLeaks. O deputado Dr. Rosinha (PT-PR), vice-presidente do Parlamento do Mercosul (Parlasul), defendeu uma análise detalhada do problema pelo colegiado. “O vazamento dos documentos é um fato extraordinário, que mexe com a hegemonia política dos EUA e põe em xeque o imperialismo norte-americano”, diz o parlamentar.

“Mas é preciso cautela, para separar o que é achismo e o que é fato real, como a atuação dos EUA para desestabilizar regimes ou pessoas públicas que contrariem ou questionem os interesses de Washington”, disse o parlamentar.

O site WikiLeaks divulgou 251.287 documentos secretos que revelam os bastidores das diplomacia dos EUA. Entre os arquivos, pelo menos 1.947 referem-se ao Brasil, com base em informações enviadas pela embaixada dos EUA no país.

Há, no conjunto do material, despachos de embaixadas e consulados, transcrições de conversas entre autoridades, ordens internas e outros registros. O vazamento histórico foi condenado pelo governo norte-americano, que acusou o site de “colocar em risco vidas de americanos e aliados” do país.

Golpe em Honduras

O deputado Dr. Rosinha chamou a atenção para o fato de que um dos documentos revela que Washington não tem dúvida de que em Honduras, em junho de 2009, houve um golpe de Estado contra o então presidente, Manuel Zelaya.

Diz um trecho que “os militares, a Corte Suprema e o Congresso Nacional conspiraram no dia 28 de junho no que constituiu um golpe ilegal e inconstitucional contra o Executivo”. “Não há dúvida de que deste nossa perspectiva de que a chegada ao poder de Roberto Micheletti foi ilegítima”. Em outro trecho, “…os argumentos apresentados por Micheletti e pelos militares e políticos golpistas “não tem nenhuma validez substancial” e agrega que “algumas são abertamente falsas”.

O parlamentar do PT assinalou que o vazamento deixou clara a legitimidade da condenação do golpe em Honduras pelo governo Lula , que foi criticado pela mídia e pela oposição brasileira, além de seus aliados direitistas da América Latina e dos EUA. “Como é que ficam esses setores agora, diante de uma informação importante como esta?”, questionou Dr. Rosinha.

No caso do Brasil, conforme publicou a Folha de S. Paulo, um dos documentos diz que a Polícia Federal “frequentemente prende pessoas ligadas ao terrorismo, mas os acusa de uma variedade de crimes não relacionados a terrorismo para evitar chamar a atenção da imprensa e dos altos escalões do governo”. O trecho do documento secreto é de 8 de janeiro de 2008 e foi escrito pelo então embaixador dos Estados Unidos em Brasília, Clifford Sobel.

Para o vice-presidente do Parlasul, o vazamento poderá mudar a história da diplomacia mundial. “O debate sobre essa enorme quantidade de documentos poderá ter implicações na forma diplomacia e na política externa dos EUA, a depender da extensão e comprovação do teor dos documentos”, disse o deputado.



Fonte: http://www.cartacapital.com.br/politica/imperialismo-dos-eua-esta-em-xeque-diz-vice-do-parlasul

Saudades do Império e de Bob Fields

No "Fórum da Liberdade", dividindo palco com elogios ao liberalismo, o príncipe Bertrand de Orleans e Bragança estrela seminário em defesa das “liberdades”. Texto e foto: Felipe Corazza

Logo na chegada a Belo Horizonte, pelo caminho que sai do aeroporto de Confins, um outdoor gigante informa: “Surge um novo líder”. Antonio Anastasia, governador eleito do estado. O imenso cartaz é pago pela prefeitura da vizinha Vespasiano. O “novo líder” é um dos participantes ilustres do Fórum da Liberdade – MG, promovido na capital mineira pelo Instituto Millenium e pelo Instituto de Estudos Empresariais na segunda-feira 22.

Na companhia do advogado Ives Gandra Martins, da senadora ruralista Kátia Abreu, do “príncipe” dom Bertrand de Orleans e Bragança e de outros palestrantes, Anastasia é a segunda atração do cardápio. A primazia na abertura fica para Roberto Civita, presidente do Grupo Abril, agraciado com o Prêmio Liberdade. O comitê que decide o destino da honraria é do próprio fórum. Acompanhado por seguranças e assessores, Civita chega ao hotel. Um assessor espana-lhe as caspas do paletó, antes da entrada no saguão.

A caminho da sala vip, Civita há de ter notado certos detalhes. Alguns indicavam que a militância da direita aprendeu com a esquerda. A banquinha de camisetas, CDs, adesivos e outros badulaques – indispensável em qualquer evento progressista – ocupa um canto na entrada do Fórum. Mas, no lugar de camisetas com imagens de Che Guevara, pode-se adquirir uma com a efígie de Roberto Campos, ex-ministro e embaixador da ditadura. Generosamente e atenta à evocação histórica, a camiseta cuida de apresentar Campos como Bob Fields, apelido que ganhou por sua afeição às ideias americanas.

Um grupo de jovens, que se autointitulam anarco-liberal, distribui panfletos e um teste para quem quer descobrir sua real posição política. Um dos jovens critica o próprio Fórum: “Os verdadeiros defensores da liberdade não estão aqui”.

Enquanto isso, na entrada do hotel Mercure, manobristas estacionam Mercedes, Porsches e Lexus. De vez em quando, um carro popular. Pouco antes da abertura do evento circulam pelo saguão, fardados e portando crachá vip, dois representantes do Corpo de Bombeiros da Polícia Militar mineira. Junta-se a eles na expectativa o ex-senador tucano Eduardo Azeredo. Um terceiro fardado chega em carro oficial da corporação. Apesar de ser uma viatura dos bombeiros, o veículo – identificado pelo código CBMG 0493 – é tranquilamente entregue ao manobrista.

Todos acomodados, começa o evento. Discursam os fundadores do Instituto de Estudos Empresariais, Silvia Araújo e Felipe Quintana. Ambos criticam o Estado, o “excesso de regulação”, a “burocracia ineficaz” e os “impostos absurdos”. Terminada a sessão, Civita sobe ao palco para receber o prêmio.

No discurso de agradecimento, loas ao empresariado, e mais algumas palavras mornas. O tom de voz grave, porém manso, altera-se um pouco apenas no final, quando entram na pauta as tentativas de regulação da mídia. São ameaças à liberdade, diz, para satisfação dos presentes. A peroração chega ao ápice com uma citação a Adam Smith: para o boss da Abril, a “mão invisível” do mercado há de regular a mídia. É aplaudido de pé, inclusive pela empolgada espectadora que, segundos depois, vira-se para um repórter e pergunta: “Esse aí que falou, quem é mesmo?”

Sucede a Civita no palco o governador Anastasia. É a primeira voz no recinto a defender um Estado forte – por motivos óbvios. Mas, para não perder totalmente o apoio da plateia, prega uma mudança radical nas estruturas burocráticas, profissionalização e eficácia. Governador da terra da Inconfidência, ele não se esquece da presença, entre os espectadores, de um herdeiro da família real, a quem faz uma saudação de súdito fiel: “Sua Alteza”.

“Sua Alteza” está no fórum para participar do painel Reforma Agrária: Progresso ou retrocesso. Vestido com apuro e com os cabelos grisalhos impecavelmente penteados, o autoproclamado nobre é acompanhado na tarefa pela senadora ruralista Kátia Abreu e pelo professor José Ambrósio Ferreira Neto, coordenador do Movimento Paz no Campo.

Neto é o primeiro a falar. Defende a reforma agrária “nos termos em que está na Constituição”. Quando diz que a reforma é um avanço, especialmente contra os latifúndios improdutivos, discretos protestos surgem entre o público, talvez vindos da plateia anarco-liberal. E o professor cede lugar no palco ao “príncipe”.

Bertrand começa por desautorizar a Carta Magna. Pudera, é a base da República. Para ele, a reforma agrária, “por mais que esteja na Constituição, é contra o direito natural. A propriedade privada é um direito natural que antecede o Estado”. Contra o argumento das terras improdutivas, a lógica é peculiar: “Se todos os produtores plantarem em 100% das terras, faltarão bocas para comer tanto alimento”. Em momento de humor, Bertrand arranca aplausos da plateia, ao chamar de “TerraBras” o programa de auxílio à agricultura familiar. Ao classificar os assentamentos de “favelas rurais”, vai adiante: “Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, logo, inteligente e capaz de decidir. O Estado não pode decidir o que o homem vai plantar ou fazer com suas terras”. Aplausos efusivos.

A senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação Nacional da Agricultura, soa ponderada ao assumir o microfone depois de “Sua Alteza”. Agradece o convite, evoca Azeredo, “que insistiu tanto” para que ela fosse a Belo Horizonte para o Fórum. A senadora não renega a reforma agrária, apenas exige que seja feita dentro “das regras estabelecidas”. Segue a mesma linha de dom Bertrand e elogia o direito de propriedade, ao qual atribui uma “origem maravilhosa”, e ataca o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra: “O MST usa a bandeira da reforma agrária como pretexto para uma bandeira revolucionária”.

Já se encaminhando para o fim do discurso, a senadora faz uma revelação bombástica para a plateia liberal: “Tenho lido sistematicamente Gramsci, para entender os que pensam diferente de mim”. As gargalhadas do distinto público quase impedem que Kátia Abreu termine a frase. Findo o libelo da senadora, o ex-presidente e príncipe dos sociólogos Fernando Henrique Cardoso prepara-se para subir ao palco e palestrar no encerramento do Fórum da Liberdade. Lá fora, os manobristas agitam-se em aquecimento para a trabalheira que se anuncia.



Fonte: http://www.cartacapital.com.br/destaques_carta_capital/saudades-do-imperio-e-de-bob-fields

Wikileaks: documento diz que MST e movimentos sociais são obstáculos a lei antiterrorismo no Brasil

30/11/2010 - 13:00 | Marina Terra




Um documento elaborado em novembro de 2008 pelo então embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Clifford Sobel, cita o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) e os movimentos socias como obstáculos à criação de uma lei antiterrorismo no Brasil.

O texto menciona o analista de inteligência estratégica na Escola Superior de Guerra André Luis Woloszyn (citado no documento como "Soloszyn"), que, em conversa com Sobel, disse que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, "repleto de militantes esquerdistas que tinham sido alvos de leis da era da ditadura militar criadas para reprimir a violência politicamente motivada", dificilmente promulgaria uma lei que poderia enquadrar atos de grupos com os quais simpatiza, pois "não existe maneira de redigir uma legislação antiterrorismo que exclua as ações do MST".

Além disso, a mensagem vazada pelo Wikileaks afirma que Brasília voltou atrás no desenvolvimento de uma legislação antiterrorismo por razões "políticas".

O MST ainda não se pronunciou sobre o assunto. De acordo com a assessoria de imprensa do movimento, o tema não foi debatido internamente.

A divulgação de mensagens das embaixadas e consulados dos EUA pelo mundo causaram grande constrangimento à diplomacia da Casa Branca. Foram numerosos os casos de críticas a dirigentes de vários países, escritas por representantes dos EUA ao redor do mundo, que se tornaram públicos.

Clique aqui para acessar o texto divulgado pelo Wikileaks.

De acordo com Soloszyn, poucos no governo e no Congresso brasileiro dão atenção para o tema do terrorismo, assim como para a existência de "potenciais bolsões de extremismo islâmico entre segmentos da grande comunidade muçulmana brasileira".

Leia mais:
EUA condenam vazamento de documentos pelo Wikileaks
Wikileaks: embaixador dos EUA diz que golpe em Honduras 'foi ilegal'
Países árabes e Israel pediram aos EUA que atacassem Irã, diz Wikileaks
Documentos revelam que Itamaraty é considerado inimigo da política dos EUA
Wikileaks: em troca de abrigo a presos de Guantánamo, EUA ofereceram visita de Obama e dinheiro

O analista brasileiro ainda sugere que o único fator que poderia modificar a "indiferença" com relação ao tema do terrorismo seria outra onda de violência como a que foi desencadeada no estado de São Paulo em 2006 pelo grupo criminoso PCC (Primeiro Comando da Capital).

Na época em que o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) elaborou anteprojeto de lei que trata dos crimes terroristas e de seu financiamento em território brasileiro, adversários da lei, como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), se pronunciaram.

Foi o caso do então presidente da organização, Cézar Britto, que afirmou em 2008 que a lei oferecia risco de restringir direitos humanos. “O problema de uma lei que não define o que é terrorismo é que ela pode ser aplicada em várias ações. Se não há uma definição clara do crime a ser punido, corre-se o risco de transformar em ato terrorista qualquer greve ou manifestação em que ocorra alguma ação de violência não prevista”.

Sem consenso

Sobel também conversou com José Antonio de Macedo Soares, secretário-assistente do Secretariado de Monitoramento e Estudos Institucionais do GSI, e o assessor do GSI Janer Tesch Hosken Alvarenga, que afirmaram ser "impossível" chegar a um consenso no governo em relação à definição de terrorismo. Alvarenga é quem disse a Sobel que a decisão de derrubar a proposta de uma legislação antiterrorismo foi "política".

Leia mais:
Análise: Uma guerra ao Wikileaks?
Justiça sueca retira ordem de prisão contra fundador do Wikileaks
Escândalo do Wikileaks reativa debate sobre a guerra no Iraque
Documentos dos EUA revelam mortes de civis e missões secretas no Afeganistão
Wikileaks: Militares dos EUA mataram 680 civis iraquianos em postos de controle

"Quando lhe foi pedido que confirmasse notícia publicada no jornal diário Correio Braziliense dando conta de que a ministra Dilma Rousseff (chefe-de-gabinete do presidente Lula na Casa Civil) teria derrubado a proposta, Alvarenga tergiversou, sugerindo que vários 'clientes' teriam contribuído para a decisão, incluindo o Ministério da Justiça. No final, ele não negou o relato do jornal, afirmando que a decisão tinha sido 'política'", detalha o documento elaborado pelo funcionário norte-americano.

Conclusão dos EUA

Após abordar o tema com funcionários do governo brasileiro, Sobel diz ser "lamentável" a falta de apoio a uma legislação antiterrorismo no Brasil e considera "plausível" a hipótese de que o impedimento ao desenvolvimento da lei tenha partido da Casa Civil.

"Tirando algumas agências voltadas a questões de segurança, este governo evidencia muito pouco interesse por questões ligadas ao terrorismo, muito menos por legislação que sua base de apoio não tem interesse em ver promulgada e que exigiria capital político considerável para ser aprovada no Congresso".

Para Sobel, o Brasil desenvolve uma abordagem "Al Capone" (mafioso que fez fortuna traficando bebidas nos EUA durante o período de vigência da Lei Seca, nos anos 1930, e foi condenado apenas por sonegação de impostos) contra o terrorismo, ao enquadrar " os terroristas com base em violações alfandegárias, fraude fiscal e outros crimes que, infelizmente, incorrem em penas de prisão menores".


Fonte: http://operamundi.uol.com.br/noticias/WIKILEAKS+DOCUMENTO+DIZ+QUE+MST+E+MOVIMENTOS+SOCIAIS+SAO+OBSTACULOS+A+LEI+ANTITERRORISMO+NO+BRASIL_7924.shtml

“Hay una demonización de Chávez”

Há uma demonização de Chávez. Isto é fato. Por isso começo esta publicação com as aspas do jornalista e escritor Eduardo Galeano, autor de “As veias abertas da América Latina”. Gaelano era um dos autores censurados no Brasil durante a Ditadura.

Em entrevista ao Jornal El País, ele afirma: “Antes Cuba era la mala de la película, ahora ya no tanto. Pero siempre hay algún malo. Sin malo, la película no se puede hacer. Y si no hay gente peligrosa, ¿qué hacemos con los gastos militares? El mundo tiene que defenderse. El mundo tiene una economía de guerra funcionando y necesita enemigos. Si no existen los fabrica. No siempre los diablos son diablos y los ángeles, ángeles. Es un escándalo que hoy, cada minuto, se dediquen tres millones de dólares en gastos militares, nombre artístico de los gastos criminales. Y eso necesita enemigos. En el teatro del bien y del mal, a veces son intercambiables como pasó con Sadam Husein, un santo de Occidente que se convirtió en Satanás”.

Uso Galeano como base para uma interpretação heterodoxa dos vídeos que se seguem. Nós, filhos do oligopólio midiático, temos medo de falar sobre Chávez. Do mesmo modo que muitos temiam (e ainda receiam) dizer que apoiam a terrorista-mor e comedora de criancinhas senhora Dilma Rousseff. Vivenciamos o império das agressões. No entanto, nesta entrevista para o programa “Hard Talk”, da BBC, foi de outro império que falou Chávez ao abrir o estômago ulcerígeno do jogo político internacional. “Hard” mesmo foi pro tal do Stephen, o jornalista. Os comentários são por minha conta.

Stephen questiona a eficácia do socialismo frente aos problemas econômicos da Venezuela. Chávez retruca: “eu acredito que mais problemas tenha a Inglaterra; e Espanha (ri); e em toda a Europa. É um desastre! Mais problemas há nos Estados Unidos do que aqui. Aqui temos um crescimento econômico de 7,8% do PIB nos últimos anos, para te dar um exemplo”.

‎(MAIS NA FRENTE) “Eu também acreditei na “Terceira Via”. É uma farsa! Eu pensei que era possível pôr uma ‘face humana’ no capitalismo. Mas me dei conta de que não. Estava equivocado. Em um sistema capitalista é impossível a democracia. Capitalismo é o reino da injustiça e a tirania do mais ricos sobre os mais pobres.”

(CITA ROUSSEAU:) “Between the powerful and the weak all freedom is oppressed”. (CONTINUA) “Por isso o único caminho para salvar o mundo é através do socialismo, o socialismo democrático”. Aqui não é ditadura. Eu sou eleito por três vezes… E quando o rico me tirou num golpe de estado, o povo me trouxe de volta ao poder. Eu sou um democrata. Governo com a legitimidade que me dá a maioria do povo. Esta é a palavra-chave: democracia, poder do povo.” (E CITA LINCOLN:) “é o poder do povo, pelo povo e para o povo”.

Stephen questiona se com a saída de Bush a relação da Venezuela com os EUA melhorou. Chávez responde: “eu espero que Obama se dedique a governar os Estados Unidos e esqueça suas pretensões imperialistas de controlar o mundo… Aqui na América Latina, na Colombia, estão instalando sete bases militares norteamericanas e este é um dos sinais muito negativos que Obama lançou logo no início de seu mandato…”

‎(MAIS NA FRENTE) “Bush decidiu em seu último ano de governo reativar a “Quarta Frota” para operar na América Latina, ameaçando, inclusive, incursionar em rios latinoamericanos. Agora, Obama devia ter suspendido isso. Do contrário, são sete bases militares só na Colombia. Se preparando para o quê? Para a guerra? Para dominar o continente latinoamericano?”

(QUESTIONADO SOBRE A RELAÇÃO COM O IRÃ) “Venezuela é um país livre e soberano para ter a relação política, diplomática, econômica com o país que a Venezuela quiser. E felizmente isto está ocorrendo hoje na maior parte dos países da América Latina e do Caribe. Por exemplo o Brasil, que também tem excelentes relações com o Irã e muitos outros países da AL. Não aceitamos ser uma colônia de ninguém, somos livres.”

Num dos melhores momentos de toda a entrevista, Stephen pergunta sobre o ex-ministro da defesa na Venezuela, Raúl Baduel, o fato d’ele ter sido amigo de Chávez por muito tempo, depois preso e contrário a ele. Chávez dispara: “Eu acho que você não sabe nada do que está dizendo. Acho que você não tem estudado bem a situação que estamos vivendo aqui. Desculpe, Stephen, você está falando sobre um corrupto. Cite qualquer outro exemplo menos este. Você não está aqui para defender a corrupção, certo? (ri!) A BBC em Londres defende a corrupção? Você defende a corrupção na Inglaterra? Onde estão as pessoas corruptas na Inglaterra? Você as ataca ou as defende?”

Stephen pergunta também sobre a hostilidade na relação da Venezuela com alguns países vizinhos. Chávez nocauteia again: “Bem, são conjunturas. São eventos… Na Europa, quantos problemas não há entre vocês, europeus? Havendo guerras e sendo destroçados ingleses e franceses, invadindo um povo e outro, sendo bombardeados, os alemães…? A história da Europa é uma história violenta. E de sangue e de morte. Que história essa que vocês têm! A nossa é uma história distinta. Somos um mundo colonizado que tem despertado agora.”

(CHEGANDO AO FIM) “Tudo que eu tenho de vida eu vou dedicar à revolução pacífica da Venezuela.” (CITA CHURCHILL:) “Sangue, suor e lágrimas”, fazendo referência ao estado em que pegou o país. (DEPOIS JIMMY CARTER:) “É o mais transparente do mundo”, se referindo ao sistema democrático venezuelano. (FINALIZA) “E digo mais, eu me habilito a ocupar qualquer papel que a revolução exija de mim. Desde presidente até professor de escola primária. Eu sou filho de uma revolução.”

Chávez e a Fox News

Repórter da FOX NEWS, leia-se, parte do império midiático de RUPERT MURDOCH (decorem esse nome), questiona Chávez quanto a sua amizade com Armadinejad. Chávez descasca: “Você de onde é?… Sabe como chamamos o pessoal da Fox News? Os estúpidos da Fox News! Você me pergunta sobre as mortes no Irã… e você, não tem visto as imagens do Iraque? Não tem visto como matam os soldados, as crianças… Você tem visto? Você tem visto isso? Você tem visto que teu canal de televisão tem tapado esse crime? Você não disse nada sobre o presidente que é um genocida, George Bush, que estão a apoiar. E estão criticando Obama porque ele é negro. Sua mente está cheia de veneno. Você não disse nada sobre o assassinato em Iraque, no Afeganistão e na América Latina… e não disse nada sobre o genocídio dos índios da América Latina. Vocês ocultam! Digam a verdade ao mundo. Eu sou amigo de meus amigos, mais nada.”



Fonte: http://www.cartacapital.com.br/internacional/hay-una-demonizacion-de-chavez

Wikileaks: documentos revelam que Itamaraty é considerado inimigo da política dos EUA

Opera Mundi 30 de novembro de 2010 às 11:29h

Mensagens confidenciais reveladas pelo grupo ativista Wikileaks, mostram que o governo norte-americano considera o MRE (Ministério das Relações Exteriores) do Brasil um adversário que adota uma “inclinação antinorte-americana”. Os telegramas foram divulgados no Brasil pelo jornal Folha de S.Paulo nesta terça-feira (30/11).

Os telegramas também mostram que, para os EUA, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, é um aliado, em contraposição ao Itamaraty. Jobim, que continuará no cargo durante o governo da presidente eleita, Dilma Rousseff, é elogiado e descrito como “talvez um dos mais confiáveis líderes no Brasil”.

Em documento enviado no dia 25 de janeiro de 2008, o então embaixador norte-americano em Brasília, Clifford Sobel, relata aos seus superiores como havia sido um almoço com Jobim dias antes. No encontro, o ministro brasileiro teria contribuido para reforçar a imagem negativa do MRE frente aos norte-americanos.

Indagado sobre acordos bilaterais entre os dois países, Jobim mencionou o então secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães. Segundo o relato de Sobel, “Jobim disse que Guimarães ‘odeia os EUA’ e trabalha para criar problemas na relação [entre os dois países]“.

Já em memorando datado de 13 de março de 2008, Sobel afirma que o Itamaraty trabalhou ativamente para limitar a agenda de uma viagem de Jobim aos EUA. Ao tratar sobre essa visita, realizada entre 18 e 21 de março de 2008, os EUA afirmaram que “embora existam boas perspectivas para melhorar nossa relação na área de defesa com o Brasil, a obstrução do Itamaraty continuará um problema”.

Combate ao terrorismo

Outros telegramas enviados pela embaixada dos EUA em Brasília para Washington revelam que, embora o governo brasileiro sempre tenha negado a existência de atividades terroristas no país, a polícia federal e a ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) seguem recomendações do serviço de inteligência norte-americano para realizar operações de combate ao terrorismo no país desde 2005.

“A Polícia Federal frequentemente prende indivíduos ligados ao terrorismo, mas os acusa de uma variedade de crimes não relacionados a terrorismo para não chamar a atenção da imprensa e dos altos escalões do governo”, segundo mensagem enviada por Sobel em janeiro de 2008.

De acordo com o relatório enviado a Washington, o general Armando Félix diz ser importante que as operações de anti-terrorismo sejam “maquiadas” para não afetar negativamente a “orgulhosa” e “bem-sucedida” comunidade árabe no Brasil, presente principalmente na Tríplice Fronteira entre Paraguai, Brasil e Argentina.

“A sensibilidade ao assunto resulta em parte do medo da estigmatização da grande comunidade islâmica no Brasil ou de que haja prejuízo para a imagem da região como destino turístico. Também é uma postura pública que visa evitar associação à guerra ao terror dos EUA, vista como demasiado agressiva”, afirmou Sobel, que ocupou o cargo de embaixador entre 2006 e 2010.

Pouco antes, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional havia agradecido o apoio dos EUA por meio do RMAS (Regional Movement Alert System), sistema que detecta passaportes inválidos, perdidos ou falsificados. A partir de informações do RMAS, a ABIN e a PF estariam monitorando “indivíduos de interesse” no país.

“Além das operações conjuntas, o governo brasileiro também está pedindo que filhos de árabes, muitos deles empresários de sucesso, vigiem árabes que possam ser influenciados por extremistas ou grupos terroristas”, diz o relato. Para Félix, é de total interesse da comunidade “manter potenciais extremistas na linha”, evitando assim chamar a atenção mundial para os árabes brasileiros.

Segundo o telegrama enviado pelo ex-embaixador Sobel em 8 de janeiro de 2008, a preocupação em não admitir atividades suspeitas de terrorismo seria maior ainda dentro do MRE que, assim como o governo brasileiro, considera o partido libanês Hezbollah e o palestino Hamas partidos legítimos, e não terroristas. Por isso, disse ele, o Brasil participa “relutantemente” das reuniões anuais sobre segurança que reúne diplomatas, oficiais de segurança e inteligência da Argentina, Paraguai e Brasil com os EUA para discutir segurança na fronteira.



Fonte: http://www.cartacapital.com.br/internacional/wikileaks-documentos-revelam-que-itamaraty-e-considerado-inimigo-da-politica-dos-eua

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

América Latina deve se preparar para crise mundial prolongada

Seminário internacional sobre o projeto do Banco do Sul, convocado pela presidência da República do Paraguai terminou com prognósticos compartilhados com relação ao fato de estarmos transitando em meio a "uma crise mundial prolongada" e advertência sobre o fato de que a "América Latina tem uma grande oportunidade", mas ficará em uma situação de "tremenda vulnerabilidade" se não tomar as precauções necessárias a tempo. Encontro também defendeu necessidade da participação dos movimentos sociais na defesa e na implementação do Banco do Sul .

Publicado originalmente em português no IHU-Unisinos

Com prognósticos compartilhados com relação ao fato de estarmos transitando em meio a "uma crise mundial prolongada" e advertência sobre o fato de que a "América Latina tem uma grande oportunidade", mas ficará em uma situação de "tremenda vulnerabilidade" se não tomar as precauções necessárias a tempo, terminou quinta-feira o seminário sobre o projeto Banco do Sul, convocado pela presidência da República do Paraguai.

Pedro Páez, ex-ministro coordenador de Políticas Econômicas do Equador, e Felisa Miceli, ex-ministra de Economia de Néstor Kirchner, foram os encarregados, respectivamente, do primeiro e último discurso da jornada. "Passaram-se seis anos desde que foram assinados os primeiros acordos para o Banco do Sul e, apesar de que ele já ter a sua ata fundacional, a sua capital e sua sede definidas e a colocação em funcionamento do Conselho de Administração, ele ainda não consegue ser uma realidade. Sem a pressão e o acompanhamento da sociedade, é impossível que os governos realizem esses projetos", destacou Miceli, responsável ainda do Centro de Estudos e Monitoramento de Políticas Públicas da Universidade das Mães da Praça de Maio.

A necessidade da participação dos movimentos sociais na defesa e na implementação de projetos como o Banco do Sul foi um dos eixos das intervenções da tarde no encontro de Assunção. Sua instalação como novo ator político na crise do neoliberalismo, como resposta a necessidades não satisfeitas pelo mercado, foi mencionada em várias intervenções.

Desempregados, comunidades aborígenes, agricultores, operários de empresas recuperadas, grupos microempreendedores e outras formas de organização social com experiências diversas e o papel que lhes cabe em uma nova construção política foram algumas das questões de debate entre os acadêmicos, profissionais e funcionários que participaram desse fórum.

Páez, um dos articuladores e projetista da proposta do Banco do Sul, traçou um quadro cru da crise mundial e de seu provável prolongamento e desenlace. "Não é uma crise financeira que se torna uma crise econômica. Também não é uma crise por corrupção de alguns banqueiros, nem produtos do ciclo endógeno de autodepuração do sistema: é uma crise do regime de acumulação, dos eixos fundamentais da economia atual, dos critérios de rentabilidade e de eficiência. Não é apenas uma crise das políticas neoliberais", assinalou o economista equatoriano, colaborador próximo do presidente do seu país, Rafael Correa.

Em seu diagnóstico, Páez deixou claro que as condições estão dadas para que haja impactos sobre a economia mundial mais graves do que os acontecidos em 2008. "Está desatada uma disputa pela hegemonia, na qual o eixo anglo-saxônico (Estados Unidos e Grã-Bretanha, defensores do dólar como moeda forte) está ferido de morte e, como não pode se recuperar, fará todo o possível para que os demais fiquem piores do que ele", assinalou. Ele defendeu que "o ataque especulativo lançado contra a Europa (e à sua moeda, o euro) entre maio e junho" foi uma demonstração dessa disputa. Ataque do qual resultaram, como resposta para defender o euro, as políticas de ajuste na Grécia, na Espanha, na França e agora na Irlanda.

O economista equatoriano também prognosticou novas bolhas financeiras produzidas pelas apostas especulativas que continuam sendo o fato dominante do sistema financeiro. "Das hipotecas subprime (sobre dívidas de propriedade de alto risco de inadimplência) passou, nos Estados Unidos, às prime e às dívidas soberanas (de países). A superacumulação de capital pela alta concentração continua buscando opções de rentabilidade das bolhas especulativas", assinalou Páez.

Felisa Miceli concordou no diagnóstico. "Quem está por trás das compras de hipotecas?", perguntou-se, para responder imediatamente: "As megacorporações emparentadas aos fundos de investimento. A crise tornou-se em uma maior concentração de recursos, que essa elite empresarial vai continuar derivando ao mercado financeiro. O aparecimento de bolhas financeiras vai ser recorrente. Um cenário muito escuro nos espera".

Ambos coincidiram na imperiosa necessidade de uma nova arquitetura financeira para a região, que permita blindar as economias latino-americanas e promova a integração. "O primeiro instrumento é o Banco do Sul, que não há razões para que não esteja funcionando", apontou Miceli.

Páez afirmou que uma nova arquitetura financeira, com um banco de desenvolvimento regional como primeiro passo, não é suficiente para libertar a região das consequências da crise, mas é uma condição "necessária" frente ao atual marco internacional. Lembrou também a proposta de um sistema de compensação de pagamentos recíprocos que liberte a região da dependência do dólar, mediante uma moeda comum "que não reproduza os defeitos do euro".

Mediante essa moeda, disse, deveria se fixar o valor dos produtos que socialmente se considere benéfico amparar. "Os preços internacionais de hoje não são os corretos, estão distorcidos pela especulação e os subsídios. Qual é o sinal que pode receber um produtor latino-americano para orientar sua produção a partir dessas cotizações? Ele pode tomar decisões de produção eficientes? Em favor do interesse de quem? Assuntos tão delicados como a produção de alimentos ficam subordinados aos vai-véns especulativos. É uma situação tremendamente frágil e implica em uma alta vulnerabilidade para nossas economias se permanecermos atados a ela", expôs o economista equatoriano.

A proposta do Banco do Sul fixa como objetivos a soberania alimentar, energética e de saúde, como áreas prioritárias para financiar e sobre as quais construir um novo modelo de desenvolvimento. Mas Felisa Miceli acrescentou que a América Latina deve assumir "um duplo desafio de integração, entre países desiguais, mas também atendendo as assimetrias internas". Ela assinalou o conflito de países como a Argentina, que, pelo Mercosul, deve atender as assimetrias com o Paraguai e o Uruguai, mas, quando o propõe, recebe a reclamação das províncias do Norte com situações sociais semelhantes às dos países vizinhos. "Se não conseguirmos gerar espaços complementares, é difícil que a soberania seja vista em termos concretos", advertiu

(*) Tradução IHU, de Moisés Sbardelotto



Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17222