quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Do Blog do Noblat

Do mensalão do PT ao do DEM

Acho curiosa a cobrança feita por vários comentaristas deste blog em cima da estudantada que foi às ruas de Brasília protestar contra o mensalão do DEM.

Os comentaristas perguntam por que ela não fez o mesmo quando estourou o caso do mensalão do PT.

Não fez por duas razões: porque a maioria dos estudantes que foi agora às ruas vota no PT ou no PSOL. E, convenhamos, porque os vídeos do mensalão do DEM mobilizam muito mais do que as revelações sobre o mensalão do PT.

Uma pergunta que deixo a esses comentaristas: por que os militantes do PSDB e do DEM não foram às ruas protestar contra o mensalão do PT?

Vai ver porque PSDB e DEM não têm militantes. Ou vai ver porque eles são acomodados.

2009: avanços de Nuestra América

A crônica do ano de 2009 constitui um rico terreno a ser explorado pela lupa de historiadores e cientistas políticos. Tanto no Brasil, como no restante da América Latina, o cotidiano político produziu um rosário de fatos relevantes capaz de revelar o que se passa nas engrenagens das sociedades da região. No geral, as tendências democráticas acumularam forças, ampliaram o seu âmbito de influência em detrimento das velhas ordens carcomidas, consolidando e conquistando posições. Honduras foi a exceção, que de tão bizarra, confirmou a regra de uma América Latina que expressa, de maneira patente, sua vocação democrática.

O resultado das eleições bolivianas prova, com a própria dinâmica, que o movimento real, no sentido da democracia concreta, é sinuoso e se desenvolve desigualmente. A "velha toupeira" trabalha infatigável e a reafirmação da nova ordem política mostra um continente em que trabalhadores, camponeses e indígenas recuperam as forças perdidas em batalhas anteriores, demonstrando a robustez de movimentos sociais extremamente articulados.

Não foi outro o motivo que levou Evo Morales, falando do Palácio do Governo, na Praça Murillo, a afirmar que" essa vitória foi um aviso do povo a governos anti-imperialistas", agradecendo aos bolivianos por lhe dar a oportunidade de continuar a trabalhar para a eqüidade e a unidade no país sul-americano.

O líder aymara sabe que a condição para o avanço da democracia em seu país reside justamente na unidade e na abrangência das forças que o apóiam. Ambas -unidade e abrangência- serão imprescindíveis para resistir à ofensiva das oligarquias derrotadas, permitindo a formulação de novas alternativas econômicas, sociais e políticas.

Na Argentina, com a aprovação da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, o governo de Cristina Kirchner confrontou a estrutura oligopolizada e a propriedade cruzada dos meios de comunicação. De acordo com o dispositivo legal, o setor privado poderá ter somente 33% das licenças do espectro radioelétrico, sendo o restante distribuído entre o Poder Público, as organizações sem fins lucrativos e as universidades. Tendo em conta a centralidade da grande imprensa no processo político, o ganho dos movimentos sociais com a medida é imenso.

Por aqui, a Conferência Nacional de Comunicação, convocada pelo presidente Lula, é, por si só, um avanço significativo. A mídia corporativa declara estar em curso um processo autoritário que, buscando "controlar a produção e distribuição de informação", objetiva ameaçar a liberdade de imprensa e o direito do cidadão à livre informação.

O famoso "diga-me com quem andas" não deveria ser lembrado quando vemos que a grita contra o encontro une alguns notáveis jornalistas a entidades como a ANJ e a Abert? Não vemos apenas a reação de hegemonias ameaçadas pela ação de um governo que, ainda que excessivamente cauteloso, ousou afrontar a produção de pensamento único?

Uma grita que perde qualquer sentido quando observada a composição tripartite da Confecom, seu caráter democrático e plural. Em jogo, mais que o poder político e o novo marco regulatório exigido pelas novas tecnologias, está a possibilidade de efetivação de um processo comunicativo horizontalizado, premissa básica de qualquer democracia

Por fim, foi na política externa que o bloco liberal-conservador sofreu outra derrota. A aprovação do ingresso da Venezuela no Mercosul, após duro embate entre governo e oposição no Senado, foi a vitória dos que apostam no Mercado Comum como espaço de integração. Apesar de ainda não terem superado incompreensões que obstaculizam ações unitárias, fundamentais para o enfrentamento de assimetrias, as forças progressistas da América Latina reiteram a opção pelo caminho sem volta de uma união soberana.

Estamos diante de um novo tipo de coordenação entre povos e Estados. Talvez fosse melhor falar em transição da transição. Um ponto de ruptura com a época em que o único sistema de coordenação possível era ditado pela Operação Condor. Uma conjuntura sombria onde as oposições burguesas mostraram o caráter mesquinho de seus supostos projetos de redemocratização. Os reais objetivos, sabemos todos, nunca passaram de tentativas mal dissimuladas de negociação com a ditadura, de melhores posições no jogo político montado para oprimir o povo.

São esses mesmos setores, com ar de vestais de republiqueta, que hoje que se opõem a Chávez, Lugo, Morales, Ortega, Kirchner, Lula e Correa. Continuam lutando por uma democracia depurada do elemento popular que a define. Não gostam apenas de paradoxos lógicos; amam retrocessos que levem a pactos intra-elites. Assim, a fragmentação da forças progressistas chilenas, que deu à direita uma vitória expressiva no primeiro turno das eleições presidenciais, deve servir como alerta ao campo democrático-popular brasileiro. Em 2010 não faltarão emoções fortes aos brasileiros. Melhor evitar as desnecessárias.

Em tempo: Ao alterar o texto do julgamento do pedido de extradição de Cesare Battisti, o STF termina o ano aceitando chicanas de toda ordem, fato reconhecido até por ministros da Casa. É de Marco Aurélio a constatação: "o que o governo da Itália pretende é uma virada de mesa".

Gilson Caroni Filho é professor das Faculdades Integradas Hélio Alonso, no Rio de Janeiro

Emiliano José: O ovo da serpente

Começou a campanha. Ao menos para uma parte da mídia. Ao menos para a Folha de S. Paulo. A Folha volta à militância. Ao rés do chão. Melhor, ao jornalismo de esgoto. Ao mais baixo nível. E eu não sou o primeiro a falar em jornalismo de esgoto. A um jornalismo podre, fétido.

Não compensa discutir o que ela divulgou sobre o presidente da República. Por que essa raiva? Por que esse ódio contra Lula? Será que poderíamos denominar simplesmente de ódio de classe? Será que o grupo Folhas nunca admitirá o presidente operário? O presidente operário que deu certo, contra todos os prognósticos dos senhores da Casa Grande?

O grupo Folhas torceu desesperadamente pela vitória do adversário. Em todas as disputas em que Lula se envolveu. Perdeu nas duas últimas. Perdeu feio. E houve choro. Ranger de dentes. A Casa Grande nunca se conforma. Todo mundo lembra a reunião do conselho editorial da Folha em que houve murros na mesa ali por volta de agosto de 2006, Lula lá em cima nas pesquisas. No que nós erramos? Era a pergunta do partido político – é, do partido político Folha de S. Paulo, que se perguntava por que, depois de tanta campanha, Lula continuava crescendo.

Essa visão é que fez com que uma jornalista dissesse, também em 2006, que a opinião pública estava contra Lula, mas o povo, a favor. É incrível, mas uma parte, hegemônica, da imprensa, pensa dessa maneira. Despreza o pensamento do povo. Enaltece o seu. E lamenta quando não é seguida, quando o povo não a obedece. A mídia, ou parte dela, acredita que ela constitui a opinião pública.

Não é o povo que constitui a sua própria opinião. Em 2002, a população respondeu a isso. E mais ainda em 2006. Lula, uma vez. Lula duas vezes. E ela, essa mídia, não aprende. E volta a carga. Pensa: quem sabe não será agora? Já que não o pegamos por outros aspectos, voltemos a invadir a seara privada, e não importa por que caminhos, se com a verdade, se com a mentira. E não custa tentar transformar a mentira em verdade. Tantos já o fizeram e conseguiram.

Imagine se Lula, agora, fizesse o que o presidente dos EUA, Barack Obama, fez com a Fox News. Diante da claríssima militância da Fox News ao lado dos republicanos, ao lado das teses mais conservadoras da sociedade americana, ao lado do programa político derrotado pelo povo americano, ele declarou calma e solenemente que não dá mais entrevistas à rede. Já que ela tem uma posição cristalizada, de partido político como ele disse, não cabe mais dizer nada para tal rede.

Mas, Lula, com seu espírito democrático, apesar do jogo sujo, da militância nítida contra ele, não adota a mesma postura. E não seria nada demais se o fizesse. Afinal, o desrespeito, o achincalhe, o baixíssimo nível extrapolou todos os limites.


O jornalismo, em tese, e vamos insistir na tese, tem um papel formador da cidadania. Deveria ter. Deveria trabalhar no sentido de formar cidadãos, cidadãs que fossem críticos com seus governantes. Um jornalismo que atentasse para a correta aplicação do dinheiro público, que insistisse na melhoria das condições de vida do povo, que avaliasse permanentemente as políticas públicas. Que estimulasse o crescimento da participação do povo na vida política. Tudo isso, e muito mais, deveria ser papel do jornalismo.

Quando se invade a esfera privada, sobretudo quando se mente de modo obsceno sobre o mundo privado, como no caso de Lula agora, vira jornalismo de esgoto e contra a cidadania. É uma confissão de falência da Folha. Falência do jornalismo. Falência dos critérios éticos. E, ao seu modo, uma confissão de impotência. Já que as políticas públicas do governo Lula são tão bem-sucedidas, não lhe resta outra alternativa senão invadir o terreno do esgoto. Sem se importar qual o cheiro que exale. Basta que atinja o objetivo: o de desgastar o mais popular presidente da história do Brasil. O de tentar impedir novamente a vitória, agora de sua candidata.

Para nós, jornalistas, fica uma sensação de tristeza. De um filme lamentavelmente já visto. E a certeza de que é preciso insistir em critérios éticos para o exercício dessa profissão. Que a Folha abandonou há muito tempo. Leiam Beatriz Kushnir, e seus Cães de Guarda – um retrato em branco e preto sobre o Grupo Folhas. Nesse livro, pode-se perceber como foi chocado o ovo da serpente.

Emiliano José é jornalista e deputado federal (PT-BA)

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Distorções inaceitáveis

O professor da USP José Augusto Guilhon Albuquerque escreveu nesta Folha (9/12) crítica à visita ao Brasil do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. Disse ter ficado confuso quanto ao que é paz e o que é desejável e, em exercício inaceitável de distorção dos fatos, afirma que houve cumplicidade brasileira com as atrocidades cometidas pelo governo iraniano.

Primeiramente, o professor omite que o iraniano foi recebido após as visitas dos presidentes de Israel, Shimon Peres, e da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas.

Quer dizer que o professor acha ruim receber Ahmadinejad, mas nada tem contra a recepção a Peres, presidente de um país que seguidamente viola as resoluções da Organização das Nações Unidas e cujo governo é responsável, pela via da força, por negar seguidamente ao povo palestino o direito de ter seu próprio país?

Mas o ardil de Albuquerque veio acompanhado da ausência de leitura da cobertura que a Folha fez do encontro com o iraniano.

No caderno Mundo (24/11), somos informados de que Lula "aproveitou a presença de Ahmadinejad para transmitir cobranças quase unânimes da comunidade diplomática", deixando "claro que repudia a hostilidade aberta de Ahmadinejad a Israel" e que "o Brasil, embora busque os melhores vínculos possíveis com o Irã, tem ressalvas em relação a algumas posições do iraniano".

O jornal publicou ainda as seguintes frases do presidente Lula: "A política externa brasileira é balizada pelo compromisso com a democracia e o respeito à diversidade. Defendemos os direitos humanos e a liberdade de escolha de nossos cidadãos e cidadãs com a mesma veemência com que repudiamos todo ato de intolerância ou de recurso ao terrorismo" e "Defendemos o direito do povo palestino a um Estado viável e a uma vida digna, ao lado de um Estado de Israel seguro e soberano".

Isso não importa, não é mesmo, professor? Afinal, a política externa que o sr. defende é a adotada no governo Fernando Henrique Cardoso, que desejava uma ordem unipolar, com os EUA dando as cartas.

O professor não se incomoda com essa concepção de política externa nem com a invasão do Iraque sem autorização da ONU ou com os centros de tortura americanos mundo afora.
Não há limites à hipocrisia, professor? A cumplicidade com essa submissão é que é inaceitável.

A diretriz do governo Lula para a política externa é, reconhecidamente, responsável pelo papel de destaque no mundo que o Brasil conquistou. Ela se pauta, entre outros fatores, pela compreensão de que nossos interesses nacionais serão tão mais ressonantes quanto maior for o caráter multipolar da nova ordem internacional. E esse caminho passa por integrar os países em desenvolvimento e seus blocos regionais e por construir novas pontes diplomáticas.

O Brasil não aceita o jogo da vilanização, cujo único propósito é reforçar a supremacia de uma superpotência e seus aliados. O presidente Lula age como interlocutor de distintos parceiros, com respeito à autodeterminação e mantendo sempre como horizonte estratégico a superação do unilateralismo como caminho único para a paz.

A passagem de Ahmadinejad pelo Brasil serviu também para que a comunidade internacional se fizesse ouvida pelo iraniano. E Lula deixou isso claro no encontro.

Se o professor escolheu torcer os fatos, não pode alegar desconhecimento de que a principal ameaça à paz mundial é a existência de um mundo unipolar.

As principais guerras recentes (Iugoslávia, Iraque, Afeganistão) foram produto desse desequilíbrio. Mesmo o terrorismo islâmico tem como uma de suas razões históricas a hipertrofia dos EUA e do sionismo no Oriente Médio, que condenam o povo palestino a ser uma nação sem Estado, os países árabes a um cerco permanente e o Irã a uma ameaça constante de agressão militar por parte de Israel.

Os sucessivos acordos de paz fracassados pedem que outros países, como o Brasil, contribuam com uma interlocução positiva no Oriente Médio. Por isso, receber Ahmadinejad foi, sim, uma decisão acertada.

José Dirceu
é advogado. Foi ministro-chefe da Casa Civil (governo Lula) e presidente do PT.

Artigo publicado na coluna Tendências e Debates do jornal Folha de S. Paulo, edição de 16/12/2009.

Lula, o mundo e a mídia

Publicado no site da Carta Maior

"O mundo me condena
e ninguém tem pena
falando sempre mal do meu nome
deixando de saber,
se eu vou morrer de sede
ou se eu vou morrer de fome!"
"Filosofia", Noel Rosa

Fortes e originais declarações de Lula sobre questões espinhosas e complexas do cenário internacional provocam boa oportunidade para nova avaliação sobre a ausência de sintonia entre o eco internacional positivo das falas presidenciais e o tratamento editorial negativo que a mídia nacional lhe atribui, quase por unanimidade.

Primeiro, há que reconhecer: Lula tem tido a audácia de tocar em temas considerados intocáveis como, por exemplo, ao questionar e criticar a reserva de mercado de fato de um clube restrito de países atômicos que pretende impor o desarmamento aos demais países. E, quando algum destes países periféricos reivindica o direito natural e histórico à isonomia de também possuir tecnologia nuclear é logo condenado como se seus objetivos fossem inquestionavelmente terroristas. E são logo colocados no “Eixo do Mal” criado pelo belicoso George Bush.

Já sabemos que os atentados de 11 de setembro de 2001 foram usados como um pretexto pelo mais intervencionista dos países para interferir ainda mais truculenta em cada canto do planeta onde conseguisse. Aliás, recomenda-se a leitura do site “Cientistas pela Verdade”, no qual a versão oficial é questionada com consistência. Após surgir a categoria do “Eixo do Mal”, vem o golpe midiático fracassado contra Chávez com apoio dos EUA, as prisões clandestinas de “suspeitos” em vários países seqüestrados em vôos clandestinos que usaram bases militares de países europeus que se autodenominam democráticos. Surgiu também a campanha contra as “armas químicas de destruição em massa no Iraque” que , com o apoio midiático internacional dos que controlam o fluxo da informação planetária, resultou na invasão sanguinária àquele país do Oriente Médio. As tropas de ocupação ainda lá estão sem que o Obama, agora Prêmio Nobel da Paz, tenha conseguido fazer com que seu discurso de mudanças tenha tradução verdadeira em atos de sua política externa, que é quase sempre militar, sendo sempre intervencionista.

Eixo do Mal: dirigismo ideológico
Na cabeça de Bush - não mencionamos cérebro - o Eixo do Mal era composto por Iraque, Coréia do Norte, Irã, Cuba e provavelmente a Venezuela. Cuba continua bloqueada, mas, mesmo assim, exporta médicos, professores, vacinas, remédios, livros, desportistas, para mais de 70 países. Os EUA, e os “democráticos” países europeus da OTAN, vão exportando militares, armas, inclusive, obviamente as de destruição em massa. O presidente do Timor Leste, jornalista e poeta Ramos-Horta, me informou que os EUA pressionaram-no para que não recebesse os 350 médicos cubanos que lá estão reconstruindo a nação timorense do mais cruel genocídio da era moderna, proporcionalmente falando. Ramos apenas perguntou ao embaixador norte-americano: “quantos médicos os EUA têm aqui em Timor?” Nenhum! Pois estão lá os 350 médicos cubanos e 600 jovens timorenses estudando medicina em Cuba, gratuitamente!

Ao defender Cuba, ampliando as relações Brasil-Cuba, condenando o bloqueio imposto à Ilha e ao quebrá-lo na prática quando instala empresas estatais brasileiras na Ilha, como a Embrapa, a Petrobrás, etc, Lula vai fazendo sua política na contracorrente da política intervencionista do Eixo do Mal. Como complemento, quando os jovens timorenses se formarem em medicina, antes de voltarem à Ásia, farão estágio na Fiocruz no Brasil, como reza o acordo que Lula firmou com Ramos-Horta

Coréia do Norte está lá de pé porque tem armas atômicas, senão seu destino poderia ter sido o do Iraque. E isto tem que ficar muito claro e ser lembrado todos os dias por todos os brasileiros, dos seringueiros aos militares, dos cientistas aos cineastas, dos religiosos aos carnavalescos. Basta mencionar que um suposto relatório da CIA, divulgado pelo extinto jornal Tribuna da Imprensa, dava conta da vulnerabilidade das torres petroleiras da Petrobrás a ataques terroristas. Lula mandou embaixador para a Coréia do Norte, Arnaldo Carilho, que é também grande pensador do cinema, da brasilidade e da soberania informativo-cultural brasileiras. Lula, outra vez, atuou com independência na contracorrente da linha Eixo do Mal, que tem sua vertente midiática.

Hipocrisia editorial
Recentemente, registrou-se a campanha midiática para que Lula não recebesse o presidente iraniano Mahmud Ahjmadinejad. Para este jornalismo, é como se o Brasil não tivesse direito de ter posições independentes e soberanas em política externa. Este mesmo jornalismo calou-se quando o então chanceler brasileiro da era da privataria obedeceu um guardinha de alfândega nos EUA que lhe obrigou a tirar os sapatos para entrar naquele país. O chanceler assumiu ali sua vocação para vassalagem.... Esta política externa de pés descalços foi arquivada por Lula. Junto com ela o projeto da ALCA, a terceirização/alienação da Base de Alcântara e outras.

Quando Lula não apenas discordou da mandatária alemã Ângela Merkel e também disse que as potências atômicas não têm moral para exigir que o Irã não tenha direito ao seu programa nuclear, percebemos novamente como opera a linha editorial subproduto do princípio ideológico do “Eixo do Mal”. Lula estaria, segundo ela, defendendo um país que apoiaria o terrorismo do Hamas e do Hezbolah. Não há o menor esforço para informar, nem internacionalmente, nem aqui, que o Hamas é um partido político eleito pelo voto direto da população palestina que habita a Faixa de Gaza para o exercício do governo. E como todo governo, tem o direito de ter armas, política de defesa. Israel não tem suas armas atômicas?

Sem informação, como julgar?
Não há também a menor vontade de informar que o Hezbolah é um movimento político, que tem praticamente a metade do Parlamento do Líbano, que tem cargos no governo libanês, administrando boa parte da política de saúde e de educação daquele país de preciosa presença na formação do nosso povo. É apenas por ser parte do estado no Líbano que se pode entender como o Hezbolah resistiu e impôs uma verdadeira derrota às agressões de Israel há alguns anos, após o que, pelo voto direto, ampliou sua participação na administração pública libanesa. Vale registrar que a TV do Hezbolah resistiu por várias semanas a terríveis bombardeios israelenses sem sequer sair do ar. Segundo escassas informações, a emissora teve seus transmissores instalados em vários lugares, subterrâneos, exatamente para resistir aos bombardeios. Trata-se de emissora de TV que pode ser sintonizada em todo o mundo árabe e também na Europa. Talvez isto sirva de estímulo para a TV Brasil vencer todos os obstáculos que ainda a impedem ter visibilidade em todo o território nacional, e também internacionalmente, já que o Brasil pretende, legitimamente, ser protagonista de primeira linha no complexo cenário internacional. Para isto já aposentou corretamente a vassalagem da política de externa de “pés descalços” e , com a criação da TV Brasil, pode construir também uma política de comunicação internacional, aliás como já anunciado. Só lembrando, na Era Vargas, a Rádio Nacional do Rio de Janeiro era a quarta mais potente emissora do planeta, captada em todos os continentes, transmitindo em 4 idiomas......

Seria muito útil que a TV Brasil informasse ampla e profundamente sobre o que ocorre na Palestina, sob todos os ângulos, e também sobre o que é o Hamas, o que é o Hezbolah, como é o Líbano hoje em cuja configuração de poder político tem a presença, pelo voto direto popular, do Hezbolah. Da outra mídia, que tenta desqualificar a política externa praticada por Lula, e que tenta insinuar que Brasil está estabelecendo cooperação mais ampla com um país (Irã) que “apoiaria o terrorismo”, não podemos esperar informações objetivas e verazes sobre estes processos. Afinal, trata-se de uma mídia que segue o manual de jornalismo do “Eixo do Mal” e condena tudo o que questione esta linha, como agora critica Lula por sua audaciosa posição contra os privilégios dos países atômicos que querem manter os outros desarmados.....Tudo isto tem tradução no jornalismo. Ou seja, Lula tem sido singular construtor de pautas para um jornalismo independente. É preciso aproveitá-las com criatividade e originalidade. Ter a audácia, como Lula o faz em política internacional, de discordar da linha editorial convencional sobre temas tão complexos.

Honduras: a isca ideológica do golpismo
No golpe de Honduras a posição valente da política externa brasileira confrontou-se com a linha editorial praticante do “dirigismo de mercado” que, por não admitir em nenhuma hipótese que aquele país centro-americano desenvolvesse cooperação nas áreas de saúde e educação com Cuba, nas áreas agrícola e energética com a Venezuela, optou pela defesa do golpe. Esta mídia engoliu com prazer a isca ideológica do golpismo, segundo a qual, Zelaya é que era o golpista porque queria sua própria reeleição. Mas, este item sequer constava da consulta popular que seria submetida ao povo hondurenho quando o golpe foi dado. Mas, constava da consulta a destinação da base militar norte-americana no país.......

Tal como na invasão do Iraque, quando a isca ideológica era “as armas de destruição em massa”, no caso de Honduras, o Zelaya é que foi transformado em golpista. O New York Times já pediu desculpas seus leitores por ter difundido a mentira das “armas de destruição em massa”, afinal, jamais encontradas. A não ser nas mãos das tropas da OTAN que contaminaram a Yugoslávia e o Iraque com bombas de urânio empobrecido.

Uma vez mais, Lula foi por um lado, “não converso com golpista” , declarou, e a linha editorial da mídia nacional foi na conversa do Partido Pentágono Republicano que impõe seu dirigismo em nome das encomendas da indústria bélica. A solução para estes desencontros é mais informação, mais pluralidade. Por exemplo: com a ajuda da PDVSA, petroleira estatal Venezuela, Zelaya trocou todas as lâmpadas de todas as residências de Honduras por lâmpadas chinesas, que gastam 70 por cento menos de energia. E Honduras tem escassez energética, depende de termoelétricas, celebrou acordo sobre biocombustíveis com o Brasil. Não fica mais claro compreender o porquê do golpe contra Zelaya? E quando será informado que houve descoberta de petróleo na costa hondurenha?

Venezuela: excesso de democracia
No caso venezuelano há fartos exemplos de desinformação e manipulação por parte desta mídia. Chega até a por em dúvida se houve de fato golpe de estado. Aqui no Brasil, a mídia que apoiou o golpe de 1964 também disse que houve “revolução” porque havia vacância de poder. Na Venezuela o presidente da república foi seqüestrado e a mídia mentiu dizendo que ele havia renunciado.

Mas, concentremo-nos no total desencontro das posições de Lula contra esta mídia que segue editorialmente o Partido Republicano-Pentágono, ou os princípios filosóficos editoriais do Eixo do Mal.

Enquanto toda esta mídia afirma que há ditadura na Venezuela, Lula afirma que “na Venezuela há democracia em excesso”. Em 10 anos, foram realizadas 15 eleições, referendos, constituinte, plebiscitos, dois quais Chávez venceu 14 e respeitou o resultado quando foi derrotado. Este desencontro total alcança até mesmo a linha editorial do Observatório da Imprensa na TV, que nos dois programas especiais sobre a Pátria de Bolívar afirmou que lá há ataque à mídia independente. Registre-se que foram considerados “mídia independente” veículos que compõem o Grupo de Diários da América, jornalões vinculados à SIP – Sociedade Interamericana de Prensa , entidade fundada pela Cia no pós-guerra e que sustentou todos os golpes militares na América Latina, seja o golpe contra Perón, contra Jango, contra Allende, tendo apoiado as mais sanguinárias ditaduras da região. Esta mídia atua livremente na Venezuela, ofende e insulta o presidente Hugo Chávez seja por ser negro ou por ser descendente de índio. Assim como esta mesma mídia chama o presidente Evo Moralez de “narcotraficante”, chama a Chávez de “negro doido”, “selvagem”,”psicopata”, “bêbado”.

Detalhe interessante, não ressaltado no programa televisivo citado: não há jornalistas presos na Venezuela, nenhum jornalista foi assassinado, nem torturado, como ocorre agora mesmo na Colômbia, no México, no Peru, em Honduras de Michelleti. Outra informação interessante: o maior jornal da Venezuela, o Nacional, vendia 400 mil exemplares quando Chávez foi eleito, em 1998. Hoje, após dez anos depois de oposicionismo anti-chavista, vende apenas 40 mil exemplares. A Folha de São Paulo, que já imprimiu 1 milhão e hoje caiu para uma tiragem 3 vezes menor, e com uma vendagem de bancas em torno de 30 mil exemplares apenas, deve estar fazendo suas contas. Mas, mesmo assim, tem a petulância de defender o fechamento da TV Brasil, a única emissora que cumpre integralmente o capítulo da Comunicação Social da Constituição, com uma programação cidadã, plural, diversificada, regionalizada, educativa e humanizadora para o público infantil, respeitosa para com a cultura nacional, do samba ao cinema. Falta o futebol , né?

Independente de quem?
Sobre o grupo empresarial que perdeu a concessão da Rádio e TV Caracas, é preciso informar que a concessão, como ocorre em qualquer país, tem prazo limitado por lei e este prazo terminou. Aqui no Brasil as concessões de rádio e TV de grupos poderosos são renovadas automaticamente. Na prática, adquirem caráter de vitaliciedade. Chávez quebrou um tabu ao não renovar a concessão para o mesmo grupo empresarial, exercendo sua prerrogativa presidencial, prevista em lei, como na maioria dos países do mundo. Mas aquela TV continua operando no cabo, não foi fechada. Isto não foi informado. Não teve a concessão renovada porque o espectro radioelétrico é propriedade do povo venezuelano, não é propriedade privada. Nos EUA centenas de concessões foram revogadas desde meados do século passado. Na França, o presidente Chirac também não renovou concessões. Na Inglaterra de Tatcher, idem. Por que será que contra estes países não houve a escandalosa campanha midiática mundial que se fez contra Chávez?

Estes desencontros entre as posições fortes, destemidas e originais de Lula em política internacional e a linha editorial conservadora, submissa e de ideologia dependente da mídia nacional deveriam merecer um bom debate. Mas, era importante que este debate fosse para as telas da TV e para as ondas do Rádio já que nossa mídia impressa além de ser fechada ao tema, registra taxas indigentes de leitura de jornal e revista. Assim, só mesmo as emissoras do campo público da comunicação, a começar pelos veículos da EBC, as TVs educativas, as legislativas, as universitárias e as comunitárias podem de fato abrir-se democraticamente a este debate e dar-lhe caráter amplo e plural que merece. E é exatamente por isso que são tão justas e tão necessárias as propostas de fortalecimento, expansão e qualificação de todas as modalidades da comunicação pública. É por isso mesmo que elas precisam ser aprovadas nesta primeira Conferência Nacional de Comunicação, a ter início no dia 14 de dezembro. Sendo emblemático que ela tenha a presença de Lula na abertura.

Beto Almeida é Presidente da TV Cidade Livre de Brasília

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Jonas Valente: A agenda popular e democrática da Confecom

Por Jonas Valente

No último dia 22, chegou ao fim a maratona de realização das etapas estaduais da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), que envolveu eventos em todas as 27 Unidades da Federação. Como não puderam votar propostas – limite imposto pela Resolução Nº 8 da Comissão Organizadora Nacional –, estes eventos ficaram limitados à eleição de delegados. Escolhidos os representantes dos três segmentos à etapa nacional, marcada para os dias 14 a 17 de dezembro em Brasília, as atenções voltam-se agora à discussão sobre o conteúdo das resoluções que sairão deste evento.

O processo da Conferência não foi fácil. Desde o seu início, ele foi limitado e restringido por sucessivos regramentos definidos a partir dos condicionantes e ameaças impostos pelo empresariado do setor. Isso resultou num privilégio desmedido a este segmento, sustentado não apenas pelo governo federal mas como por parte das entidades da sociedade civil integrantes da Comissão Organizadora Nacional.

A justificativa destas últimas para tal posicionamento se apoiava na avaliação que, sem a presença dos três setores, a Confecom corria riscos de não ser realizada ou fracassaria. Em uma conclusão nossa a partir deste raciocínio, feitas as concessões necessárias para que a Confecom fosse assegurada, não haveria mais a necessidade de limitar a estratégia de construção de uma agenda democrática e popular para as políticas de comunicação do país.

Independente das avaliações sobre os caminhos traçados até agora, já debatidas exaustivamente pelos vários atores envolvidos no processo, há de se reforçar a importância de uma estratégia no sentido do apontado no parágrafo anterior. A etapa nacional, depois de um difícil desenrolar, pode colocar a Confecom como ponto de virada na história das comunicações brasileiras caso consiga aprovar uma agenda democrática e popular para o setor.

O alcance deste objetivo demanda um grande esforço por parte das entidades da sociedade civil e dos movimentos sociais. Em primeiro lugar, para conseguir consensuar uma plataforma comum a partir do rico conjunto de propostas apresentado por grupos como o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, a Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Conselho Federal de Psicologia (CFP), o Partido Comunista do Brasil e a Associação Brasileira de Canais Comunitários (Abccom), além do movimento negro e de mulheres.

Pelos debates realizados nas conferências estaduais, tal empreitada se mostra viável. É possível arriscar que há possibilidades de acordo em torno de um novo marco regulatório calcado em pontos como: (1) a constituição de órgãos reguladores abertos à participação da sociedade, (2) a forte limitação da concentração de propriedade dos meios de comunicação, (3) a ampliação da transparência e da participação da população na concessão e renovação de outorgas, (4) o fortalecimento da mídia pública e comunitária, (5) a proteção do contéudo nacional e a instituição de cotas para estimular a produção regional e independente, (6) a democratização das verbas oficiais de publicidade, (7) a implantação de mecanismos para coibir a representação distorcida e desequilibradas de segmentos minorizados e oprimidos, bem como para ampliar o espaço destes na mídia, e (8) a promoção, pelo Estado, de uma política que assegure o acesso dos brasileiros à internet em banda larga.

É preciso ainda ajustar, entre os diversos atores, as formas concretas que cada uma destas diretrizes assume. Há ainda idéias diversas sobre a composição dos órgãos reguladores, a caracterização dos sistemas público, privado e estatal, a competência de municípios para outorgar autorizações de radiodifusão comunitária, percentuais e destinatários alternativos da publicidade governamental, fontes de receita para os mecanismos de financiamento e forma da universalização do acesso à banda larga. Estes desacordos, contudo, se mostram mais pontuais do que estruturais, o que abre caminho para uma extensa e qualificada pauta conjunta. Associa-se ao desafio do processo de síntese programática a necessidade de assegurar posturas de construção coletiva e respeito entre o conjunto deste segmento para que tal empreitada seja bem sucedida.

Indo além dos muros da sociedade civil, faz-se necessário estabelecer uma interlocução com os representantes do poder público, em especial com o governo federal, cujos delegados serão o “fiel da balança”. A tomar pela divulgação das propostas do Executivo Federal, há brechas importantes para viabilizar tal movimento. Em diversos pontos, as elaborações do promotor da Confecom se aproximam desta possível plataforma comum dos movimentos sociais.

No entanto, para que esta expectativa se concretize, deve haver disposição tanto por parte dos movimentos sociais quanto pelo governo federal para enfrentar as já conhecidas resistências do setor empresarial, que não abre mão dos privilégios constituídos ao longo da Ditadura Militar e das duas gestões de Fernando Henrique Cardoso. Não haverá democratização da comunicação no país sem mexer nas estruturas já consolidadas do setor. Terão, a sociedade e os dirigentes do Executivo Federal, a oportunidade de iniciar a realização de uma das principais tarefas históricas ainda não assumidas por este governo.

Jonas Valente é jornalista e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, entidade que representa na Comissão Organizadora da 1ª Conferência Nacional de Comunicação. Twitter: @jonasvalente

O presidente e o palavrão que incomoda

Por Gilson Caroni Filho


Se tratar da língua é tratar de um tema político, a fala sem rodeios do presidente Lula, durante cerimônia de assinatura dos contratos do programa Minha Casa, Minha Vida, no Maranhão, vai encher a seção de cartas de jornais e revistas, além de dar o tom do moralismo seletivo dos grandes articulistas. Fingirão não saber que palavras tidas como chulas são formas lingüísticas ímpares para expressar emoções que permeiam o corpo e os amplos campos das relações sociais. Não está em questão se o emprego se deu em contexto adequado, mas o que move o coro dos “indignados”.

Ao afirmar que "eu não quero saber se o João Castelo é do PSDB. Se o outro é do PFL. Eu não quero saber se é do PT. Eu quero é saber se o povo está na merda e eu quero tirar o povo da merda em que ele se encontra. Esse é o dado concreto", Lula tem consciência de que os opositores dirão que desrespeitou a postura pública que deveria manter em face de majestade do cargo que ocupa. Tanto que se antecipa à crítica anunciada: “Amanhã os comentaristas dos grandes jornais vão dizer que o Lula falou um palavrão, mas eu tenho consciência que eles falam mais palavrão do que eu todo dia e tenho consciência de como vive o povo pobre desse país".

Como tem sido colonizada para ter vergonha de ser o que é, uma boa parcela da classe média urbana se apresenta como defensora intransigente da propriedade, da família e do Estado Patrimonial. Confunde governo e salvação, ignora a representação, desconhece direitos sociais e políticos, menosprezando a exploração econômica, embora seja “mobilizável” por campanhas de caridades que reforcem a sua imagem de privilegiadas. Em busca de ilusões perdidas, está disponível para aventuras que realçam a ferocidade dos seus recalques. E qualquer enunciado que apresente um padrão variante é o suficiente para açular o seu ódio de classe.

Pouco lhe importa se campeia a violência, a truculência e a miséria. Em seu ilusório casulo, o que merece relevo é o destempero verbal de um presidente que não segue os padrões dos antigos donos do poder. É de pouca importância se o governo anterior reduziu a zero os empréstimos da Caixa Econômica Federal às autarquias e estatais da área de saneamento básico. Também não lhe tira o sono se a decisão política do tucanato provocou, além da dengue, surtos de cólera, leishmaniose visceral, tifo e disenterias. Ora, doenças resultantes da falta de saneamento não lhe incomodam. A merda que lhe aflige é aquela que aparece no improviso presidencial como dado concreto.

Para Lula, o descalabro no saneamento é uma tragédia, e, de fato, o é. Por sua história, o presidente faz parte de uma legião de sobreviventes. De um exército que resistiu a séculos de dificuldades imensas, naturais e humanas. Tem orgulho saudável de sua força. Da força desse povo que come mandacaru e capulho verde de algodão e ainda tem a esperança desesperada de querer viver. Isso é coragem, é grandeza. Essa é a merda que causa engulhos na grande imprensa e nos seus leitores indignados. Mas indignados com o quê, afinal?

Indignados pela existência de erros que se repetem há tempos? Indignados pela impotência de um saber divorciado da dimensão histórica e da responsabilidade social que deveria caber aos centros de ensino que freqüentaram? Indignados pela ameaça, concreta e imediata, da morte, pela fome endêmica e, até bem pouco tempo epidêmica, dos mais miseráveis? Não. O que os ruborizados pelo emprego da palavra "merda" não suportam é a ausência do promotor da "paz social", do garantidor de uma ordem política que lhes oferecia, através do conservadorismo autoritário, uma institucionalidade que muito apreciavam ética e esteticamente. Um simulacro de república feito sob medida.

O problema é que a vestimenta institucional brasileira parece calça curta, fazendo o país caminhar desajeitado, com medo do ridículo. A reforma mais urgente requer produção crescente de cidadania, a criação incessante de sujeitos portadores de direitos e deveres. Em uma sociedade fracionada, essa é a merda que ameaça e choca os estamentos mais reacionários: a realidade que não deveria ter emergido com modelagem tão nítida.

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro

Compromisso com o futuro

Por Dilma Rousseff

Artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, edição de 13/12/2009

A 15a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, que termina esta semana em Copenhague, é daqueles momentos em que a História nos desafia ao máximo. A crise do aquecimento global exige respostas firmes, conjuntas e consequentes, por parte de todos os países e governos. Limitar o aumento da temperatura neste século a no máximo 2 graus centígrados, reduzindo as emissões de gases que provocam efeito estufa, é um objetivo possível e necessário. Para alcançá-lo, temos de firmar um compromisso urgente dos países industrializados, sem exceções, com a redução de suas próprias emissões e com a garantia do financiamento às ações necessárias nos países em desenvolvimento.

Deter o aquecimento global é uma responsabilidade comum, mas diferenciada em relação ao papel de cada país ou grupo de países, além de estar vinculada às realidades específicas de desenvolvimento econômico e social de cada um. Não se podem cobrar sacrifícios iguais de quem participou desigualmente do processo de desenvolvimento industrial e acumulação de riqueza ao longo de séculos. Copenhague será um avanço, se os países que acumularam riqueza, historicamente, à custa da degradação ambiental, colocarem na mesa metas de redução de emissões. Números robustos, à altura do desafio comum e da dívida acumulada com o planeta.

Coerentemente, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima estabeleceu que os países industrializados devem adotar metas absolutas de redução para o conjunto de suas economias. E os países em desenvolvimento devem definir ações voluntárias em setores por eles determinados, em intensidade mensurável. Espera-se que até 2020 os países mais ricos reduzam suas emissões de CO2 em 40% em relação ao ano de 1990, que respeitem o Protocolo de Quioto e que mantenham um fundo público permanente para financiar ações de mitigação e adaptação nos países em desenvolvimento. Estes países precisam ser apoiados para ter oportunidade de crescer e atender suas demandas sociais, sem agravar a situação ambiental.

Graças às ações que adotamos internamente e à persistência com que conclamamos os demais países a um esforço compartilhado de controle do clima, o Brasil deixou de ser parte do problema do aquecimento global para se tornar respeitado como impulsionador de soluções negociadas. Temos a matriz energética mais limpa e renovável entre as maiores economias do mundo. Usinas hidrelétricas, biocombustíveis e outras fontes renováveis respondem por 45,9% de toda energia consumida no Brasil. A média mundial é de 87,1% de utilização de fontes fósseis, como petróleo e carvão, contra 12,9% de fontes renováveis. Nos países da OCDE, a média piora para 93,7% de fontes fósseis, que agravam o efeito estufa.

Nossa matriz energética limpa não caiu do céu. É o resultado do esforço de gerações na construção de usinas hidrelétricas e na produção de combustíveis renováveis. Fontes hídricas garantem 86% da geração de eletricidade no Brasil. Nos últimos 30 anos, a utilização de etanol combustível, anidro ou hidratado, evitou a emissão de mais de 850 milhões de toneladas de CO2 à atmosfera.

O governo do presidente Lula valorizou e ampliou esse patrimônio nacional. Com a entrada em operação de novas usinas, acrescentamos 22 mil Megawatts à oferta de energia hidrelétrica, entre 2005 e 2008. E contratamos mais 6.874 Megawatts gerados por fontes alternativas, especialmente biomassa, o que corresponde à capacidade de geração de meia Itaipu. Criamos o Programa do Biodiesel e obrigamos, por lei, a adição do óleo vegetal ao diesel consumido no país. Incentivamos a produção dos automóveis com motores flex - que já são 94% dos carros vendidos hoje no país.

O Brasil, além do mais, acaba de dar a mais vigorosa resposta ao desafio de reduzir e conter o histórico processo de desmatamento da Amazônia - maior fonte de emissão de CO2 em nosso território. A área de floresta derrubada caiu de cerca de 28 mil quilômetros quadrados em 2004, para 7 mil quilômetros quadrados em 2009. É o melhor resultado desde 1988, quando o Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) começou a mensurar o desmatamento. O resultado deste ano confirma a sequência de reduções consistentes, iniciada em 2005. É o fruto da vigilância permanente, da repressão ao comércio ilegal de madeira e de políticas que valorizam a preservação da floresta.

O Brasil está no grupo de países dos quais se esperam ações voluntárias para mitigar a emissão de poluentes em seu território, mas não estão obrigados a fixar metas de redução. Nós decidimos ir além disso e apresentamos, em novembro último, a meta de reduzir as emissões em nosso país, entre 36,1% e 38,9%, até 2020. Vamos deixar de emitir cerca de 1 bilhão de toneladas de CO2 equivalente (t CO2eq), cumprindo um programa de ações voluntárias assim definido:

. Reduzir em 80% o desmatamento na Amazônia e em 40%, no cerrado (corte de 669 milhões t CO2eq).
. Adotar intensivamente na agricultura a recuperação de pastagens, integração agricultura-pecuária, plantio direto na palha e fixação biológica de nitrogênio (corte de 133 a166 milhões t CO2eq)
. Ampliar a eficiência energética, o uso de biocombustíveis, a oferta de hidrelétricas e fontes alternativas como biomassa, eólicas, pequenas centrais hidrelétricas, e o uso de carvão de florestas plantadas na siderurgia (corte de 174 a 217 milhões t CO2eq)

A iniciativa brasileira reanimou as expectativas de sucesso em torno da Conferência do Clima, que estavam ameaçadas pela reticência de atores fundamentais, notadamente Estados Unidos e China. Imediatamente, outros países responderam com metas voluntárias em graus variados. E pela primeira vez, na história das negociações sobre clima, os Estados Unidos apresentaram uma meta de redução de emissões.

É importante ter números na mesa, mas eles devem ser avaliados por seu alcance efetivo. Tomando como referência os níveis verificados em 1990 – como fazem os signatários do Protocolo de Quioto – a proposta dos Estados Unidos equivale a cortar meros 4% de suas emissões. É decepcionante, para um país que responde por 29% das emissões globais. Será igualmente decepcionante se a União Europeia fixar objetivos abaixo das expectativas alimentadas nos últimos anos. E será totalmente frustrante se Copenhague der respostas financeiramente limitadas e institucionalmente incertas, para o apoio às ações de mitigação nos países em desenvolvimento. Circunstâncias da economia mundial não justificam o abandono do planejamento multilateral adequado, de longo prazo e com respeito à soberania dos países.

O Brasil vai a Copenhague como o país que já promoveu a maior redução em suas emissões de CO2. Fomos além de nossas obrigações e apresentamos, pioneiramente, metas voluntárias e ousadas para 2020. Fizemos nossa parte; esperamos o mesmo dos demais. Não podemos nos conformar com números mesquinhos, que não levem em conta o estoque acumulado no tempo nem os índices per capita de emissão de CO2 de cada país. O futuro não nos perdoará se desperdiçarmos esta oportunidade de tornar o mundo melhor, ambientalmente mais seguro, para nós e para os que virão depois.

Dilma Rousseff é Ministra de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República, Chefe da Delegação Brasileira à 15a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Uma Nova Abolição

Por Renato Cinco(Organizador da Marcha da Maconha no Rio de Janeiro)

Na Proclamação do Anhangabaú da Felicidade, manifesto do Teatro Oficina, Zé Celso lançou um desafio para o Brasil: “Ser o primeiro país do mundo a promover a grandeza da Abolição da Escravidão do século 21 através da descriminalizaçã o Total das Drogas, tirando da Polícia sua administração e passando para o Ministério da Saúde, Cultura e evidentemente da Fazenda... tornando-a uma questão totalmente Cultural, que livrará o país deste Genocídio praticado diariamente principalmente contra as crianças de todos os Canudos-Favelas de todo País.

”À primeira vista pode parecer descabido comparar a legalização das drogas no século XXI com a abolição da escravidão no século XIX, mas estas palavras do Zé Celso são muito sábias e lúcidas, revelando sua capacidade de perceber a realidade muito além dos discursos oficiais.

A criminalização das drogas é uma estratégia de controle social e não uma política de proteção da saúde pública, como proclamam os defensores da “War on Drugs” de Richard Nixon. A realidade demonstra claramente a total incapacidade da política proibicionista de proteger a saúde pública, e os próprios Estados Unidos - país que mais gasta com a Guerra às Drogas em todo o mundo -, têm a maior taxa de usuários de drogas ilícitas do mundo. Cerca de 40% da população dos EUA já utilizou drogas ilícitas, inclusive Barack Obama, Bush filho e Bill Clinton.

Por outro lado, a Guerra às Drogas é extremamente eficiente como instrumento de criminalização e perseguição de grupos socais, de movimentos políticos e até mesmo de países. Recentemente, em palestras no Rio de Janeiro, o policial estadunidense e fundador da Law Enforcement Against Prohibition (LEAP), Jack Cole, denunciou o caráter racista da War on Drugs nos EUA, revelando que hoje seu país encarcera cerca de 6,9% da população negra contra 0,9% da branca. O regime do Apartheid da África do Sul encarcerou 0,8% da população negra.

No Brasil o caráter racista da proibição das drogas também está presente e a perseguição e criminalização da maconha ocorreu no contexto de estigmatização da cultura negra. Porém, em nosso país a Guerra às Drogas atinge a pobreza de maneira geral, e apesar da pouca importância para o mercado ilícito, são os pequenos e miseráveis varejistas do tráfico os que lotam as cadeias, necrotérios e microondas.

De um ponto de vista antiproibicionista a lei 11343/2006 tem o mérito do fim da pena de prisão para o usuário de drogas, incluindo os que cultivam para consumo próprio. Ao não estabelecer, porém, critérios objetivos para a diferenciação de usuários e traficantes, a lei permite que usuários pobres e sem acesso a advogados sejam enquadrados como traficantes.

Além disso, ao manter na ilegalidade o comércio de drogas e ainda ao aumentar a pena mínima de prisão para os traficantes, a lei 11343 contribui para a dinâmica de acumulação da violência nas cidades brasileiras.

Nos últimos anos, vimos no Rio de Janeiro o surgimento da criminalidade policial organizada na forma das milícias. Muito mais poderosas do que as quadrilhas de varejistas do tráfico, os milicianos vêm aumentando cada vez mais sua base territorial e já estão se infiltrando no poder legislativo. Se não conseguirmos romper com este círculo vicioso de corrupção e violência, a própria democratização da sociedade fica ameaçada.

Nossa sociedade precisa romper com os velhos esquemas de controle social através da violência do Estado e finalmente aceitar que a paz é fruto da justiça.

Uribe, rei da salsa

Por Emir Sader

A Colômbia é um país anestesiado. Ou, pior, dependente de um mecanismo diabólico. Com a Operação Colômbia, os EUA exportaram maciçamente não apenas armas, tropas, aviões, mas também seu mecanismo clássico de buscar responsáveis pelos seus problemas nos outros.

No próprio tema das drogas, o país que detém o maior mercado consumidor do mundo e a sociedade que depende das drogas, acusa os países produtores como responsáveis de atender à sua milionária demanda. Ao mesmo tempo, nenhum grande traficante está preso nos EUA, em condições que o comércio de drogas movimenta cifras incalculáveis nesse país.

No caso da Colômbia, o uribismo é o mecanismo pelo qual se busca a culpa pelos problemas do país não na miséria, na desigualdade, na injustiça, na corrupção, no narcotráfico, nas políticas neoliberais, na violência, mas nas Farc, primeiro, na Venezuela, depois.

A senadora Piedad Córdoba, que tem uma notável atividade de busca de soluções políticas aos conflitos internos, tendo sido a responsável pela liberação de vários presos e segue empenhada nessa louvável ação, é diabolizada pelo governo e pela imprensa, ao invés de ter apoiada sua candidatura ao Prêmio Nobel da Paz – de que é merecedora, mesmo se não fosse em comparação com o presidente dos EUA, Obama, cujo governo, além da continuação da invasão e das guerras no Iraque e no Afeganistão, está instalando 8 bases militares na Colômbia, elevando a militarização do país.

Piedad Córdoba vive agredida pelo governo e pela imprensa, por vários setores da sociedade que não conseguem aceitar que há uma via política, pacífica, de negociação, para os problemas do país. O país se tornou uribedependente, viciado nos argumentos de que a violência só se combate com mais violência, de que os problemas da Colômbia estão na existência das Farc e em países vizinhos que ameaçariam o país. Mesmo com a instalação de bases militares norteamericanas no país, em que documento oficial dos EUA afirma que, pelo menos uma delas – a de Palanquero – servirá para operações militares sobre o conjunto da região -, fecham-se os olhos para a violação da soberania nacional e para o fato de que isso representa o perigo para a convivência pacífica na região.

Ameaçam não apenas a Venezuela, a Bolívia, o Equador, mas o Brasil, a Argentina, o Paraguai, o Uruguai e o Chile – todos os países que detêm riquezas cobiçadas pelos EUA e que desenvolvem políticas que não obedecem a Washington da maneira subserviente que o faz Colômbia.

Uribe sobrevive, apesar dos escândalos ligados à violência, ao paramilitarismo, ao narcotráfico, que seguem sendo revelados, porque submeteu o país à chantagem da “segurança democrática”, em que supostamente somente ele poderia garantir a paz no país. Como? Com mais violência, com a militarização da Colômbia, tornando-se uma base militar nortemaericana, fortalecendo ainda mais os paramilitares e os narcotraficantes.

Se Berlusconi foi eleito o rei do rock pela Rolling Stones italiana, Uribe merece ser eleito o rei da salsa. Pelo poder de representação que desenvolve, pelo ritmo frenético com leva a Colômbia no caminho da sua perdição, pelas formas farsantes com que atua, tornando-se um artista do incentivo à violência, ao ódio, um enganador. Não um governante, que defenda os interesses do país, que coloque em prática as políticas que façam com que a Colômbia deixe de ser um país em que a economia cresce, mas os índices sociais continuam piorando.

Uma Colômbia pacífica, que se concentre na ação contra os seus reais problemas, precisa de outro tipo de governo. Da mesma forma que a América Latina integrada, soberana, justa, solidária, precisa de uma Colômbia democrática, justa, pacífica, amiga e não inimiga dos seus vizinhos. Uma Colômbia de vallenato, cumbia, salsa, dançadas e cantadas pelo seu povo musical e hospitaleiro e não pela farsa de governantes que a mantêm no limite da guerra, para tentarem se perpetuar no poder.